POESIA AO AMANHECER – 191 – por Manuel Simões

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ANTÓNIO NOBRE

(1867 – 1900)

LUSITÂNIA NO BAIRRO LATINO – 3

(fragmento)

Georges! anda ver meu país de romarias

E procissões!

Olha essas moças, olha estas Marias!

Caramba! dá-lhes beliscões!

Os corpos delas, vê! são ourivesarias,

Gula e luxúria dos Manéis!

Têm nas orelhas grossas arrecadas,

Nas mãos (com luvas) trinta moedas, em anéis,

Ao pescoço serpentes de cordões,

E sobre os seios entre cruzes, como espadas,

Além dos seus, mais trinta corações!

Vá! Georges, faze-te Manel! viola a peito,

Toca a bailar!

Dá-lhes beijos, aperta-as contra o peito.

Que hão-de gostar!

Tira o chapéu, silêncio!

Passa a procissão

Estralejam foguetes e morteiros

Lá vem o Pálio e pegam ao cordão

Honestos e morenos cavalheiros.

Altos, tão altos e enfeitados, os andores,

Parecem Torres de David, na amplidão!

Que linda e asseada vem a Senhora das Dores!

Olha o Mordomo, à frente, o Sr. Conde.

Contempla! Que tristes os Nossos Senhores,

Olhos leais fitos no vago…não sei onde!

Os anjinhos!

Vêm a suar:

Infantes de três anos, coitadinhos!

Mãos invisíveis levam-nos de rastros

Que eles mal sabem andar.

(…)

Qu’é dos Pintores do meu país estranho,

Onde estão eles que não vêm pintar?

(de “Só”)

O autor de “Só” (1892) dá-nos aqui uma descrição viva e animada dum quadro geográfico e humano: as romarias a que o poeta deve ter assistido na sua infância em Leça da Palmeira. O primeiro verso estabelece um paralelismo, formal e estético, com outra secção, certamente mais divulgada, do mesmo poema e que começa: «Georges! anda ver meu país de Marinheiros».

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