Inserimos este artigo no nosso blogue não por nos identificarmos com as suas posições, mas por que achamos que dão um ponto merecedor de análise. Obrigado a José Neves e a ionline.
Deste protagonismo de Tsypras resultam desvantagens que não devem ser ignoradas
Na esquerda, mesmo entre os mais cépticos, não haverá quem fique indiferente à subida da coligação da esquerda radical nas recentes eleições gregas. Da minha parte, quero aqui dar conta dos aspectos que me parecem mais e menos entusiasmantes nesta ascensão, que as próximas eleições prometem acentuar. Começo pelo lado lunar.
Até há não muito tempo, quando as reportagens televisivas nos traziam notícias da contestação às medidas de austeridade impostas na Grécia, as imagens que nos eram apresentadas referiam-se a levantamentos colectivos por ocasião de manifestações, ocupações ou greves gerais. As notícias que então chegavam não deixavam saber o nome do líder do partido X ou do seu congénere Y.
Em parte era assim porque as imagens não deixavam saber o nome de quem quer fosse. Limitavam-se a filmar a multidão como se de uma simples massa se tratasse, isto é, um grupo acéfalo, sem margem para a singularidade, onde imperaria a lógica do rebanho, facilmente manipulável por um qualquer pastor. Mas, por outro lado, as imagens eram também o reflexo de um processo político e social que de facto rompia com a tendência para repetir as formas de organização clássicas, baseadas na ideia de liderança e na figura do líder.
E, sem capacidade ou sem vontade para criarem líderes, os movimentos de contestação guardaram apenas lugar, no seu coração, para figuras como o famigerado Lukanikos, o cão-anarquista que aparecia nas imagens televisivas e nas fotografias da imprensa, sempre na primeira fila dos combates dos manifestantes, sempre pronto a morder as canelas às forças policiais.
Hoje a situação é diferente e já ninguém fala de Lukanikos, o que é um erro. As notícias falam-nos sobretudo de encontros e negociações institucionais entre partidos e suas direcções, com destaque particular a ser concedido à figura de Alexis Tsypras, o líder da Syriza. Dos grandes planos das multidões desfilando nas ruas de Atenas, passámos aos planos que focam detalhadamente as feições de dirigentes políticos. Deste protagonismo de Tsypras resultam desvantagens que não devem ser ignoradas. A sua ascensão mediática representa uma viragem institucional e personalista no modo como vemos a questão política na Grécia. E esta viragem traz consigo o perigo de encerramos novamente a política na jaula de ferro das instituições. O que de mais interessante se passou no último ano e meio, do Cairo a Madrid, passando por Wall Street e por Atenas, foi o contrário deste enjaulamento.
Contra a monopolização da política nos circuitos institucionais, assistimos a uma democratização da prática política. Nenhum projecto de esquerda poderá voltar atrás no que respeita a esta vontade de democratização.
Esta crítica não obsta a que a Tsypras, e à coligação Syriza, se reconheçam méritos que não são menores. Mais: no actual quadro táctico-estratégico da política partidária e suas envolventes institucionais, a aposta política de Tsypras e da coligação Syriza é a única por que vale a pena juntar esforços. Com efeito, a Syriza escolheu o que quase todos os comentadores apontam como uma saída impossível: quer ficar no euro mas pretende romper com os pactos de austeridade. Esta opção parece bizarra porque é simultaneamente europeísta e anti-liberal e nós fomos habituados a supor que um projecto político europeu ou era liberal ou não era europeu.
Trata-se de um hábito difícil de vencer, mas que é urgente combater e a simples aparição mediática de Tsypras na sua tournée europeia, que o levou a Paris, onde reuniu com a Frente de Esquerda, e à Alemanha, onde se encontrou com o Die Linke, partido da esquerda alemã que tem criticado as políticas de austeridade impostas à Grécia pelo governo de Merkel e pela Comissão Europeia, é a este título muito relevante. Hoje podemos constatar na televisão que a chamada Esquerda Radical se move na Europa com o mesmo à vontade com que o faz a senhora Merkel ou um tecnocrata de Bruxelas. E juntamente com os comunistas que não esqueceram a sua vocação internacionalista e com os poucos social-democratas que não abandonaram a crítica ao liberalismo económico, esta esquerda radical está em condições de participar num projecto político europeísta anti-liberal.
Tarefa que movimentos sociais, sindicatos incluídos, há muito vêm procurando levar a bom porto.
José Neves, Historiador
.Não sei porque havemos de não “nos” identificar com este texto. Eu identifico-me praticamente com tudo o que lá vem escrito. De outro modo não o teria enviado para publicação. Primeiro, o “nos” parece-me um pouco abusivo porque não estamos num partido político. Somos um grupo de gente de esquerda onde existem várias sensibilidades, embora pouco se manifestem é certo, mas sabemos que assim é. O apoio ao Syriza que está expresso no artigo, cujo autor não conheço, tem sido, e está a ser igualmente expresso, através de abaixo assinados e petições por todo o lado. E a perspectiva de união da esquerda é cada vez mais necessária e perfeitamente correcta e urgente na trágica situação dos dias que vivemos.A alusão ao escamoteamento dos movimentos de massas que desempenharam um papel predominante no início destas lutas é, na minha opinião, coerente com o apoio à luta partidária. Não podemos querer que todos os cidadãos dum país tenham que integrar um partido. A luta política faz-se de igual modo fora dos partidos. Isso, também, faz parte da democracia que se vai construindo, uma construção que nunca se dará definitivamente por terminada se o propósito for construi-la a sério. E aí cabem todos: os que têm partido e os que não têm.O título deste artigo pode não ser o mais feliz, mas já vi por aqui escritas coisas muito piores.Uma nota final para quem não se lembre: o Lukanicos é uma ironia sobre o cão que aparecia em todas as fotografias das manifestações em Atenas