Há uma frase do Coriolano de William Shakespeare, que tem sido citada muitas vezes – ser dita mais uma vez, não fará diferença a ninguém. Diz-nos que «a natureza ensina os animais a conhecer os amigos». É uma grande verdade que hoje nos leva a falar de simbiose. Ou seja, nas relações que indivíduos de espécies diferentes mantêm com benefícios mútuos. Um tema de divulgação científica que o Canal Odisseia já tem abordado. Já todos vimos aqueles passarinhos, os búfagos, em cima dos gigantesco búfalos, de hipopótamos ou de elefantes. O passarinho alimenta-se de insectos que incomodam os grandes mamíferos que toleram os búfagos picando-lhes a pele porque lhes faz jeito. É a base de uma bela amizade entre seres tão diferentes – o passarinho ganha o seu sustento e o grandalhão aumenta a sua qualidade de vida.
A questão entre o ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, e a jornalista do Público, para além dos contornos de escândalo que se esboçam debaixo do manto pouco diáfano da corrupção, merece a atenção de um case study sobre o nosso modelo de democracia e o jornalismo que é peculiar a esse modelo.
Apurar a verdade não parece ser o objectivo central da actividade jornalística – há um mercado a servir e satisfazer a procura é que tem importância. O jornalismo não é um sacerdócio, mas sim uma profissão. A deontologia é importante, mas um jornal que respeite a cem por centro o código deontológico, mas que só venda vinte por cento da tiragem, não vai longe. Mas vamos ao caso.
Uma jornalista do jornal Público, enviou a Miguel Relvas perguntas sobre os eventuais contactos do ministro com as «secretas», perguntas que o ministro considerou inaceitáveis e «pidescas». Num telefonema de 16 de Maio, Relvas telefonou para a editora de política do jornal, afirmando que se sentia “perseguido pelo Público” e que ia fazer “uma queixa à ERC”, além de “processar o jornal” e “dizer aos ministros que não voltassem a falar com o Público”. Ameaçou ainda “divulgar na Internet que a autora da notícia vive com um homem de um partido da oposição, nomeando o partido”. As ameaças e a pressão de Relvas foram reafirmadas num segundo telefonema.
Desencadeou-se uma tempestade – um “provável” e importante facto político gera um caso jornalístico, dando lugar a um monumental fait-divers onde o fulcro passa a ser já não o essencial, mas o acessório. O jornalismo vive hoje em dia, não da defesa de ideias ou de princípios, como mandam os princípios da ética jornalística, mas de explorar os despojos da actividade política. Que, infelizmente, são abundantes.
Uma simbiose entre passarinhos e passarões.
Pacheco Pereira, militante do PSD, dixit: Há três formas de mentir: a mentira pura, a ocultação da verdade e a sugestão da falsidade. Analisando as declarações feitas não tenho qualquer dúvida que o ministro José Relvas mentiu das três maneiras. (Quadratura do Círculo, 31 Maio 2012)https://www.facebook.com/#!/permalink.php?story_fbid=342191155852693&id=100001854342733
1 – O modelo de democracia “aprovado” pela “economia de mercado” – i.e., o capitalismo e a sua actual fase de financeirização da economia, em que a maior parte dos valores monetários em pretensa circulação simplesmente não existem, porque não correspondem a qualquer criação de riqueza, nem outro modo de fazer corresponder os “valores de mercado” a um “valor” real – não é peculiar de Portugal, antes se vai tornando cada vez mais “globalizado” e, a julgar pela abundância de “comentários” de nazis que infectam a NET, mais frágil. Este é um erro que não podemos deizar alastrar na opinião pública: o de que em Portugal é tudo pior, a corrupção mais generalizada, o Estado mais ineficaz, etc.: a direita e a social-democracia trabalham, em todo o mundo, para o mesmo género de patrões, incluindo os pseudo-comunistas chineses , pelo que as diferenças são cada vez mais de pormenor, assistindo-se mesmo, já sem espanto, a que os países historicamente considerados mais “decentes” aceitem a sua própria degradação, acompanhada pela intensificação da propaganda nazi-fascista, em que, mais uma vez, a Democracia “democraticamente” consente, preparando o seu suicídio e mostrando que nada aprendeu com o III Reich e outras monstruosidades.2 – Se é certo que a actividade jornalística, em geral, tem vindo a degradar-se, a afirmação de que “Apurar a verdade não parece ser o objectivo central da actividade jornalística” é uma extrapolação abusiva, que nem se dá ao trabalho de ter em conta – e respeitar – as ainda numerosas (mesmo que minoritárias) excepções, que há que incentivar e apoiar, em vez de meter tudo no mesmo saco… Também a “fundamentação” deste pretenso estado de coisas, que se segue à infeliz afirmação, é demasiado simplista e, portanto, enganadora, ainda que não deliberadamente… Este é um daqueles casos que, se abordados, não consentem tais perigosas ingenuidades.3 – Os pormenores que se conhecem do “caso de estudo”, até pelo facto de a desarmonia manifesta entre a Direcção e o Conselho de Redacção do “Público” não impedir que coincidam em boa parte da descrição do acontecido, não permitem classificar tal caso simplesmente como “provável”, nem reduzi-lo a um “fait-divers”, mesmo “monumental”. Apesar da pobreza democrática em que vivemos, ou não nos ralamos, ou defendemos a Democracia, não desistindo de ser cidadãos. E a Democracia não se defende transformando numa ninharia, “inventada” por jornalistas, actuações gravíssimas de um ministro que, ainda por cima, tutela a Comunicação Social e pretende destruir o serviço público de comunicação social, tendo, sobre ele, proferido já mentiras e afirmações demagógicas mais que suficientes para não estranharmos que minta sobre tudo o resto, nem que procure intimidar jornais e jornalistas e propagar informações (falsas, como no caso, ou mesmo verdadeiras) sobre a vida privada de um deles.Mesmo num outro país, de democracia igualmente coxa, mas com um pouco mais de pudor (que vai rareando…), o ministro em causa já se teria demitido, para não ser corrido – mais vergonhosamente – por um primeiro ministro que não passase, como o leporídeo, de um palhaço débil mental.Não simplifiquemos, encolhendo os ombros, o que não é complexo. Antes que acordemos com uns tantos SS à cabeceira…