REFLEXÕES SOBRE A MORTE DA ZONA EURO, SOBRE OS CAMINHOS SEGUIDOS NA EUROPA A CAMINHO DOS ANOS 1930

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

O fim do crescimento?

 Satyajit Das, 22 de Abril de 2013

 Parte I

Impulsionado pela enorme estímulo monetário dos bancos centrais, o desempenho dos mercados financeiros, especialmente os mercados de acções, passou a estar dissociado de uma economia real bem moribunda.  Os financeiros assumem que a forte subida nos mercados accionistas antecipa uma forte recuperação económica. No entanto, existem razões fundamentais para acreditar que o mundo pode estar a entrar num período de baixo ou de nenhum crescimento. Se o que se acaba de dizer passar a ser efectivamente a situação da economia real, então o optimismo dos mercados financeiros pode estar a ser prematuro.

O fim do jogo económico

Arthur Miller escreveu que “sobre uma época pode ser dito que está a chegar ao fim quando as suas ilusões mais básicas estão a ficar esgotadas”. A ilusão central da idade do capital – o crescimento económico – pode estar a acabar.

Todas as linhas de pensamento em política e em economia estão profundamente enraizadas na ideia do forte e sustentado crescimento económico, combinado com a crença de que os governos e os bancos centrais podem exercer um controle considerável sobre a economia para alcançar este objectivo. O crescimento económico tornou-se a solução universal para todos os problemas políticos e económicos, desde o de melhorar a qualidade de vida, o da redução da pobreza como agora o de querer resolver os problemas de sobre-endividamento das nações, das empresas e dos indivíduos.

Os políticos e os decisores incansavelmente procuram o crescimento. No seu romance de 1929, O Grande Gatsby, F. Scott Fitzgerald identificou esta atracção fatal: “Gatsby acreditava na luz verde, no futuro orgiástico que ano após ano  recua atrás de nós. Ele ilude-nos então, mas isto não é importante – amanhã vamos correr mais rapidamente,  chegaremos ainda mais longe com os nossos braços esticados”.

Mas na natureza, o crescimento é apenas uma fase temporária que se acaba  com a maturidade. Como o académico Jay Forrestor observou: ” as civilizações do passado cresceram em trajectos de apogeu e de declínio. Em cada situação de crescimento, o crescimento segue o seu curso, seja ele de segundos ou seja ele de séculos.”

Máquinas  perpétuas?

O crescimento é um fenómeno relativamente recente. Numa publicação deliberadamente provocadora do National Bureau of Economic Research de 2012 o título de um  número é exactamente US Economic Growth Over? Faltering Innovation Confronts The Six Headwinds, o economista Robert Gordon considerou que antes de 1750 havia pouco ou nenhum crescimento económico (tal como medido pelo aumento do produto interno bruto per capita).

Demorou cerca de cinco séculos (a partir de 1300 a 1800) para que o padrão de vida tenha passado para o dobro em termos de rendimento per capita. Entre 1800 e 1900, voltou novamente a dobrar. O século XX viu melhorias rápidas nos padrões do nível de vida, tais que o nível de vida terá aumentado entre cinco ou seis vezes. Os níveis de vida duplicaram entre 1929 e 1957 (28 anos) e, novamente, entre 1957 e 1988 (31 anos).

Outras medidas mostram tendências similares. Entre 1500 e 1820, a produção económica aumentou menos de 2% por século. Entre 1820 e 1900, a produção económica praticamente dobrou. Entre 1901 e 2000, a produção económica aumentou por um factor que é próximo de 4. …

Gordon,  de modo bastante controverso, questiona se o crescimento económico é um processo contínuo que pode persistir para sempre. Ele argumenta que o crescimento e as melhorias na qualidade de vida irão diminuir significativamente o seu ritmo de crescimento. Pela ideia de “shock value”, ele especula que as futuras taxas de crescimento poderão ser de 0,2%, bem abaixo mesmo da modesta taxa de 1,8% entre 1987 e 2007.

 Baixo ou nenhum crescimento não é necessariamente um problema. Pode ter efeitos positivos, por exemplo, sobre o ambiente ou sobre a conservação de recursos escassos. Mas o actual sistema económico, político e social está baseado na expansão económica sem fim e nas melhorias na qualidade de vida que lhe estão associadas.

 John Steinbeck identificou esta tendência no seu romance As vinhas da ira, a sua grande obra sobre a depressão: “quando o monstro para de crescer, morre. Ele não pode ficar sempre na mesma.”

As hormonas do crescimento artificial

Nos últimos 30 anos, uma proporção significativa de crescimento económico e da riqueza criada assentou ou partiu de dinheiro emprestado e da especulação. Desde 2001, os empréstimos obtidos face ao valor crescente das casas contribuíram em cerca de metade do crescimento económico registado nos Estados Unidos.

O comércio global está assente sobre um modelo financeiro. Os vendedores de bens e serviços, tais como China, Japão e Alemanha, indirectamente financiam as compras através da concessão de empréstimos sobre as suas reservas  em moeda estrangeira a países como os EUA e às economias agora profundamente perturbadas do “Club Med”, as economias do Sul da Europa.

A financeirização é dinheiro emprestado e especulação. A dívida permite que a sociedade possa estar a pedir emprestado ao futuro. Esta acelera o consumo, como a dívida é utilizada para comprar alguma coisa hoje contra a promessa de pagar depois o empréstimo no futuro. Despesas que teriam tido lugar normalmente durante um período de vários anos são agora feitas num muito mais curto espaço de tempo, devido à disponibilidade de dinheiro barato. As actividades na base de investimentos que tenham lido erradamente a evolução da procura, assumindo que o crescimento exagerado vai continuar indefinidamente, aumentam os preços dos activos reais e gera um significativo excesso de capacidade na construção.

O endividamento a impulsionar o consumo tornou-se a ferramenta para gerar o crescimento económico. Mas esse processo requer crescentes níveis de endividamento. Em 2008, eram necessários 4 a 5 dólares de endividamento para gerar 1 dólar de crescimento. A China agora precisa de US $6 a US $8 de crédito para gerar US $1 de crescimento, um aumento de cerca US $1 a $2 de crédito por cada $1 de crescimento relativamente à década anterior.

O endividamento também se torna um mecanismo para esconder as disparidades na distribuição da riqueza em muitas sociedades. A democratização do crédito permitiu que grupos de rendimentos baixos possam contrair empréstimos e gastarem, incentivando o crescimentos de sector da habitação, de modo a lidar com o problema da estagnação do rendimento real.

A capacidade de manter altas taxas de crescimento económico através de dívida adicional é agora questionável. O mundo está a ser forçado a “desalavancar” – a reduzir a dívida.

Depois de se ter iniciado a crise financeira global (“CFG”), os indivíduos e as empresas começaram um muito lento processo de redução da dívida. O défice consequente na procura foi preenchido pelos governos que pediram fortemente emprestado para evitar a “Grande Recessão” transformada depois em D – Depressão.  Tratou-se de uma heróica aposta no crescimento e na inflação. Nas palavras do escritor François Duc de La Rochefoucauld: “A esperança, enganadora como é, serve pelo menos para nos levar até ao fim de nossas vidas por um caminho agradável.”

Agora, os governos são obrigados a abraçar a austeridade tal como os investidores concentram a sua atenção sobre a evolução das suas finanças públicas. A necessidade dos governos, tal como para o sector privado também, reduzirem os montantes das dívidas em presença reduz a procura e coloca o mundo numa espiral negativa de crescimento cada vez menor.

(continua)

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