O túmulo da democracia – por Ricardo Araújo Pereira

(Transcrito, com a devida vénia, da revista VISÂO)

Não menosprezando o esforço feito por vários académicos para distinguir a democracia dos outros regimes, tenho pena que não haja um cientista político que se disponha a distinguir a democracia grega do Euro milhões. Os gregos, tal como os apostadores do Euro milhões, preencheram um boletim e esperaram por um resultado que lhes permitisse arrecadar um cheque concedido por uma entidade europeia que ninguém sabe bem qual é. Esta semana não houve totalistas, e portanto parece que vão ter de voltar a jogar em breve. É um processo tão parecido com o Euro milhões que a Santa Casa devia ponderar a hipótese de processar a Grécia por plágio.

 

Os partidos que querem cumprir o acordo com a troika são todos iguais, mas os partidos que são contra o memorando são-no cada um à sua maneira. É Tolstoi aplicado à economia política. O resultado é que os partidos favoráveis ao acordo queriam coligar-se mas não podem, enquanto os que se opõem à troika poderiam coligar-se mas não querem. Os que querem formar Governo não têm votos suficientes para o fazer, e os que têm não querem governar. Entretanto, na Grécia o voto é obrigatório, mas as pessoas podem não ir votar, que ninguém as obriga. Curiosamente, este sistema está com dificuldade em chegar a uma conclusão em relação ao futuro do país.

Um dos factos mais curiosos foi a votação recebida pelo partido de extrema-direita cujo nome parece um cruzamento entre um conto de fadas e uma prática sexual: Aurora Dourada. Obteve 7% dos votos, elegendo 21 deputados – pelo menos provisoriamente, até às próximas eleições. Logo após o anúncio dos resultados, o chefe do partido nazi apresentou-se em público rodeado de gandulos carecas e comunicou à imprensa três palavras: “Veni, vidi, vici.” Há qualquer coisa enternecedora num nacionalista grego que se dirige ao seu eleitorado em latim. E o recinto onde a comunicação foi feita estava todo engalanado com bandeiras nazis. Há qualquer coisa enternecedora num partido que se propõe rechaçar os ditames da troika, que impõe os interesses da Alemanha, ao mesmo tempo que perfilha uma ideologia alemã. Ou talvez não seja enternecedor. Mas é qualquer coisa. E das interessantes.

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