MÁRIO DE OLIVEIRA – “O DIA EM QUE UM SER HUMANO ACEITA SER PAPA, DESAPARECE COMO SER HUMANO”

(Continuação)

É capaz de julgar a orientação sexual de um homossexual que procura Deus de boa vontade? (afirmação do Papa Francisco)Imagem1

Para mim, não há sequer esse tipo de linguagem, a não ser quando participo em debates e em tertúlias sobre esse tipo de questões. Para mim, como para Deus, o de Jesus, há seres humanos, simplesmente. Mulheres e homens. Heterossexuais e lésbicas, homossexuais, bissexuais, transexuais. O que não for assim não tem a marca, o Sopro, a Ruah de Jesus. É Poder, por isso, formatador e assassino da especificidade de cada qual. Todas as mulheres, todos os homens são minhas irmãs, meus irmãos. Não faço acepção de pessoas. Deixo-me surpreender por cada uma, independentemente da sua orientação sexual. Homofobia não é comigo. E bato-me pela radical igualdade de todas, todos. Costumo dizer, a este propósito, e porque está em conformidade com o meu viver quotidiano, E Deus nos fez homossexuais/heterossexuais e lésbicas. Faço minha a sigla da comunidade LGBT, porque a humanidade é arco-iris, ou, simplesmente, não será. Esse dizer do Papa Francisco é interessante, mas peca por ser inconsequente. Soa menos mal do que o tradicional dizer dos papas que o precederam, mas, na prática, continua a ser mais do mesmo. O que nos define não são certas afirmações que fazemos, mas as práticas que vivemos. Eu, como presbítero heterossexual, tenho de pedir perdão porque, em todos estes milénios de humanidade, o mundo sempre tem sido formatado pelos heterossexuais, para mal deles próprios. Onde só o Poder tem voz e vez. Não é assim o mundo de Deus, o de Jesus, todo arco-íris, onde os seres humanos, sem discriminação de nenhuma espécie, temos voz e vez.

Se existe um PapaShow Francisco também existe um PadreShow Mário?

Mas o que há de substantivamente comum, entre o pomposo e poderoso ser-viver do papa Francisco e meu simples ser-viver de presbítero da Igreja do Porto? O que há de comum entre um papa e um ser humano, simplesmente? Ou ignoramos que no dia em que um ser humano aceita ser papa de Roma, desaparece como ser humano? O papa de Roma, pelo simples facto de o ser, é o Poder monárquico absoluto e infalível em todo o seu esplendor. Para cúmulo, o actual papa de Roma faz-se chamar Francisco. Mas que há de comum entre ele e Francisco de Assis? Ou será que vivemos tão ofuscados pelo Poder monárquico absoluto e infalível – é assim o poder do papa de Roma – que ainda pensamos que quem atinge esse patamar mais alto da pirâmide, alcança a pleno do humano? Ignoramos que o Poder no seu grau máximo é de todo incompatível com o Ser Humano? Deixe-me cantar, a propósito desta sua pergunta: Sou uma menina sem eira nem beira / a terra me ensina a ser companheira / Não sei de poderes a pura demência / tenho por comeres Jesus e Ciência.

Também acha que arranjaram um Deus que mete medo? (afirmação de Anselmo Borges)

Só um Deus? Muitos. Todos esses deuses e deusas que têm sacerdotes e pastores, intermediários e funcionários ao seu serviço, são fonte de medo. Na verdade, não passam de tigres de papel, como a deusa/senhora de Fátima, que, até, para mudar de sítio, precisa que alguém pegue nela e a transporte nas mãos ou numa viatura. O trágico, é que enquanto não erradicarmos de dentro da nossa mente esses deuses e deusas, e continuarmos a ter medo deles e delas, ao ponto de rastejarmos perante as suas imagens, nunca chegaremos a ser gente. Não passamos de carne para canhão, sacrificados/imolados aos deuses e deusas. Com sacerdotes religiosos ou laicos a presidir e a legitimar estes hediondos crimes.

Deus não dorme?

Direi, por outras palavras, mais teológicas, que o Deus Poder nunca dorme! Por isso, se quisermos resistir-lhe, temos de estar acordados, até mesmo a dormir. Ou somos como meninas, como meninos, vida fora, ou não chegamos ao patamar do, plena e integralmente, humano. Preferimos ser capachos e agentes do Deus Poder que nunca dorme. E, como ele, também nunca dormimos. Nunca amamos. Nunca somos. Só fornicamos. E, quando, tarde demais, dermos por isso, já não somos mais que uns robots. Uns estúpidos chico-espertos. Uns canalhas engravatados, disponíveis para todo o tipo de serviços sujos!

Deus escreve direito por linhas tortas?

O ditado popular assim o diz. Mas a realidade é exactamente o contrário. Deus, o de Jesus, entorta todas as linhas politicamente correctas e direitas com que a esta ordem mundial assassina se tece, numa hipocrisia planetária que, se não estamos vigilantes, nos descria, a cada instante. Por isso, o Deus de Jesus é um Deus crucificado, não crucificador, como o Deus Poder. Os povos, quando se experimentam habitados por Ele, mais íntimo a eles que eles próprios, deixam de ser povos-capacho e passam a povos-tsunami político, que destroem todas as linhas politicamente correctas e direitas com que se tece esta perversa ordem mundial que os asfixia e mata. Com o papa de Roma, no topo da pirâmide. Esqueçamos, duma vez por todas, tudo o que nos disseram sobre Deus. Matemos esse Deus que escreve direito por linhas tortas, fonte de terror. Porque é o Deus Poder. Levantemo-nos, politicamente desarmados, e a ordem mundial ruirá como um baralho de cartas. E assumamos, finalmente, a nossa própria vida pessoal e colectiva, segundo o princípio dos vasos comunicantes. Esse é o primeiro dia da Humanidade com Deus mais íntimo a ela que ela própria, a viver todos os dias como se Deus não existisse!

Deus tarda, mas não falha?

E Você a dar-lhe com Deus! Até parece que está possesso. Ainda não se apercebeu que, quando este nosso tipo de mundo diz Deus, está a dizer Poder monárquico absoluto e infalível, omnipotente, omnisciente, omnipresente? Permita-me, por isso, que, a esta sua pergunta, eu responda assim: o Poder tarda, mas não falha. Deus? Só mesmo crucificado. Ou assim, ou é simplesmente mais uma das muitas máscaras do Poder!

(Continua)

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