DIÁRIO DE RUTH MAIER – 2 – por Manuela Degerine

Parte II: puberdade de corpo e alma

Ruth deambula pela cidade, passeia à beira do porto e do fiord, vai a reuniões socialistas, vai às aulas como auditora, familiariza-se com a cultura escandinava, mira através das montras o que não pode comprar, compra todavia – com sacrifício – livros noruegueses; mas vê-se sempre sozinha. Longe da irmã, da mãe e da avó, orfã de pai e ternura, sem um interlocutor humano; e o seu corpo reclama contactos físicos. Ruth olha para os rapazes que não olham para ela, embora apareça bonita nas fotografias, com o sorriso triste e as lentes redondas. Escreve à irmã (7.11.1939): “Na turma há uma quantidade de rapazes. Uma coleção de todos os géneros. Mas olha: não tenho poder de atração erótica. Estou consciente disso. Se passeasse de peito “ao léu”, etc., qualquer criatura de sexo masculino condescenderia em lançar uma olhadela, mas com trajo clássico…! (Fica a saber que o meu corpo é porreiro: deslumbrante! Todas as noites me admiro no espelho.)”

 Os Strom escandalizam-se por Ruth bronzear no terraço ou deixar uma pinga de sangue na sanita. Não percebem que, culta, informada, independente, ela parece uma mulher mas continua uma criança, não prestam atenção ao vácuo em que se debate, separada do que a protegeu e constituiu, família, hábitos, relações sociais; ameaçada pelo cerco nazi que à volta continua a fechar-se. Ruth não é filha deles nem irmã mais nova, representa apenas um compromisso ideológico; e um empecilho na rotina quotidiana. A jovem escreve à irmã (7.11.1939): “Chegou hoje a neve. Sabes como é quando olhamos de manhã pela janela e vemos tudo branco. (…) Não tardam aí as auroras boreais. E nada se passa. Percebes? O tempo corre! Tens razão: é como se os dias se resumissem a levantar-me e deitar-me. Sinto um sagrado horror do deitar. Chego a lançar-me vestida para cima da cama e adormecer sem mais cerimónias. “A cama” constitui aliás uma hipérbole em relação ao lugar onde durmo. É estreito e duro! Sem colchão, só madeira.” (E Ruth desenha um boneco com metade das pernas fora de uma cama demasiado curta.)

No dia 1 de setembro de 1939 a Alemanha invade a Polónia. Começa a Segunda Guerra mundial.

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