Mário Soares, antigo presidente da República Portuguesa, apelou a 12 de Abril, a um incumprimento sobre a dívida pública portuguesa. É também declarou ser necessário que acabe o programa de austeridade altamente destruidor que é imposto pelo FMI e pela União Europeia. Vamos todos nós directamente para o resgate?
O cenário catastrófico
Blog Atlantico: Mário Soares, figura histórica da revolução democrática portuguesa e ex-presidente da República Portuguesa, apelou em 12 de Abril, a um incumprimento sobre a dívida pública portuguesa. Apelando aos partidos da oposição para derrubar o governo, Mário Soares exigiu que se abandone o programa de austeridade fortemente destrutivo imposto pelo FMI e União Europeia. “Portugal, disse ele, nunca será capaz de pagar suas dívidas, a solução então é não as pagar “. A hipótese de um incumprimento cruzado europeu será uma catástrofe a evitar a todo o custo ou uma opção que agora deve ser levado muito a sério e talvez até mesmo antecipa-la. ?
Resposta de Gaspard Koenig: Hoje, que eu saiba, só Michel Rocard teve a coragem e a inteligência de considerar publicamente este cenário. É claro que com uma média de dívida/PIB superior a 100%, os países da OCDE estão a entrar numa situação sem precedentes históricos e inédita em tempo de paz. Estamos praticamente a alcançar os limiares da “insustentabilidade”, quando o refinanciamento da dívida se torna demasiado caro. Os países europeus têm de toda a maneira situações muito variadas, mas os fundamentais económicos são os mesmos: um Estado-Providência construído imediatamente a seguir ao pós guerra e fora de controle desde há várias décadas. Mesmo a Alemanha está acima de 80%! Podemos discutir até ao infinito o estudo por Reinhart e Rogoff, contudo, isso não impede que um tal nível de dívida seja prejudicial para a economia do país, não porque a parte das despesas orçamentais destinadas ao refinanciamento da dívida deixe de continuar a subir (comprimindo os outros itens ). Eu diria até: prejudicial para a moral! Nietzsche escreveu textos sempre de actualidade sobre a “culpabilidade ” que nasce do endividamento. Na França, as perspectivas de desendividamento não deixam de ser sucessivamente adiadas.
Último ponto, o equilíbrio só se aguenta porque as taxas de juro são excepcionalmente baixas, devido à abundância de liquidez nos mercados . Mas isto é um castelo de cartas. No caso da França, muitos investidores internacionais estão agora a começar a vender as suas obrigações da dívida pública . Desde que o dinheiro encontre o seu preço, muitos países encontrar-se-ão com a faca encostada à garganta . É necessário que nos preparemos desde já [para evitar esta eventualidade].
Nicolas Goetzmann: O facto de considerar seriamente um incumprimento para a França não parece então ser o culminar do actual raciocínio errado sobre a austeridade. Este raciocínio faz da situação do endividamento a causa da crise, enquanto o endividamento é o seu resultado, a sua consequência. Por outras palavras, quando consideramos essa opção, estamos a tentar curar a crise, atacando os seus sintomas em vez de estar a atacar as suas causas. É por isso que essa opção é um erro.
A causa da crise é a falta de crescimento e esta falta é um resultado da política de austeridade monetária praticada pelo BCE. Esta política é um poderoso freio ao desenvolvimento económico e de que a sua consequência é a explosão da dívida relativamente ao nível do PIB. O aumento do nível da dívida não é a causa da recessão, é uma consequência da recessão.
Por exemplo, encarar que um incumprimento representa o fim de um errado raciocínio, eis pois porque esta solução me parece impensável. Isso equivaleria uma amputação realizada sobre um paciente na sequência de um diagnóstico errado. A França tem os meios para ser a economia mais poderosa da Europa, a médio prazo, um incumprimento seria uma confissão de impotência como o é também a incapacidade em entender a crise que estamos a viver.
Atlântico: O que nos diz a história sobre as consequências de um país entrar em incumprimento?
Nicolas Goetzmann: Eu poria a questão ao contrário, interrogando-me sobre que tipo de Estado é que faria um incumprimento . Estes seriam Estados de economias de segundo, ou mesmo de terceiro plano, e cujas instituições não são necessariamente as mais bem sucedidas. Fazer previsões sobre um incumprimento francês, que é a sexta economia do mundo é inútil, uma vez que as consequências são totalmente imprevisíveis. Nós não podemos considerar seriamente que um incumprimento sobre um país de uma tal importância poderia ser efectuado nas mesmas condições que o foi no caso do Zimbabwe em 2006 ou da Argentina em 2002.
Gaspard Koenig: Ela nos ensina que tudo é possível! As catástrofes acontecem principalmente no caso de repúdios unilaterais da dívida ou de incumprimentos caóticos motivados não por uma “incapacidade de pagar” de um Estado, mas por uma «recusa em pagar» o que está mais frequentemente ligado a considerações de caracter político ou ideológico (recentemente: o Equador). Mas no caso de um incumprimento limitado e ordenado, os investidores estariam, como é assim muito frequente, tranquilizados em ver que a curva de endividamento é reposta sobre uma trajectória sustentável e que, portanto, as perspectivas para o respectivo pagamento no futuro se tornariam assim paradoxalmente melhores (é claro, é necessário que a reestruturação seja acompanhada por reformas estruturais ). Isso é o que demonstrou com força Bülow e Rogoff no seu trabalho frequentemente citado de 1989: ” Debts that are forgiven will be forgotten- dívidas que são perdoadas serão dívidas esquecidas. O exemplo típico deste tipo de reestruturação ‘amigável’ é o caso do Uruguai que conduziu em 2003 uma operação de troca [com a reestruturação da dívida].
Finalmente, não devemos esquecer que a própria França revolucionária ela mesma praticou um incumprimento em 1797 (a “falência dos dois-terços”). Obviamente, muitos rentiers ficaram arruinados: é uma opção política. Mas as contas do país foram postas em ordem e depois até se recuperaram.
Atlântico: Como se poderia organizar um tal incumprimento ? Em que condições poderia ele ser organizado de modo a evitar um desastre financeiro? Deve ele ser necessariamente coordenado?
Gaspard Koenig: De acordo com os nossos cálculos mais de dois terços da dívida francesa são mantidos por actores da zona do euro (inclusive internos ). É claro que uma reestruturação terá efeitos em cadeia na Europa. De qualquer forma, a tendência é óbvia. Ontem foi a Grécia, hoje Chipre, a Eslovénia amanhã… depois Portugal, como sugere agora Mário Soares e a Itália? A partir daí, tudo pode ir muito rápido. Temos, portanto, necessidade de controlar e antecipar o processo a nível europeu.
O mecanismo que propomos para este incumprimento cruzado é inspirado naquele que foi imaginado em 2011 pelos “Sábios alemães” (um grupo de conselheiros económicos). Os sábios propunham mutualizar o refinanciamento de parte da dívida pública superior a 60% através de um fundo de resgate . Basta substituir o termo “refinanciamento” por ” reestruturação : o fundo – que podemos chamar de “fundo europeu de amortizações ” – poderia oferecer os seus títulos em troca de dívida existente (para a parte superior a 60% do PIB), aplicando-se um certo nível de “tesourada a essa mesma dívida “. Assim, os Estados-Membros beneficiariam de margens financeiras acrescidas para alcançar os seus objectivos de desalavancagem.
A Comissão Europeia anunciou em Fevereiro de 2013 a criação de um grupo de peritos para reflectir sobre a ideia do fundo de amortizações. Que os especialistas alarguem a sua reflexão e os seus cálculos para que aí entre a ideia de um fundo de amortizações!
Nicolas Goetzmann: A condição para evitar um desastre financeiro não é a de proceder a um incumprimento. A condição para o evitar é um bom diagnóstico sobre esta crise e rever em profundidade o mandato do BCE, a fim de que este Banco Central passe finalmente a ter em conta o desemprego e o crescimento como um objectivo da política monetária. Esta solução permite tanto o relançar o crescimento como o reduzir em simultâneo, e por isso mesmo, o nível de endividamento e não irá causar nenhuma hiperinflação, como o parece sugerir alguns. Não vejo nenhuma hiper inflação, nem nos Estados Unidos, nem no Japão ou no Reino Unido e isso por uma razão muito simples: a sua política monetária não é “desenfreada, desequilibrada”, simplesmente é equilibrada, entre o controlo dos preços e a procura de alcançar o pleno emprego.
Atlântico: Quais os riscos jurídicos, financeiros que poderiam surgir de um tal processo? Uma explosão do euro seria inevitável?
Se nós encararmos seriamente um incumprimento, parece oportuno preparar as malas e sair da zona euro. Se o objectivo real do incumprimento está em sair da zona euro, eu então aconselho a encontrar uma outra maneira. Um incumprimento é a abertura para territórios desconhecidos, tanto em termos financeiros como em termos políticos. O sector financeiro francês é de primordial importância a nível mundial e, portanto , há também aqui um risco sistémico. Além disso, um incumprimento também é um repúdio do poder político em exercício sobre as suas acções do passado. É um terreno muito bom para os populismos de qualquer tipo.
Gaspard Koenig: Em termos legais, o caso grego mostrou que a reestruturação é perfeitamente possível na zona euro e isso tanto mais quanto as dívidas são emitidas em direito local. O maior risco são os bancos. No entanto, de acordo com os nossos cálculos, o sistema bancário francês poderia encaixar sem recapitalização um certo nível de “ tesourada” ” (cerca de 25%) em todas as dívidas dos países “do Sul” (França, Bélgica, Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Irlanda). Naturalmente, a análise continua a ser feita para todo o sistema bancário europeu.
Uma reestruturação não vai provocar mas sim evitar a explosão do euro. Na verdade, é a única alternativa face aos meios tradicionais de pagar a dívida: inflação e/ou desvalorização, hoje tornada impossível ( e com razão, na nossa opinião) pelos tratados europeus.
Atlântico: Inversamente, uma reestruturação da dívida, poderia ela provocar um choque moral salutar para a Europa ?
Gaspard Koenig: Esta é a única maneira de escapar ao estúpido dilema entre crescimento e austeridade! A reestruturação irá provocar uma arbitragem geracional: os aforradores (em geral, aqueles que levantaram a dívida – através dos seus representantes – nestes últimos trinta anos) pagarão as suas apólices de seguro de vida e as suas aplicações nos fundos mobiliários colectivos enquanto que os novos aforradores poderão beneficiar de um novo fôlego. Politicamente, tudo se tornará – finalmente – possível: os governos vão estar tão fragilizados que uma nova matriz ao nível político é inevitável, com fortes reformas liberais que diminuirão drasticamente o peso do Estado na economia… e nas nossas vidas. É então chegado o momento em que a geração de 68 será substituída pela geração Y; e é a última oportunidade para a Europa reinventar o seu modelo económico e social.
Nicolas Goetzmann: Eu compararia uma tal operação a um paciente amputado por engano. A amputação pode ser a base de um “choque moral salutar”, mas o preço, esse, parece-me muito alto. Mais uma vez, a dívida não é a causa do que nós estamos a viver e se bem que os hábitos de utilização da dívida devem ser abandonados, este não é o problema, hoje.
O Japão vai renovar com o crescimento apesar do nível de 245% da dívida do PIB simplesmente porque as suas autoridades, após 20 anos de comportamentos completamente erráticos fizeram o diagnóstico correto: monetária. Temos de fazer da mesma forma e nós conseguiremos retomar a trajectória do crescimento. Este retorno ao crescimento irá fornecer as margens de manobra reais para conseguir chegar ao desendividamento do país. Seria absurdo continuar a insistir na visão actual da crise da dívida.