SALAZAR E A I REPÚBLICA – 10 – por José Brandão

Salazar conferencista

Na Folha viseense, em 11 de Abril de 1909, aparece o seu artigo «Guerra à má imprensa», de cunho claramente anti-republicano, assinado por um S que significa porventura Salazar.

Nele atacava a imprensa que não edifica mas destrói, que não educa mas perverte, e que tudo «amesquinha, bestializa, nega, aniquila e subjuga». Era portanto indispensável uma guerra sem quartel a essa imprensa; e a imprensa republicana era o «maior inimigo, porque é o inimigo da Pátria, é o inimigo da Religião, é o inimigo de tudo o que há de bom, de tudo o que há mais santo e mais sagrado». Era assim um texto de linguagem dura, de combate, e, se não se confessava monárquico, não ocultava Salazar pelo menos o seu anti-republicanismo. Dentro de dias completava vinte anos.

Dezembro de 1909. Por ocasião da comemoração de mais um aniversário da Restauração de 1640, no liceu Alves Martins da cidade de Viseu, profere a sua primeira conferência, «Sobre a Restauração», onde, a propósito de pedagogia, vai acabar a falar em reformar o homem português.
Tratava-se de celebrar a data nacional do 1º de Dezembro. Mas Salazar ocupou-se sobretudo de pedagogia, de formação da mocidade, do dever que era a reforma do homem português. Para tanto, era fundamental alterar as relações entre professores e alunos. Aqueles não podiam continuar a ser «figuras impassíveis, corações de gelo», que marcam «lições e apontam notas»; e estes deveriam ascender até ao mestre, deixando de ver neste um tirano inflexível. E Salazar entrava claramente num plano político:

«Isto é uma inovação; será! Digam até, se quiserem, que é o início duma revolução, mas o início de uma revolução útil como nenhuma, ao abrir caminho por onde forçosamente hão-de enveredar aqueles que tiverem nalguma conta a prosperidade deste País, que é a nossa Pátria! […] Grande obra é moldar uma alma! Extraordinária obra é formar um carácter, um indivíduo – um corpo, uma inteligência e uma vontade –, como os precisa para ser grande este pobre País de Portugal!
«Pobre, e bem pobre! Ouve-se ai dizer a cada passo, nas ruas, nas assembleias, nas praças públicas, nos artigos dos jornais oposicionistas, porque para os outros isto vai sempre em mar de rosas, que Portugal está decadente, que nós caminhamos para o aniquilamento da nossa nacionalidade. Tudo fala em desgraças. Vêem-se Jeremias de mais por esse país chorando com saudades do antigo templo; mas notai, meus senhores, que esses Jeremias choram sentados: chora-se de mais e trabalha-se de menos… Uns atribuem a nossa decadência às crises políticas, outros ao avanço da ideia republicana, outros aos deputados, outros aos ministros, outros às influências árabes, para não irem mais longe buscar as influências célticas…»

Traçado o quadro, Salazar expõe um entendimento ousado para quem não atingiu os vinte e um anos:

«Eu também não sei qual é a causa; mas são as ideias que governam e dirigem os povos, e são os grandes homens quem tem as grandes ideias. E nós não temos homens; e não temos homens, porque os não formamos, porque não nos importaram nunca métodos de educação. […] Tudo se tem reformado, menos aquilo que na realidade o devia ser primeiro – o homem.
Início de todas as reformas, era a ele que devia pensar-se em reformar primeiro, por meio duma sólida e completa educação, abrangendo o seu desenvolvimento físico, a sua formação moral e a sua cultura intelectual. […] Há necessidade dos portugueses de ontem fazerem da mocidade o glorioso Portugal de amanhã – um Portugal forte, um Portugal instruído, um Portugal moralizado, um Portugal trabalhador e progressivo!»

E Salazar continua a sua exposição colocando-se num campo sentencioso e político:

 «Porque nós mesmos, nós, o país de amanhã, porque forçadamente os filhos do século XIX é que hão-de constituir o Portugal do século XX, nós os deputados, nós os ministros, nós os funcionários públicos, os advogados, os médicos, os professores, nós que talvez já tenhamos escrito o nosso artigo nos semanários das vilas ou nos pregoeiros políticos das cidades, contra o mal-estar das finanças e a desvergonha da política, que ideias temos, que levamos para fazer a prosperidade desta pátria portuguesa?»

 Era uma crítica ao marasmo. Era preciso trabalhar e não deveriam os homens instalar-se somente nas profissões rendosas e sem risco. Para ele, o país precisava também de comerciantes, de agricultores, de poderosos industriais, e, segundo o seu pensamento, se não podia-mos ser uma nação industrial, por nos faltar o carvão – segundo ele – teríamos de ser um povo essencialmente agrícola; mas da agricultura não estávamos tirando metade do proveito possível, por serem velhíssimos os processos usados. E, não poupando em palavras, protestava: «Quem se importa porém com isso? Trabalhar o menos possível sob a tutela do Estado que lhe garanta o suficiente à vida, eis o sonho, o belíssimo sonho do preguiçoso português!» Para Salazar era preciso operar uma conversão completa do homem português, mesmo do homem latino. E o jovem ex-seminarista e nóvel professor conclui a sua conferência:

  «Nós temos uma pátria, e assim como as nossas mães são as melhores de todas as mães, a nossa pátria deve ser para nós a melhor de todas as pátrias. A sua vida já longa tem sido um rosário brilhante de glórias, um rosário brilhantíssimo de grandezas. Mas já houve tempo em que as lágrimas de prisioneiro lhe caíram dos olhos, pesadas e amargas: fomos já escravos em terras portuguesas! Hoje não o somos, e não o somos porque num dia igual a este dia portugueses houve que nos libertaram. Somos pois livres; mas, se esses portugueses nos fizeram livres, não foi para que nos rendêssemos à escravidão da morte! Não! Portugal não deve morrer! Ele deve viver para os mundos que descobriu, para as nações que assombrou com as cintilações da sua grandeza e do seu heroísmo! Não há a descobrir novos mundos, nem a guerrear estranhas nacionalidades: mas há a fazer uma obra grandiosa de paz, há a formar cidadãos tão bons portugueses do século XX como outros o foram do século XVII. Há a necessidade de os portugueses de ontem fazerem da mocidade o glorioso Portugal de amanhã – num Portugal forte, um Portugal instruído, um Portugal moralizado, um Portugal trabalhador e progressivo! Será preciso para isso amar-se muito a pátria? Oh! É preciso amar sempre a pátria, e, como nós amamos muito as nossas mães, amemos também a nossa pátria que é a grande mãe de nós todos!»

 

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