Selecção, tradução e montagem por Júlio Marques Mota
PARTE III
(conclusão)
…
Mais de uma Rana Plaza por semana
É importante lembrar esta história, agora que acaba de se dar a pior tragédia industrial do Bangladesh, a derrocada do edifício Rana Plaza onde estavam instaladas muitas fábricas de têxteis, a trabalharem para marcas europeias e americanas, derrocada esta que terá causado mais de 900 mortes e mais de 1.000 feridos. No Bangladesh, a pobreza provoca uma enorme mortalidade infantil de crianças com menos de 5 anos, na ordem das 125.000 por ano; Isto é bem mais que uma Rana Plaza por semana. Este drama não passa nas televisões, e disto nem ouvimos falar sequer: Rana Plaza é uma tragédia, essas crianças mortas são apenas uma estatística.
Estatísticas fornecidas pela Unicef
Under-5 mortality rank |
61 |
Under-5 mortality rate, 1990 |
143 |
Under-5 mortality rate, 2010 |
48 |
Infant mortality rate (under 1), 1990 |
99 |
Infant mortality rate (under 1), 2010 |
38 |
Neonatal mortality rate, 2010 |
27 |
Total population (thousands), 2010 |
148692 |
Annual no. of births (thousands), 2010 |
3038 |
Annual no. of under-5 deaths (thousands), 2010 |
140 |
GNI per capita (US$), 2010 |
640 |
Life expectancy at birth (years), 2010 |
69 |
Total adult literacy rate (%), 2005-2010* |
56 |
Primary school net enrolment ratio (%), 2007-2009* |
89 |
% share of household income 2000-2010*, lowest 40% |
22 |
% share of household income 2000-2010*, highest |
Esta mortalidade infantil à taxa de 4,6% por ano – 10 vezes maior do que a nossa própria taxa – pode parecer enorme: esta era de 19,3% em 1980, quando a fábrica Noorul Quader começou a produzir as suas primeiras camisas, antes do boom das exportações de têxteis do Bangladesh.
Os salários pagos aos trabalhadores de têxteis de Bangladesh são indecentes: US $38 por mês, “o preço da escravidão”, declarou o Papa. O acidente de Rana Plaza, precedido por muitos outros incidentes, mostra que as condições de segurança, as condições de trabalho destes trabalhadores são terríveis.
A verdadeira tragédia do Bangladesh é aquela que se verifica fora das fábricas de têxteis. Todos os trabalhadores que aceitam estas condições de trabalho e de salário só o fazem por um motivo apenas: as alternativas – particularmente a vida rural – são ainda piores. A indústria têxtil tem sido uma fonte de melhoria nas condições de vida para os Bengalis – e não tiveram até agora outra.
Apelos ao boicote sem grande adesão
Como sempre acontece quando ocorre este tipo de tragédia, as reacções não se fazem esperar. O Comissário Europeu do comércio, Karel de Gucht e a responsável pela política externa Europeia, Catherine Ashton, indicaram num comunicado que encaravam a hipótese de impor sanções comerciais ao Bangladesh para incentivar as suas empresas locais a melhorar as condições de trabalho dos seus trabalhadores . As ONG apelam às marcas para que estas reforcem os controlos sobre os seus subcontratantes nas produção de têxteis.
Depois de um espectacular drama, a tentação de “fazer alguma coisa” . Além disso, os consumidores ocidentais apreciam roupas que não sejam caras, mas consideram que é um pouco desconfortável serem lembrados disso na hora do Tele-jornal, que as suas peças de vestuário são produzidas no outro lado do mundo, por pessoas pobres, por mães solteiras e, às vezes, pelas próprias crianças, por um salário de miséria.
Mas os apelos a um boicote, as sanções comerciais contra o Bangladesh, correm o risco de ter exactamente o efeito oposto ao que é desejado. Há uns 15 anos, na sequência do movimento para um boicote dos produtos com origem no Paquistão e no Bangladesh produzidos pelas crianças (incluindo as … bolas de futebol do Campeonato do Mundo) muitas crianças foram despedidas de um dia para o outro das fábricas de têxteis em que trabalhavam. Procurando o seu rasto, a Unesco constatou que a maioria deles tinham sido de novo empregados mas agora noutros ateliers e em situação bem piores, noutros ateliers fabris mais discretos, enquanto que os restantes estavam empregados em trabalhos ainda piores, como a produção de tijolos, ou até mesmo na prostituição. (Veja-se Can Labor Standards Improve Under Globalization?, por Kimberly Ann Elliott and Richard B. Freeman, Capítulo 6).
Isso não significa que seja impossível fazer alguma coisa para melhorar a situação destes trabalhadores; por exemplo, apoiar o movimento de Bangladesh, cujos membros são perseguidos e por vezes mortos.
Mas temos a experiência suficiente para saber que os apelos a um boicote, que a hostilidade à globalização que se seguem inevitavelmente a este tipo de drama altamente visível, não funcionam e que têm o efeito oposto ao efeito pretendido . E recorde-se que a indústria têxtil e a exportação são actualmente a única possibilidade para melhorar a situação dos pobres em Bangladesh. Isso não deve surpreender-nos: como nos lembra Pietra Rivoli, (As Viagens de uma T-Shirt no Mercado Global, Editorial Presença ) no final do século XIX, os proprietários dos ateliers fabris em têxteis da costa leste dos Estados Unidos declaravam que preferem recrutar jovens mães solteiras, porque estas eram “tão preocupadas em poderem alimentar os seus filhos que se poderia exigir delas seja o que for “. O nossos desenvolvimento também tem sido particularmente cruel.
Indignarmo-nos, apelar ás grandes marcas para que deixem de recorrer ao Bangladesh, é especialmente bom para aliviar a nossa consciência, pouco importando as consequências concretas. E traduz uma sociedade totalmente obcecada pelas marcas, pela informação imediata, cujo pequeno conforto não se quer que seja alguma vez desperdiçado.