Não esquecerei como fiquei surpreendido nesses dias que visitei a ilha da Madeira em Portugal, ao pesquisar as relações sociais entre pescadores proletários de que resultou um texto sobre a tristeza, disfarçada de orgulho, que sentiam os pais das crianças entregues a uma rede pedófila que percorria todo o caminho da Bélgica até à Região autónoma da Madeira. É o crime de pedofilia, que pais e crianças não entendem, por falta de experiência. Apenas pensam no dinheiro que lhes é pago por levarem as suas crianças para o estrangeiro para, supostamente, trabalharem. Que fosse pedofilia, eles não entendiam. Apenas debatiam o que anda na moda: o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo, uma surpresa para todos eles. Denominavam homossexualidade a este novo tipo de matrimónio, o que parecia não ser um facto normal, mas também não causava surpresa: no dia que escrevo este texto, acabam de ser promulgadas as alterações ao Código Civil que nos governa, com opinião favorável do Tribunal Constitucional que tem como atribuição que as leis estejam coordenadas com a Constituição. Faltava a promulgação e todos os que saíram do armário em que escondiam a sua preferência sexual, já falam do seu matrimónio com uma pessoa do mesmo género. A mente cultural na Madeira e noutros sítios de Portugal, debatia o que não entendia mas conhecia pelo debate local e internacional.
A pedofilia (não relacionada com as novas formas de matrimónio por ser um facto entre adultos e a pedofilia entre adultos e crianças) sempre existiu, como analisa Marguerite Yourcenar no seu texto Mémoires d’Hadrien, publicado em França pela primeira vez em 1951, Editions Larousse. Há versão portuguesa na Editora Record do Brasil. Ainda mais entre povos nativos, estudados por David Herdt, Maurice Godelier e por mim próprio no meu texto do ano 2000: O saber sexual das crianças. Desejo-te, porque te amo, Afrontamento, Porto. Mas, como todos analisamos, são formas rituais de pedofilia, por existir o pensamento analógico de que o sémen apenas aparece se é retirado de outro corpo.
Entre nós a pedofilia tem sido um segredo bem guardado, que hoje em dia tem sido desvendado pela imprensa, a magistratura e é, pela primeira vez, punido com prisão: não é um ritual, é um vício, condenado pelo Código Penal de 1982, aprovado pelo decreto-lei Nº 400 e reeditado em 1987 e reeditado pela lei Nº 57, de 4 de Setembro de 2007. No artigo 165 diz: Abuso Sexual de Pessoa incapaz de resistência.
1- Quem praticar o acto sexual de relevo com pessoa inconsciente ou incapaz, por outro motivo, de opor resistência, aproveitando-se do seu estado ou incapacidade, é punido com pena de prisão de seis meses a oito anos.
2- Quem, nos termos previstos no Nº anterior, praticar com outra pessoa cópula, coito anal ou oral, é punido com pena de prisão de dois a dez anos.
Pelo exposto, é impossível não comentar esta lei que me parece leve para tanta criminalidade contra pessoas indefesas.
O trauma do pequeno ou pequena violado(a), é apenas curado, quando possível, pela psicanálise, ou pela aceitação que não foi da sua responsabilidade o abuso de que foi alvo enquanto menor. A libido é forte e a falta de maturidade tão arrogante, que as crianças sofrem até à idade adulta, sem, por vezes, deixarem de procurar o vício ganho na infância. Já adultos, tornam à procura do vício, ou permanecem dentro dele. O matrimónio de pessoas do mesmo sexo acaba, assim, por curar esta felonia. Os sentimentos das crianças ficam feridos até ao dia da sua morte, por causa de terem ficado crianças em idade adulta. A sua mente cultural não se desenvolve ao ficarem feridos os seus sentimentos e, consequentemente, não permitirem desenvolver a sua emotividade.
A mente cultural está, também, formada pelas ofensas às emoções. Factos da infância que não são esquecidos e não permitem o crescimento.
Esta realidade não é exclusiva dos romanos. É muito vulgar no Islão, fé que proíbe tocar nas mulheres até ao casamento. Entre muçulmanos e islâmicos, não é punida pela lei. Entre nós, a legislação que contempla a sua punição é também muito recente, data de 1998.
A mente cultural permite, por outro lado, a existência de casas para desafogar a libido de homens e mulheres, apenas que não são comentadas. Descobri-o na minha pesquisa entre os Picunche do Chile e a aristocracia da hoje derrubada, cidade de Talca. Fui convidado, fui seduzido, mas a minha educação moral e libidinal, rejeitou-o.
Este é mais um texto, como outros que tenho escrito sobre a pedofilia, quer nesta revista, especialmente Prostituição da criança Devuélvanos al niño. Canção sem palavras, que pode ser lida em
http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=88&doc=7946&mid=2 , quer na revista quadrimestral Protohistoria de Buenos Aires, nomeadamente Año 4, Nº 4, com os quais pretendo chamar à atenção e ao debate assunto tão sério, entre nós.
A mente cultural da infância é uma salada de ética, imoralidade, felonias confiança e fé. Foi o que me levou a criar a especialidade de Etnopsicologia da Infância, aprendida em Paris, nos meus tempos de ensino, com Georges Devereux e a sua Etnopsiquiatria dos Mohave dos Estados Unidos.
Nem todos, é evidente, têm uma mente cultural assim formada, contudo os dados demonstram haver mais do que nós sabíamos ou gostaríamos de saber. Urge também destrinçar quando se fala de felonia ou de ritual.
Felonia que entre nós, é, actualmente, punida, a partir da reforma do Código Penal de 2007.
Mente da criança, abuso das mesmas, sobretudo nestes dias em que nos visita Ratzinger, quem parece ocultar crimes de sacerdotes contra crianças, ou em que no Norte do nosso País há feridas na mente cultural causada por Sacerdotes, não me permitiam calar a boca nem deixar de escrever este texto.
A seguir- O ARREBATADOR DE ILUSÕES