PERGUNTAS À SAÍDA DO EURO. Por RUI TAVARES

Apresentamos o texto  que deu origem ao debate iniciado ontem. Num conjunto de  emails trocados entre amigos veio este  este email. Li-o e imediatamente me lembrei do texto notável de Holbecq sobre a moeda comum. Com as duas peças numa espécie de dança à volta da minha cabeça, a de Rui Tavares e a de Holbecq, surgiu-me  de imediato o texto que foi apresentado ontem sob o tema ficar ou saír do euro.

É pois com muito prazer que se publica hoje o texto que esteve na origem da elaboração deste debate.

Júlio Marques Mota

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Perguntas à saída do euro

Rui Tavares, Jornal  Público

Nesta crónica gostaria de avançar com mais algumas reflexões sobre o debate da saída do euro. Comecemos por recapitular a questão da “saída do euro sem saída da União”, ou seja, da ideia de que Portugal pode obter um posicionamento igual àquele de usufrui hoje o Reino Unido.

Para clarificar, o que seria necessário para Portugal ter um posicionamento igual ao do Reino Unido? Uma derrogação especial. Não há nenhuma outra maneira. Aqueles que defendem a saída do euro dizem “então negociemo-la”. Mas além de negociá-la é preciso que ela entre nos tratados. O Reino Unido, tal como a Dinamarca, têm a diferença crucial de terem obtido a sua derrogação quando os tratados estavam a ser escritos.

Conseguir o mesmo hoje significaria reabrir os tratados, com uma ratificação por todos os parlamentos nacionais (e, quem sabe, um referendo na Irlanda!). Isto demora meses ou anos. Não me pronuncio sobre as consequências deste período alargado de incerteza, pois antes de chegar aí o problema nem é esse. O problema é que as hipóteses de sucesso desta abordagem são reduzidíssimas, porque estaríamos sempre dependentes de um partido da Finlândia ou na Eslováquia que impedisse no seu país a formação de uma maioria parlamentar para nos conceder a nossa “derrogação especial”.

É pois provável que a resposta a um pedido de derrogação especial seria em 99% dos casos: “desculpem, mas não temos condições para iniciar esse processo”. Basta ver que se fosse prometida uma derrogação especial a Portugal, outros pediriam o mesmo, e outros pediriam o mesmo sobre outros assuntos (a França e a Holanda não se importariam de ter uma derrogação especial para a liberdade de circulação, evidentemente). O que nos traz de volta ao mesmo: a única saída do euro que depende estritamente de nós, — aliás, a única saída do euro que funciona no atual estado dos tratados — é a saída da União, com tudo o que isso implica.

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Isto não quer dizer que a saída do euro — e da União — não possa ser uma opção. Mas para isso será preciso encontrar também uma estratégia a longo prazo para a economia e a sociedade portuguesas que não passe só por desvalorizar a moeda. Afinal, Portugal não vai no imediato fazer computadores, automóveis e todas as coisas de que necessita uma sociedade evoluída. Podemos atrair as fábricas da Apple que estão na China? Excelente. Mas é preciso explicar como.

Entretanto, é verdade, há capitais a ser repatriados para Portugal. Mas trata-se em boa medida de capitais de gente que fugiu com os seus euros e que está a comprar a pataco apartamentos, terrenos e empresas em Portugal, reforçando o que poderíamos chamar de a oligarquia portuguesa. Será esse o caminho para uma reforma progressista do país?

Há outras perguntas, que deixaremos para futuros debates. Enquanto elas não estiverem respondidos continuará a parecer-me que a melhor via de saída para nós estará sermos uma economia altamente qualificada, e relativamente especializada, dentro da zona euro.

Concordo que isso será trabalho árduo — e longo. E que o curto prazo nos está a asfixiar já. É por isso que fazer este debate é tão crucial.

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