Em Lisboa, no Campo de Santana, cercada de montes de flores, de velas acesas e de placas de mármore gravadas com agradecimentos e homenagens (ex-votos), frente à Faculdade de Medicina está implantada a estátua do Dr. Sousa Martins. Perto, localiza-se o quiosque da D. Orlanda, florista cabo-verdiana e popular leitora de palmas de mão. Todos os dias ela deposita um ramalhete junto aos pés da estátua. Provoco:
– Mas que gentileza é essa, ó D. Orlanda? Olhe que esse aí nem sequer era preto…
Devolve:
– Ele é preto, ele é branco, ele é tudo, ele é santo.
Fico atordoado: passado mais de um século, o médico Sousa Martins continua a cativar devotos? Sinto-me envolvido pela sua história, sugado pela sua vida, arpoado pelo culto popular que lhe é prestado em Lisboa (Campo de Santana), em Alhandra e na cidade da Guarda. Culto aliás abjurado pela Igreja Católica, porque tinha sido espírita e suicida antes que a tuberculose o apagasse. Papa. bispos e cardeais não ligaram para as centenas e centenas de pacientes que ele amparou e salvou, principalmente desprotegidos.
Torno ao Campo de Santana. Aponto a estátua e outra vez meto conversa com a florista cabo-verdiana:
– D. Orlanda, esse aí já não é santo.
Ela benze-se e eu continuo:
– Tenha calma! Não é, mas foi. Há cem anos ele foi santo e dos grandes. É essa a homenagem que lhe presto.