1. Gigantes e Cabeçudos no tempo de Hitchcock.
A Antropologia da Educação é a ciência que pretende entender os padrões da interação social. Interação social ou comportamento que se aprende nesse quotidiano incutido na memória dum grupo. Memória que diz o que fazer, quando e com quem e com quem não. Memória definida pelos indivíduos e pelas instituições a observar o cumprimento do padrão social. Pelos indivíduos, para o seu objetivo de vida pessoal. Pelas instituições, para a harmonia do lidar entre pessoas, dentro e fora do lar, na rua ou na escola, na conversa a dois, ou no trabalho. Em consequência, no pensamento que diz a todo indivíduo, o quê fazer consigo próprio ou com os outros. Padrões de interação organizados através do tempo, esse conceito processual que estrutura a vida dos grupos. Grupos a viverem em etnias, em aldeias, ou em toda uma Nação. Ainda que esses padrões sejam mais largos e energéticos que apenas o grupo de quotidiana interação, nem sempre todo o indivíduo consegue ver a contradição entre o que os padrões mandam e o que passa a ser o seu dever fazer.
Talvez seja claro para o senhor leitor que os padrões do comportamento são sempre mandados e incutidos em nós, mas manipulados conforme a nossa conveniência. Manipulação feita até ao ponto, apenas, de conseguir viver em paz com os outros. Mas, no entanto, manipulação. Essa que se pode comparar através dos tempos. Comparação que serve para apreciar como é diferente o nosso pensar ao pensar da geração anterior e da geração seguinte. Padrões do agir que mudam e se repetem como a hemofilia. Como a hemofilia, o comportamento interativo salta uma geração, vive em três tempos: o do grupo que observamos, essa população ativa, o do grupo já passivo que tem originado e educado e ensinado os que observamos, e o grupo originado pelos outros grupos já referidos. Grupo que critica e quer fazer da vida uma relação emotiva diferente. Três grupos em padrões. Tecido cronológico de várias gerações. Distintas. Diferentes. Heterogéneas. Padrões à Hitchcock. Em três dimensões. Um enredo baseado no pensar e sentir de grupos entrelaçados pela memória e pelas atividades em conjunto.
Como se fossem Gigantes e Cabeçudos, senhor leitor, o nome duma zarzuela castelhana, é o que vos venho trazer na entrada do ano de atividades intelectuais. A seguir a essas bondosas férias nas quais ficámos sem muito saber o que fazer. Excepto repetir o que os outros fazem: torrarmo-nos com sol mesmo no dia do eclipse comercial que tivemos -, ir para a cama tarde, comer ás horas convenientes ao nosso tempo de nada-a-fazer, tempo duro para inventar pensamentos, mais duro que o estruturado comportamento dessa dita interação já mencionada. Quando ficam as crianças connosco, quando queremos ver amigos e anda tudo na praia, longe do nosso ouvir. Longe do nosso ver. Longe do nosso sentir.
Mas, o tempo do Hitchcock continua e é acentuado nas férias. Esse tempo que decorre com as gerações juntas. Ou para se divertir ou para ralhar conforme o entendimento pessoal. Grupos de Gigantes e Cabeçudos, título que apresento ao senhor leitor, por ser duro começar o ano académico a ler neste jornal, de entrada, só uma ideia. Debatida em várias sequências de duros dez minutos de suspense, todas elas. Ideia inventada por Guerrero na sua Zarzuela, essa que confronta dois homens pelo amor de Pilar, cabeçudos aragoneses, parte da Pátria da qual saiu para conquistar a terra o nosso Afonso Henriques, faz já mil anos. Suspense que ilude como a paixão, suspense semelhante a esse que sentimos quando pensamos que a primeira atriz de Hitchcock seria a salvadora do jovem. Como nós, iludidos, pensamos que os jovens, um dia, serão os nossos salvadores. Os nossos companheiros da vida. E andamos atrás dessa juventude, enquanto ensinamos que é preciso ser Gigante para ganhar a batalha da vida e deixar de ser Cabeçudo se queremos convencer. Mas …