Há uma manobra em marcha nos escombros da política nacional, às vezes mais camuflada, outras vezes mais descarada, que merece ser seguida com alguma atenção e com não menos preocupação. De resto nem sequer é totalmente inédita, tem antecedentes, que radicam mesmo no limiar do sistema democrático desta Segunda República Constitucional.
A manobra passa por fazer crer que, neste (des)governo Passos Coelho/Paulo Portas há, desde a sua posse, o parceiro bom e o parceiro mau. É um pouco a reediçãoda história do bom ladrão e do mau ladrão. O parceiro mau é o PPD/PSD, o partido maioritário do primeiro-ministro e chefe do bando, do Miguel Relvas oportunista e sinistro manipulador dos bastidores políticos e de Vítor Gaspar, o frio tecnocrata e infiltrado da tróika no executivo nacional onde impõe as receitas da austeridade custe o que custar. O parceiro mau é o da insensibilidade social, que despreza as pessoas, impõe a ditadura das finanças, falha todas as previsões, joga despudoradamente com o desemprego galopante como factor determinante do modelo económico que perfilha, a competitividade externa baseada em baixos salários.
O parceiro bom é o CDS/PP, o partido minoritário de Paulo Portas que se serve do seu cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros para se por a recato nos momentos mais comprometedores, dum ministro da caridadezinha que tenta passar despercebido e distanciar-se dos calamitosos efeitos sociais dos golpes desferidos contra o Serviço Nacional de Saúde, contra a Escola Pública, contra o factor trabalho, contra os direitos mínimos dos desempregados, dos doentes, dos aposentados. O parceiro bom é o que tenta transmitir a imagem do sacrificado, do que está no governo sem prazer e sem benefícios mas por missão, que reconhece os pecados da governação mas se esforça por minimizá-los, que tenta introduzir as boas medidas ou atenuar as más medidas. Preocupa-se com o desemprego mas não domina a pasta da economia, é contra os enormes aumentos de impostos mas não tem nada a ver com a pasta das finanças, empenha-se no fomento das exportações mas vê-se bloqueado pela ineficácia do responsável pela economia, pela avareza do senhor das finanças, pela incompetência do chefe do governo. É contra a marginalização da oposição e dos sindicatos, pelo diálogo aberto, maschoca-se com a arrogância e a inépcia do parceiro maioritário. Apela por uma remodelação profunda do executivo, mas contenta-se com um superficial arranjinho. É muito sensível às carências, às desigualdades, às ruturas sociais, mas não pode levar as críticas às últimas consequências para evitar abrir uma crise política. O parceiro bom intriga nos corredores, lança recados pela comunicação social, deixa pairar ameaças, mas acaba sempre por ceder. Por necessidade. Por patriotismo.
Este é o quadro que se pretende exibir e que tem como principal promotor, obviamente, o CDS/PP e o seu inteligente mentor, Paulo Portas. Nada de novo.
O mais interessante é que o principal destinatário desta mensagem não só se mostra receptivo como até, por sua iniciativa, se encarrega de a alimentar. Também aí, nada de novo. É recorrente, no discurso do PS, a tentativa de demarcar o CDS do PSD, o bom do mau. E não apenas com a intenção de tentar fragilizar a coligação, dividi-la, provocar a rutura. O objectivo é mais longínquo, visa o pós-governo, assegurar o parceiro à direita, no mal-afamado “arco da governação”, quando de novas eleições lhe vier a cair no regaço um poder precário de maioria relativa.
O CDS está na mesma jogada. A sua ambiguidade de parceiro bom num governo péssimo visa assegurar a futura aliança com o PS. A lógica do arco da governação que tanto gosta de proclamar é essa, manter-se como parceiro menor, mas pivot da alternância entre PS e PSD. É este o pilar do maquiavelismo realista de Paulo Portas e já está em marcha.
O eleitorado português tem embarcado neste equívoco e com que preço. Tarda a acordar para a dura realidade, a ver que tem sido este arco da governação que, desde 1976, vem sistematicamente cavando o buraco em que nos vimos enterrando. É um arco em túnel e sem saída.
15 de Abril de 2013
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