DIÁRIO DE RUTH MAIER – 1 – por Manuela Degerine

Primeira parte: um pai de substituição

Ruth Maier nasce em Viena no dia 10 de novembro de 1920. O pai é doutor em filosofia e colecionador de obras de arte, dirigente da União International dos Correios, Telefones e Telégrafos; fala nove línguas. Ruth passa uma infância feliz nesta família culta, unida, abastada e protetora. A morte do pai é o primeiro abismo. (Cinco anos mais tarde, a 20 de setembro de 1938, Ruth ainda escreve: “Que inveja da mamã! Gostava tanto de amar o papá como mulher.”)

O diário publicado começa quando vai fazer catorze anos. Ruth lê, informa-se, vai ao cinema, vai ao teatro, admira os atores, viaja, tem amigos, apaixona-se, representa nas peças do liceu, desenha, escreve textos de ficção, ajuda meninos deficientes, apoia exilados espanhóis, hesita entre ser atriz ou escritora… Não gosta da matemática. É uma adolescente quase banal até à ocupação da Áustria em março de 1938.

Começam as prisões, agressões, insultos aos judeus, cujas lojas são saqueadas, cujos apartamentos são confiscados. Todos temem ir à rua e, mesmo dentro de casa, dia e noite, a cada instante, ser espancados e deportados. Ruth escreve no dia 5 de outubro de 1938: “O que me espanta é que o suportemos. Que apesar de tudo não abramos a torneira do gás ou não nos lancemos ao Danúbio.” O nazismo obriga a família – avó, mãe e duas filhas – a mudar para o gueto; as adolescentes são excluídas do liceu.

A mãe de Ruth tenta com urgência, conforme pode, pôr as filhas a salvo: consegue enviar a mais nova, Judith, para Londres e, decorridas sete semanas, confia Ruth a um funcionário dos correios noruegueses.

Depois do que viveu em Viena, Ruth sente um grande alívio. Os Strom acolhem-na cordialmente, são jovens, têm uma filha de sete anos e uma criada da sua idade, vivem perto de Oslo num apartamento moderno. A jovem não pode prosseguir os estudos, por isso escreve à irmã no segundo dia: “Sabes, gostava verdadeiramente de ter algo para fazer”. Começa a aprender o norueguês que, passados poucos meses, já lê e fala sem dificuldade. Passeia, dança, vai ao cinema com o Sr. Strom. Repete: é simpático, muito simpático. Aprecia que haja um homem em casa (“Quando ele chega tudo se modifica.”). Escreve numa carta (24.05.1939): “Um segredo: ele transpira dos pés. E, percebes, não me incomoda. Não me incomoda! Dita [diminutivo da irmã], isto é amor autêntico.” A lua de mel com o Arne Strom conclui-se quando este a beija e Ruth se defende: em pânico entre tentação e interdito

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