Capitulo IV. 2. Globalização e Desemprego: as desvantagens da integração dos mercados
Michael Spence
MICHAEL SPENCE is Distinguished Visiting Fellow at the Council on Foreign Relations and the author of The Next Convergence: The Future of Economic Growth in a Multispeed World [1]. He received the Nobel Prize in Economics in 2001. His Web site is www.thenextconvergence.com [2].
(continuação)
Fazer com que a situação melhore
Os analistas têm sido rápidos em sublinhar que nem todas as mudanças estruturais em curso na economia americana devem ser atribuídas a uma maior abertura à economia global. Algumas alterações importantes nas estruturas de emprego e de distribuição do rendimento são o resultado do facto de que as tecnologias de informação têm sido economizadoras em trabalho, labour-saving, e são também o resultado da automação das transacções. A automação tem, sem dúvida, reduzido postos de trabalho no sector da informação e no sector das transacções e também nas partes das cadeias de produção que são intensivas em trabalho não altamente qualificado e portanto geradoras de baixo valor acrescentado em toda a economia americana, quer seja no sector dos bens e serviços negociáveis quer seja no sector dos bens e serviços não negociáveis internacionalmente. Mas se isso fosse a única tendência, porque é que o emprego declinaria muito mais na indústria transformadora do que nos outros sectores da economia?
Uma resposta pode ser estar a considerar-se que a automação e o processamento de informação ocupam uma fracção relativamente mais significativa na cadeia de valor acrescentado da indústria transformadora. Mas isso não é verdade. A tecnologia de processamento de informações, por exemplo, eliminou empregos em toda a economia americana incluindo nas finanças, nas vendas a retalho, na Administração Pública – todas as áreas em que o emprego tem crescido. As tendências estruturais que afectam a economia americana não podem ser explicadas somente pelas alterações nas tecnologias. E pensar o contrário tende a levar à conclusão errada de que é a tecnologia, não a economia global, que é a principal causa do enorme problema do emprego dos Estados Unidos e que as mais importantes forças que actuam sobre a estrutura da economia americana são internas, não externas. Na verdade, todos esses factores são relevantes, com maior significado em alguns sectores da economia do que em outros.
Se tomarmos a tecnologia como a explicação preferencial para os problemas na distribuição do rendimento da economia americana é uma maneira para assim ignorar as mudanças estruturais da economia global, enquanto que assumindo as empresas multinacionais como a explicação preferida é uma maneira de exagerar o seu impacto. As multinacionais são consideradas estarem a pagar salários mais baixos e explorarem as pessoas pobres nos países em desenvolvimento, exportando empregos que deveriam ter ficado nos Estados Unidos.
As multinacionais, com efeito, desempenham um papel central na gestão da evolução da economia global. Elas são os principais arquitectos das cadeias globais de produção e elas organizam e movimentam a produção de bens e serviços por todo o mundo em resposta às oportunidades na cadeia global de produção e nos mercados que estão constantemente a mudar. As multinacionais têm gerado crescimento e emprego nos países em desenvolvimento e ao moverem para estes países algumas partes da cadeia global de produção geradoras de baixo valor acrescentado elas têm aumentado o crescimento e a competitividade nas economias avançadas, como na dos Estados Unidos. Um relatório de Junho de 2010 publicado pelo Instituto Global McKinsey estima que nos EUA as multinacionais representaram aí cerca de 31% de crescimento do PIB americano desde 1990.
Com uma enorme reserva de trabalho disponível em vários tipos de qualificação e de categorias de formação em todo o sector transaccionável global, as empresas têm poucos incentivos para investir em tecnologias que economizem trabalho ou ainda que aumentem a competitividade das actividades de valor acrescentado intensivas em trabalho nas economias avançadas. Em suma, o interesse privado das empresas (lucro) e o interesse público (emprego) não se alinham perfeitamente. Estas condições não podem durar: se o crescimento continua a ser elevado nas economias emergentes, em duas ou três décadas, haverá aí menos mão-de-obra barata disponível. Mas duas ou três décadas é muito tempo.
Entretanto, apesar dos interesses públicos e privados não estarem hoje perfeitamente alinhados, eles não são ou não estão também como completamente opostos. As mudanças relativamente modestas e mesmo à margem poderiam recolocá-los em verdadeira sintonia. Dada a enorme dimensão da força de trabalho global, os ponteiros não precisariam de ser muito deslocados para restaurar o crescimento do emprego no sector transaccionável da economia americana. Especificamente, a combinação correcta de tecnologia a melhorar a produtividade e dos níveis salariais competitivos poderiam manter algumas indústrias no sector transformador ou, pelo menos, algumas partes da cadeia de valor acrescentado das suas cadeias de produção global, nos Estados Unidos e nos outros países avançados. Mas conseguir realizar este objectivo vai exigir mais do que uma decisão do mercado; deve também envolver governos, industriais e os trabalhadores. A Alemanha, por um lado, tem conseguido manter as suas actividades na indústria transformadora avançada em maquinaria industrial, removendo a rigidez no mercado de trabalho e tendo feito um esforço consciente para privilegiar sobretudo o emprego mais do que os aumentos rápidos de rendimento. Os salários têm apenas crescido modestamente na Alemanha ao longo da década passada mas a desigualdade de rendimentos é nitidamente menor que nos Estados Unidos onde esta desigualdade é mais alta que em muitos outros países industriais e está continuamente a crescer.
Condicionando o acesso ao mercado interno da produção doméstica é uma forma de proteccionismo e uma maneira de tentar limitar a deslocalização para fora do país seja de postos de trabalho seja do valor acrescentado de componentes da cadeia de produção. Isto é bem mais comum do que se poderia ser levado a pensar. Esta realidade verifica-se na indústria aeroespacial; e na década dos anos de 1970 e 80, na indústria automóvel, as quotas de importações japonesas para os Estados Unidos levaram a uma expansão da fabricação de carros japoneses nos Estados Unidos. No entanto, se as grandes economias – tais como a China, a União Europeia, Japão ou Estados Unidos – prosseguirem medidas proteccionistas numa ampla frente, a economia global será comprometida. É ainda o que pode exactamente acontecer se os grandes desafios sobre o emprego que enfrentam países como os Estados Unidos não forem tratados de forma diferente daquela que até aqui tem sido seguida. Com a pressão sobre os orçamentos governamentais a todos os níveis, com a subida rápida dos custos dos cuidados de saúde, com um mercado imobiliário frágil, com o esforço pós-crise para conter o excessivo consumo e impulsionar a poupança e com o risco de uma segunda recessão económica, é altamente improvável que o emprego líquido no sector dos bens e serviços não negociáveis internacionalmente americana possa continuar a crescer e de modo tão rápido como o tem sido até aqui…
A queda no consumo interno nos Estados Unidos deixou o país com uma escassez na procura agregada. Mais investimento público poderia ajudar, mas a consolidação orçamental actualmente em curso pode dificultar a expansão do investimento público. Enquanto isso, porque o investimento do sector privado responde à procura e actualmente há uma escassez na procura causada pela crise económica e também pelo aumento da poupança das famílias, o investimento privado não voltará a realizar-se até que o consumo interno ou as exportações venham a aumentar. Portanto, os Estados Unidos precisam de concentrar os seus esforços para aumentar o crescimento do emprego no sector dos bens e serviços negociáveis internacionalmente. Algum crescimento virá naturalmente da parte de elevado valor acrescentado deste mesmo sector. A questão é se vai haver suficiente crescimento e se a escolaridade dos trabalhadores na América vai conseguir ter o seu ritmo de ensino e formação em consonância com as crescentes exigências de trabalho a esse nível. Há razões para sermos cépticos.
(continua na próxima terça-feira)