SAÍDA DO EURO – SEGUNDA RESPOSTA DE DOMENICO MARIO NUTI (VERSÃO PORTUGUESA)

Formulação da pergunta por Júlio Marques Mota

À pergunta formulada

Eis pois a questão que levanto aqui e agora,  uma vez que Portugal se recusa viver em autarcia como um país pequeno que é,   uma vez que a saída da zona euro unilateral é também ela inaceitável, uma vez que a saída apoiada pela UE é, por seu lado, impraticável, e tendo ainda em conta o conjunto,  caracterizado pela ignorância, ganância e maldade,  destes que nos governam,  seja  a nível regional seja  a nível nacional, então o que fazer para não se morrer, mesmo que lentamente (!)  com estas políticas que estão e estão mesmo para durar e  talvez mais de dez anos, de acordo com as declarações de Jens Weidmann ao Wall Street Journal 

continuemos a ver a troca de pontos de vistas havida com Domenico Mario Nuti

À publicação da versão inglesa do texto, segue-se a versão em português e, por fim, a versão em italiano.

The Euroarea: Premature, Diminished, Divergent

 

A zona euro: prematura, diminuída, divergente[1]

Por Domenico Mario NUTI, Professor Emérito da Universidade Sapienza de Roma, dmarionuti@gmail.com,

Website: http://sites.google.com/site/dmarionuti/Home;

Blog “Transition”: http://dmarionuti.blogspot.com/

Domenico Mario Nuti
Domenico Mario Nuti
Parte I

1. Benefícios e custos esperados de uma área monetária comum

Normalmente, espera-se que a formação de uma área monetária comum origine no mínimo sete benefícios:

Primeiro, a redução de custos de transação, como o custo acumulado de converter uma moeda noutra (e depois noutra).

Segundo, um aumento da concorrência, dada a maior transparência e comparabilidade dos preços, uma vez que estão expressos na mesma moeda.

Terceiro, a redução da taxa de inflação, se a gestão da moeda única for submetida a uma maior disciplina por parte de um banco central independente, tendo como objetivo uma taxa de inflação baixa.

Quarto, a eliminação do risco cambial nas transações entre os países membros da área monetária comum.

Quinto, uma taxa de juro menor associada tanto a uma taxa de inflação mais baixa como à eliminação do risco cambial.

Sexto, além de todos esses fatores que se espera que contribuam para a integração do comércio dentro da área comum, haverá também mais incentivos ao investimento estrangeiro, dada a capacidade dos investidores de repatriarem livremente os lucros na mesma moeda em que são obtidos.

Por fim, existem os benefícios previstos de uma maior integração financeira, o que permitiria entre outras coisas uma forma de seguro implícito contra choques assimétricos.

Em contrapartida, há pelo menos três inconvenientes graves em que os membros de uma área monetária comum podem incorrer. Primeiro, a perda da política monetária nacional, potencialmente grave no caso de choques assimétricos. Segundo, a perda da taxa de câmbio nacional como instrumento de política económica, especialmente a privação da desvalorização da moeda como um meio para aumentar a competitividade do setor exportador nacional. Terceiro, a disciplina orçamental a que os governos nacionais estão subtidos por pertencerem à área monetária.

Em geral, há uma expetativa de benefícios líquidos positivos decorrente do estabelecimento de uma área monetária comum.

2. Benefícios e custos reais da zona euro

A criação da zona euro tem resultado de uma mistura de vantagens e de inconvenientes de diferentes dimensões, tendências e com [diferentes] efeitos líquidos ao longo do tempo. A poupança em custos de transação com conversões cambiais foi claramente exagerada, uma vez que os custos em que se incorria, moeda a moeda, eram os resultantes apenas da diferença entre receitas e despesas na mesma moeda [o neting]. Os preços podem ser facilmente expressos em qualquer moeda escolhida como numerário, sendo então uma maior transparência uma mera ilusão. A inflação foi domesticada com sucesso pelo Banco Central Europeu (BCE) tendo-a mantido abaixo do melhor registo anterior do Bundesbank, contudo em 2013 o desemprego atingiu níveis recorde na zona euro. Com a introdução do euro as taxas de juro têm caído e, gradualmente, têm convergido de modo uniforme para um nível baixo, tendo-se mantido neste mesmo nível durante sete anos e meio até 2010, quando o spread entre as taxas de empréstimo nacionais e a menor taxa paga por um Estado-membro (a Alemanha, sobre os títulos de dívida pública a longo prazo – Bunds) aumentou espetacularmente e em simultâneo com o custo do seguro contra o incumprimento do país, ou seja, com os CDS (Credit Default Swaps). A integração bancária na zona euro transformou-se num mecanismo de contágio.

Os choques assimétricos — uma preocupação séria quando o euro foi criado — não têm sido um grande problema, mas a incapacidade de pôr em prática uma desvalorização externa permitiu o surgimento de medidas alternativas e dolorosas de desvalorização interna, ou seja, a deflação de salários e preços. A disciplina orçamental, sob a forma de austeridade concertada aplicada em toda a União Europeia (UE) e não apenas na zona euro, tem deprimido o PIB e o emprego nesta área como um todo e sobretudo nos Estados-membro do Sul [os chamados países periféricos] numa medida proporcionalmente bem maior que a redução da própria dívida pública, levando assim a que os rácios da dívida pública/PIB aumentem e se alargue a divergência  entre os rácios dos Estados-membro (acerca deste ponto, ver abaixo).

Desde a crise grega que estalou em 2010 e as crises sucessivas nos outros Estados-membro que tem sido séria e amplamente discutida a possibilidade da divisão da zona euro nas suas diferentes componentes nacionais, com a consequente reintrodução de moedas nacionais, ou pelo menos a possibilidade da divisão em dois grupos, o grupo do Norte com uma moeda relativamente mais forte e o do Sul com uma moeda relativamente mais fraca do que o valor atual do euro. (Ver Cambridge Journal of Economics, Special Issue on Prospects for the Eurozone, Volume 37, Issue 3, May 2013, descarregável gratuitamente). Inicialmente, as vozes mais proeminentes sobre uma possível rotura na zona euro vinham do círculo de direita, recentemente a estas juntaram-se-lhes vozes de esquerda (para uma crítica, ver Andrew Watt, Why Left-wing Advocates Of An End To The Single Currency Are Wrong, 10-07-2013).

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[1] Tradução de Flávio Nunes. Revisão de Margarida Antunes.

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