Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Parte I
Parece irónico que Chipre, um dos mais pequenos países na Europa com pouco mais de 1 milhão de pessoas e cerca de 0,5% do PIB da União Europeia (“UE”) possa constituir um ponto de inflexão fundamental na crise que assola a Europa. Os comentadores preocupados com as ligações históricas têm sublinhado o precedente colapso do banco austríaco Creditanstalt em 1931 como sendo a origem do pânico financeiro nessa altura criado.
Um lugar ensolarado para pessoas com aspecto taciturno
Sabia-se desde Junho de 2012 que Chipre precisava de cerca de 17 mil milhões de euros para recapitalizar os seus bancos ( à volta de 10 mil milhões de euros) e para operações de administrações públicas, incluindo o serviço da dívida (cerca de 7-8 mil milhões).
O resgate exigido dos bancos cipriotas é ditado por perdas substanciais na expansão agressiva dos empréstimos concedidos por Chipre, créditos estes financiados pelo rápido crescimento dos seus depósitos, reflectindo em parte a sua reputação como um paraíso fiscal e como um centro de lavagem de dinheiro. O jornal inglês Daily Telegraph descreveu a ilha como “um lugar ensolarado para pessoas taciturnas, sombrias”. Mas o grosso dos prejuízos é antes, isso sim, o resultado de perdas de empréstimos feitos ao governo grego são o equivalente a 160% do produto interno bruto de Chipre (“PIB”) que é de 18 mil milhões.
Embora pequeno em termos nominais e igualmente pequeno no quadro dos recursos da UE, o resgate exigido é grande em termos do PIB de Chipre, pois é cerca de 100% do seu PIB. É improvável que Chipre possa pagá-lo, na ausência de uma mudança dramática nas suas circunstâncias tais como ter de levar em conta as receitas adicionais futuras de petróleo e do gás das suas reservas no Mediterrâneo Oriental.
Uma sombra do sol Europeu
As várias opções consideradas para gerar o necessário financiamento incluem : a privatização de activos do Estado, o aumento dos impostos a aplicar às grandes empresas (de 10% para 12,5%) e a aplicação de impostos sobre os rendimentos de capital (para 28%) e a reestruturação dos bancos existentes ou da dívida soberana. As opções quanto à reestruturação de dívida incluem um “bail-in” de credores (um novo e muito elegante termo para significar uma redução, uma desvalorização, no montante do principal em dívida a que os ingleses chamam uma tesourada). Isso implicaria também melhores condições e alargamento dos prazos de vencimento (até) 30 mil milhões de euros de empréstimos que foram concedidos pelos bancos russos para as empresas cipriotas de origem russa.
O pacote proposto pela UE incorpora quase todas as medidas acima. Mais controversa, era a ideia de que os depositantes normais terão de enfrentar um “imposto” ou uma “taxa de solidariedade” sobre os depósitos havidos sobre os banco cipriotas, o que genericamente significaria uma tesourada, (un bail-in), uma redução no valor nominal dos seus depósitos. A imposição de depósito será de 6,75% sobre os depósitos de menos de 100.000 Euros (o tecto de garantia para os depósitos na União Europeia) e de 9,9% para os depósitos acima desse montante. Em contrapartida, os depositantes receberão acções nos bancos em questão.
Razões e justificações
O comentador Karl Whelan descreveu memoravelmente a proposta da UE para transferir parte da carga para os depositantes como “uma ideia estúpida de um tempo estúpido que chegou agora .”[2]
A depreciação sem precedentes dos depósitos bancários, que se espera venha a atingir cerca de 5,8 mil milhões de euros, é motivada por uma série de factores.
Em primeiro lugar, a depreciação do valor dos fundos dos depositantes reduz a dívida e também o volume do pacote de resgate exigido para Chipre para cerca de 10 mil milhões, compatível com as exigências do Fundo Monetário Internacional (“FMI”) e com as exigências dos membros da zona Euro como terá sido o caso da Alemanha. A participação do FMI também requer que o nível de dívida seja sustentável, um critério que um valor mais alto de dívida deixava de satisfazer .
Em segundo lugar, os bancos cipriotas limitaram a quantidades de dívida subordinada ou de dívida sénior não garantida. Uma desvalorização, a tesourada, sobre estes detentores de títulos só alcançaria um valor entre 1 e 2 mil milhões de euros, bem abaixo da quantidade necessária. Isso exigiu a atribuição de prejuízos para os depositantes.
Em terceiro lugar, o Banco Central Europeu (“BCE”) tem grandes exposições aos bancos cipriotas através do seu programa de assistência de empréstimos de emergência (“ELA”), com o qual fornece financiamento para os bancos centrais da zona Euro. Com base nas contas do banco central cipriota, o BCE pode ter fornecido financiamento na ordem dos 10 mil milhões, níveis muito elevados em relação à dimensão da economia cipriota. Tal como foi o caso da reestruturação da dívida grega em 2012, o BCE e outros credores oficiais estão indisponíveis para suportar prejuízos na sua exposição, exigindo pois que sejam os depositantes a sofrerem a tesourada, a depreciação do valor dos seus depósitos .
Em quarto lugar, a reestruturação da dívida soberana de Chipre é arriscada porque muitos dos títulos são regidos pela lei inglesa. Qualquer tentativa de reestruturar estas dívidas enquanto isolaria os credores oficiais de perdas poderia convidar ao levantamento de processos jurídicos. Pela lei de Chipre sobre a dívida pública esta está na posse dos bancos locais. Assim , a tesourada, poderia ainda agravar os seus problemas exigindo que o soberano viesse de novo a intervir.
Em quinto lugar, a Alemanha, a Finlândia e a Holanda estão cada vez mais preocupados sobre perdas possíveis em empréstimos concedidos como resgate. A chanceler alemã Angela Merkel não quer estar preocupada com perdas de dinheiro a serem pagas pelos contribuintes alemães para não afectar as suas perspectivas eleitorais nas próximas eleições, em Setembro de 2013. Ela também não quer o BCE assuma quaisquer r perdas que podem desencadear a necessidade para a Alemanha vir a injectar capital adicional no BCE.
Em sexto lugar, a Alemanha quer evitar qualquer fundo de resgate para os depositantes russos, tais como os oligarcas ou os gangs do crime organizado que utilizaram os bancos cipriotas para a lavagem de dinheiro. Carsten Schneider, um político do SPD, falou alegremente sobre o facto de se estrar a queimar “o dinheiro sujo russo “. No entanto, a maioria dos depósitos afectadas pode ser de cipriotas e não de russos.
De acordo com os dados de Janeiro de 2013 43 mil milhões dos 68 mil milhões de depósitos em euros nos depósitos dos bancos de Chipre eram de residentes nacionais, enquanto 19 mil milhões de euros eram do resto do mundo e acredita-se que sejam vindos principalmente da Rússia. Baseados nos dados do BCE sobre as responsabilidades em depósitos trans-fronteiriços sobre os bancos cipriotas, há uma quantidade que se deve adicionar aos valores acima e que diz respeito aos depósitos detidos por bancos não comunitários que será de cerca de 13 mil milhões, acreditando-se que sejam principalmente com origem em bancos russos.
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[1] As ilustrações não fazem parte do texto original.
[2] Veja-se o artigo de Karl Whelan in Forbes, Cyprus Depositor Tax: Genius Plan or the End of the Euro?. Neste artigo escreve este analista:
Aquando da crise grega insistiram sucessivamente que uma situação de incumprimento na Grécia ” não seria nunca uma opção”, mas foi o que aconteceu. Agora, é o próprio Ministro das Finanças de Chipre que rejeitou a ideia de uma tesourada sobre o valor dos depósitos apenas há alguns dias atrás. Sobre esta hipótese afirmou então que “na verdade e categoricamente – isso não só não se aplica no caso de Chipre como não se aplica em toda a zona euro e não pode haver ideia mais estúpida do que essa de pensar que tal tesourada seria possível de aplicar na zona euro.” Bem, talvez seja assim, mas é então uma estúpida ideia de um estúpido tempo que agora chegou, de um tempo que agora vivemos. De forma mais precisa, Karl Whelan fala-nos em : “a stupid idea whose time had come.”