Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Chipre: a Europa estará na ilegalidade?
Georges Ugeux, Le Monde,
Além disso, a decisão de tributar os depósitos cipriotas acaba por torpedear qualquer tentativa no sistema de garantias mútuas previsto para a União bancária europeia. |
A pergunta colocada pela violação do sacro-santo princípio e juridicamente restritivo da garantia dos depósitos imposta desde 2010 é grave. Aqui, eu gostaria de trocar o meu teclado de financeiro pela minha toga de jurista para poder olhar mais de perto sobre as decisões de carácter legal ou ilegal da Cimeira na semana passada em Chipre.[1]
A Directiva Europeia
No dia 12 de Julho de 2010, a Comissão adoptou uma proposta legislativa para se efectuar uma profunda revisão da directiva sobre os sistemas de garantia de depósitos. Esta proposta trata especialmente da harmonização e simplificação dos depósitos protegidos, de se obterem reembolsos mais rápidos e sobre a melhoria dos sistemas de financiamento. As alterações propostas seguem-se a anteriores alterações propostas pela Comissão em 2008 e entraram em vigor no início de 2009. A proposta é acompanhada de um relatório. [2]
No seu comunicado de imprensa emitido pela Comissão, as coisas são claras. Esta directiva prevê (…) o aumento da protecção: o nível mínimo de garantia será efectivamente colocado em € 100.000 no final do ano. Isso significa que 95% dos titulares das contas bancárias da União Europeia irão recuperar todas as suas poupanças, se o seu banco entrar em situação de falência. Todas as empresas (independentemente da sua dimensão) e todas as divisas serão cobertas. [3].
De facto, a Europa está, portanto, ao impor a tributação de depósitos, a violar a sacrossanta protecção de que a Comissão mede a importância: “o pacote de medidas aprovado hoje é a mais recente iniciativa da Comissão para melhorar a transparência do sistema financeiro europeu e para lhe conferir a capacidade de evitar crises e, mesmo assim, se estas vierem a ocorrer, para melhor as poder gerir. Os consumidores europeus merecem melhor. Eles devem ter a certeza que as suas poupanças, os seus investimentos ou os seus contratos de seguros estão protegidos em qualquer Estado membro da União Europeia. Para alcançar este objectivo, convido agora o Parlamento Europeu e o Conselho a aprovarem rapidamente o pacote em questão. “, diz Michel Barnier no preâmbulo para o comunicado de imprensa.
A regulamentação cipriota
O site do Banco Central de Chipre declara no seu site que “o sistema de protecção de depósitos está activo quando uma decisão reconhece a incapacidade por um banco de restituir os seus depósitos.[4]
Em ambos os casos, prevê-se que os depósitos sejam reembolsados até à altura de euros por cliente e por banco. A proposta de 20.000 euros está, portanto, em total violação da directiva. Europeia
O Banco Central Europeu torna-se o policia da Comissão
Sem nenhum poder para o fazer e em circunstâncias que não estão previstas na legislação do BCE, Mario Draghi pôs em prática um sistema que visa forçar Chipre a aceitar as condições impostas pelos Chefes de Estado e de governo. Tecnicamente, trata-se de cortar o acesso dos bancos cipriotaa aos fundos de emergência.
Le Figaro é explícito: depois de “tomar nota” da rejeição do plano de assistência de Nicósia, o BCE lançou a sua arma de dissuasão maciça: o bloqueio monetário. Ela alertou que não iria mais alimentar os bancos cipriotas em liquidez, tanto quanto o plano de resgate proposto pela UE – FMI não seja aceite. “A liquidez de emergência do BCE não está disponível senão para os bancos que estejam solváveis e os bancos cipriotas não estão solváveis enquanto estes não forem rapidamente recapitalizados, disse Jörg Asmussen, o membro alemão da Comissão Executiva do BCE.[5]. O que é que fez o BCE para o BNP Paribas e para outros bancos em dificuldade? Bem, ficamos a saber que a liquidez de emergência deixará de estar disponível em caso de emergência.
Isto é pura e simplesmente chantagem e não tem outro nome. Esta decisão provoca uma sensação de perda de independência do BCE. Além disso, a decisão de tributar os depósitos cipriotas acaba por torpedear qualquer tentativa no sistema de garantias mútuas previsto para a União bancária europeia. Não é possível ver como é que um tal sistema europeu possa vir a ter a mínima credibilidade.
Será necessário uma análise mais completa para responder à questão desta pequena nota . O leitor reconhecerá que a aparência de ilegalidade parece mesmo grave e altamente preocupante.
Georges Ugeux, Chypre: l’Europe est-elle dans l’illégalité? Le Monde, 20 Março de 2013
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[1] J’enseigne en effet la règlementation bancaire et financière européenne à la Faculté de Droit de Columbia University à New York.
[2] http://ec.europa.eu/internal_market/bank/guarantee/index_fr.htm
[3] http://europa.eu/rapid/press-release_IP-10-918_fr.htm?locale=fr
[4] http://www.centralbank.gov.cy/nqcontent.cfm?a_id=8158&lang=en
[5] http://www.lefigaro.fr/conjoncture/2013/03/20/20002-20130320ARTFIG00468-l-europe-organise-le-blocus-monetaire-de-chypre.php