E DEUS SERÁ ELE KEYNESIANO? Por FREDERICHLIST (L’ESPOIR).

Selecção, tradução e introdução por Júlio Marques Mota

PARTE II
(conclusão)

DeusKeynesiano - III

Deus e a dívida soberana

Deus pode ser ele objectivo, quando fala da dívida?

As Santas Escrituras são, deste ponto de vista, bastante contraditórias. Pelo menos as suas interpretações. Por um lado, permanece a tradição cristã, pouco inclinada a tolerar os usurários, “desumanos”, nas palavras de Santo Basílio e que devem ser condenados ao inferno, de acordo com Dante ainda no século XIII (7). Do outro lado, há uma visão mais pragmática entre os franciscanos ou entre os judeus, para quem o agiota se vê como parte integrante da Tsekada (Justiça). Maimônides dá conta nestes termos sobre o grau supremo da caridade:

[…] apoiar a pessoa que entrou em colapso, seja por um donativo ou por um crédito seja em parceria com ele, quer fornecendo-lhe um trabalho, de forma então a que ela de forma sustentada recupere definitivamente e não tenha mais necessidade de pedir a ajuda dos outros. ‘ (8).

O Senhor terá ele hesitado entre essas interpretações? A questão é espinhosa. Seja como for, vamos admitir que, à medida em que as economias modernas se foram formando, o Papa, o legal representante Católico de Deus na terra, soube transmitir palavras de um novo género, mas mais ligadas à questão social, do que ligadas à questão da dívida, questão muito teórica, questão já ultrapassada . Ouçamos Leão XIII, na sua famosa Encíclica Rerum Novarum de 1891:

“De uma forma geral, que o rico e o patrão se lembrem que explorar a pobreza e a miséria e que especular com a indigência são coisas, todas elas, que as leis divinas e humanas reprovam também (9).

Deus, portanto, decidiu ! A usura far-se-á mas será ao serviço dos pobres. A divida não é boa nem é má em si-mesma: tudo depende das condições dos empréstimos, dos seus objectivos e económicos e sociais aquando da sua efectivação. Parece-nos que agora, três elementos fundamentais estão reunidos.

Resumamos: a dívida deve poder ser praticada num território dado segundo as suas necessidades, em condições dignas e que participe no aumento de bem-estar para todos e em especial para os mais desprotegidos.

Assim, a dívida seria justificada:

  1. De maneira conjuntural, a fim de ajudar os mais pobres, quando a situação económica o torna necessário

No Génesis, o Faraó, andava inquieto de não encontrar nenhum sentido num sonho que lhe era recorrente no qual ele via sucessivamente ‘ sete belas espigas bem e bem grossas numa haste. De seguida, sete espigas secas e queimadas. (10), chamam por José , escravo hebreu, através do qual é Deus que fala:

É necessário “[tomar] um quinto da riqueza do país durante os sete anos de riqueza […] É desta forma, que o Egipto irá ter reservas para os sete anos de fome. ». (11)

É extraordinário: é o primeiro New Deal e que não data portanto de 1933, mas sim de 1700 antes de Cristo. (12)

  1. De formas estruturais,

A fim de preparar o futuro do povo investindo na investigação, na educação, nas infra-estruturas e na saúde, cujos custos são distribuídos no tempo e são uma condição de riqueza e do bem-estar no futuro .

O Senhor, muito cuidadoso sobre a ideia de se acumular a riqueza sem qualquer propósito útil, esteve sempre preocupado com o futuro do que foi a sua criação, o Homem, face à adversidade e na sua luta contra os elementos ou contra as ilusões humanas. Sim ou não, teria Noé desenvolvido e acumulado um saber-fazer quando construiu a sua arca? Sim ou não, teria José sabido organizar o armazenamento e a redistribuição das colheitas do Egipto? Deus, não terá ele nada ensinado sobre a importância dos talentos de cada um através dos quais o homem grato está em condições de agir ?(13)

Estamo-nos a aproximar do nosso objectivo. Sendo os nossos dois pressupostos sobre a dívida verificados, adicionemos a isto o Seu empenho pessoal no caso grego, o posicionamento económico do Senhor é então claro, parece-me: Deus é também um economista e em que se a jornalista de televisão Marie Drucker se dignasse convidá-Lo em vez de Elie Cohen, seguramente O qualificaria de heterodoxo, ou seja, de oposto ao pensamento neoliberal. Para outros, Ele seria um ingénuo, um moralista, um original. Para Jean Marc Sylvestre, um neoliberal bem conhecido, Deus seria um comunista louco.

DeusKeynesiano - IV 

Deus salva a praça pública

Para concluir: que bem poderia pensar Deus sobre a dívida grega, ou sobre a dívida francesa, portuguesa, ou outra, acumulada ao longo dos anos. Ele certamente se interrogaria se os nossos empréstimos reuniram os critérios acima estabelecidos? A resposta é subtil. Sim, respeitariam quando os estabilizadores automáticos têm levado a que o défice aumente para ajudar os mais afectados pelo desemprego e pela pobreza. Não, não respeitariam quando vemos que o défice é essencialmente uma maneira de não aumentar os impostos sobre as classes mais ricas do país; não, igualmente, quando o défice não resulta de despesas públicas na investigação e no desenvolvimento e estas têm diminuído relativamente ao PIB em França e em Portugal (14), embora tenham depois subido timidamente em França mas porque a crise reduziu o PIB; não, cem vezes não, quando em França, por exemplo, 20 pontos (15) desta dívida são devidos ao resgate in extremis do sistema bancário à beira da falência e cuja arrogância é hoje igualada apenas pela cobardia dos nossos líderes, incapazes de colocar a mão e de terem portanto controlo sobre o pilar da economia que é o crédito…

Deve-se pagar a dívida acumulada ?

As dificuldades gregas revelaram, em plena luz do dia, as diferenças estruturais entre as várias economias europeias em termos de produtividade e posicionamento no mercado global. Nas condições atuais, é claro que a Grécia não será capaz de pagar a sua dívida sem correr o risco de violentas mudanças sociais e institucionais. Por outro lado, que a dívida aumente porque aumentam as taxas de juros é uma realidade intolerável. No que se refere a opinião do Pai sobre este assunto, verificou-se que a dívida não pode ser confundida com a predação dos poderosos. Esta parte da dívida não deve sequer ser paga. Quanto ao resto, o exemplo islandês mostra-nos que é perfeitamente possível dizer aos seus credores: “eu não lhes vou pagar ou pagar-vos-ei mas menos, e terá então que esperar…”. ». A população também perde os seus empregos e os seus direitos sociais: porque é tão improvável que o capital perca alguma vez?

Deus não viu o homem mudar muito desde durante todos estes últimos anos. Ele sabe bem que as suas paixões são violentas e egoístas. Deus também sabe que às vezes os homens são capazes de grandes coisas. Se a organização da área financeira e dos sistemas bancários do mundo permitem, cada vez mais, pela ausência de regras e de controlo democrático, então que se verifique uma expressão generalizada da ganância e até mesmo a sua glorificação, os povos têm o dever de dizer, Basta! A dívida é um detonador. Em todos os países do mundo é exercida uma chantagem insolente feita pelos ricos e pelas grandes multinacionais sobre os impostos, os salários e as protecções sociais. Ao serviço destes poderosos estão as famosas agências de notação que penalizam esta ou aquela política , por ser muito social, por ser muito democrática, há o FMI, há a OMC… Há especialmente uma ideologia dominante: o neoliberalismo, o horizonte supostamente não ultrapassável do nosso século. Finalmente, há a passividade política, a terrível inércia das estruturas do poder político e dos meios de comunicação, na Europa, na França, em Portugal, na França, incapaz de pensar uma alternativa ou de deixar espaço a sério para o debate. É necessário que as pessoas, desgastadas pelo trabalho do dia a dia, possam gentilmente ” esvaziar o cérebro” face ao espectáculo permanente que nos leva ao desastre, devido à falta de se pensar calma e honestamente a economia. A dívida, se esta é reembolsada, sê-lo-á então pelos mais ricos ou pelo o povo. É uma luta! Não é uma questão de especialistas. O problema da dívida, em primeiro lugar é que já não somos os decisores sobre as nossas despesas, sobre as nossas políticas sociais ou sobre os nossos investimentos.

O templo democrático é sagrado, desde que este represente o povo na sua diversidade, informado e consciente das escolhas que estão à sua disposição. Hoje, os mercadores comerciantes saquearam o templo, reduzindo a não reflectir mais do que uma visão de futuro monolítica do futuro, encurralados entre a abertura a todo o custo e a adaptação a este mundo que nos transcende, sinónimo de regressão económica e social. Devemos expulsar os mercadores, os vendilhões do templo.

Texto disponível em L’Espoir, sob o título Dieu est-il keynésien?, cujo endereço é o seguinte: http://lespoir.jimdo.com/ e assinado Frederichlist

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(1) Evangelho segundo S. Mateus (7.12)

(2) AFP Publicado a 26/08/2011

(3) http://www.senat.fr/rap/r10-645/r10-6457.html : artigo intitulado : “Sur la crise économique et financière en Grèce. Sous titre : “l’Ambitieux programme de privatisations”.

(4) Refiro-me ao artigo apaixonante de “Aux origines bibliques de l’économie normative” de Jean-Paul Maréchal, na Universidade de Rennes 2, Haute-Bretagne: disponivel em:

http://www.ecologie-et politique.info/IMG/pdf/29_Aux_origines_bibliques_de_l_economie_normative.pdf

(5) Exode (16.16/18)

(6) « A opinião pública aproxima-os do nivel comum e cria entre eles uma forma de igualdade imaginária, apesar da desigualdade real das suas condições » De la Démocratie en Amérique.

(7) “Aux origines bibliques de l’économie normative” – Jean-Paul Maréchal.

(7bis) Cours de Pierre Rosanvallon au Collège de France : Qu’est ce qu’une société démocratique. Libre sur : http://www.college-de-france.fr, cours du 27 janvier 2010.

(8) Idem.

(9) Léon XIII, Rerum novarum (15 mai 1891), dans Condition des ouvriers et restauration sociale, Pierre Téqui Éditeur, Paris, p. 20. Cité par Jean Paul Maréchal.

(10) Genèse (41.22)

(11) Genèse (41.36)

(12) Sobre o site binliquest.org são detalhadas as datas históricas do tempo bíblico. O quadro indica que José nasceu nasceu em cerca de 1740 AC. A Bíblia (Genèse 41.46) diz que tinha 30 anos quando o faraó o nomeou em 1700 AC que é um valor aproximado.

(13) Referência à Parábola dos Talentos, ou dos Três servidores, Mateus, (XXV.14-30). A interpretação é livre.

(14) http://cisad.adc.education.fr/reperes/public/chiffres/internat/default.htm (valores do Ministério do Ensino Superior e da Investigação.

(15) Depois de 2007, a dívida pública passou de 64.2% do PIB a 84.5% em Maraço de 2011 (INSEE). Estamos pois com um aumento de 20 pontos em 4 anos.

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