CELEBRANDO ANTÓNIO DOS SANTOS – 2 – por Álvaro José Ferreira

(Continuação)

ADEUS!

(POR UMA TEMPESTADE NA COSTA DE INGLATERRA)

(António Nobre, in “Só”, ciclo “Lua-Quarto Minguante”, 2.ª ed. revista e aumentada, Lisboa: Guillard, Aillaud e C.ª, 1898; “Poesia Completa”, Lisboa: Círculo de Leitores, 1988 – págs. 185-188)

Adeus! Eu parto, mas volto, breve,
À tua casa que deixei lá!
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
No meu regresso, que sol fará!

Adeus! Na ausência meses são anos,
Dias são meses, que aí são ais:
Ah tu tens sonhos, eu tenho enganos.
Eu sou sozinho, tu tens teus Pais.

Adeus! Nas velas o Vento toca
«Aves» e «Paters» de imensa dor.
Enquanto rezas, fia na roca
Enquanto rezas, fia na roca
O linho branco do nosso amor.

Adeus! Paquete, que vai fugido
Com um Poeta lá dentro a orar!
Ai que destino tão parecido.
Andar aos ventos, ó Mar! ó Mar!

Adeus! Mar, quero que me respondas,
Águas tão altas! dizei, dizei:
Quais mais salgadas? as vossas ondas
Quais mais salgadas? as vossas ondas
Ou as que eu choro, que eu chorarei?

Adeus! (Que é isto? treme o Paquete!)
Fiel me seja teu Coração:
Não que eu fechei-o num aloquete
E a chave é de oiro, trago-a na mão!

Adeus! O Vento soluça e geme,
O Mar é negro, mas «lá» é azul…
Francês tão moço, que vais ao leme,
Francês tão moço, que vais ao leme,
Ah se pudesses voltar ao Sul!

Adeus! (Piloto, que nuvens essas,
Façamos juntos o «plo sinal!»)
Menina e Moça, nunca me esqueça
Que eu tenho os olhos em Portugal!

Adeus. Um brigue de pano roto
Vede que passa, faz-nos sinais:
Tenha piedade, Sr. Piloto,
Tenha piedade, Sr. Piloto,
Seja pela alma dos nossos Pais…

Adeus! «St. Jacques», vai depressinha…
Meu Anjo, a esta hora, tu que farás?
O Mar faz medo (Salve, Rainha…)
E tu, meu Anjo, tão longe estás!

Adeus! Tão longe, tão longe a terra!
Longe de tudo, longe de ti!
A trinta milhas, fica a Inglaterra,
A trinta milhas, fica a Inglaterra,
A uma (ou menos) a Morte, ali…

Adeus! Na hora de me deixares,
Já pressentias o meu porvir:
«Meu Deus!» disseste, mostrando os ares…
Mas era urgente partir! partir!

Adeus! Já faltam os mantimentos,
Falta-nos água, falta-nos luz!
Morrer, à lua, sem sacramentos,
Morrer, à lua, sem sacramentos,
Morrer tão novo, Jesus! Jesus!

Adeus! E os dias nascem e morrem;
Tanta água e falta para beber!
E já puseram (rumores correm)
Sola de molho para comer.

Adeus! — Bons dias, meu Comandante,
A nossa sorte… morrer, talvez…
E o rude velho segue pra diante:
E o rude velho segue pra diante:
— Morrer, meu Amo, só uma vez!

Adeus! — Gajeiro! — boa criança!
Que vais em cima no mastaréu,
Vê lá se avistas terras de França…
– Ah nada avisto, só água e céu!

Adeus! Ó Lua, Lua dos Meses,
Lua dos Mares, ora por nós!…
Ó Mar antigo dos Portugueses,
Ó Mar antigo dos Portugueses,
Ó Mar antigo dos meus Avós!

Adeus! Ai triste de quem embarca
Sem ver a sorte que o espera ao fim!
Façamos vela prà Dinamarca,
Que Hamlet espera no Cais por mim.

Adeus! À Vida sinto-me preso,
(Morrer não custa) pelas paixões…
Vamos ao fundo, meu Anjo, ao peso
Vamos ao fundo, meu Anjo, ao peso
Das minhas trinta desilusões!

Adeus! Que estranha Visão é aquela
Que vem andando por sobre o mar?
Todos exclamam de mãos para ela:
«Nossa Senhora! que vens a andar!»

Adeus! A Virgem com um afago,
Pôs manso o Oceano, que assim o quis:
O Mar agora parece um lago,
O Mar agora parece um lago,
O rio Lima do meu País!

Adeus! Menina, que estás rezando,
Desceu a Virgem e já te ouviu:
Agora, quero ver-te cantando,
A Santa Virgem já me acudiu.

Adeus! Os Ventos são meigas brisas
E brilha a Lua como um farol!
Ponde nas vergas vossas camisas,
Ponde nas vergas vossas camisas,
Ó Marinheiros, que a Lua é o Sol!

Adeus! «St. Jacques» lá entra a barra,
Nossa Senhora vai indo a pé:
Com seu cabelo fez uma amarra,
Lá vai puxando, que boa ela é!

Adeus! Eu parto, mas volto, breve,
À tua casa que deixei lá!
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
No meu regresso, que sol fará!

Paris, 1893.

É Assim a Minha Alfama

Letra: Alexandre Fontes
Música: Jorge Fontes
Intérprete: António dos Santos* (in LP “É Assim a Minha Alfama”, Roda/Vadeca, 1977)

“Quantos becos tem Alfama?”,
Insististe em perguntar;
Mas Alfama não engana
E quer que a vás visitar.

Anda ver estas vielas
Que nos falam do passado,
Tão antigas e tão belas
Onde mora o velho fado.

Andam mil pregões no ar
Logo que o dia começa,
As varinas par a par
De canastrinha à cabeça.

Pelos santos populares
Tudo baila nas vielas;
E os namoricos aos pares
Dançam à luz das estrelas.

É assim a minha Alfama:
Gente de valor profundo,
Bairro tão cheio de fama
Espalhada pelo mundo.

* Conjunto de Jorge Fontes
Produção – Carlos Cunha
Técnico de som – Fernando Santos

Nostalgia de Alfama

Letra: António Veloso Reis Camelo
Música: António dos Santos
Intérprete: António dos Santos* (in EP “Nostalgia de Alfama”, Columbia/VC, 1965; LP “Minha Alma de Amor Sedenta”, Columbia/VC, 1972, reed. Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007)

Eu não sei que tem Alfama
P’ra que dela me prendesse;
Não na sente quem a infama
Com famas que não merece.

Nos seus becos e vielas,
Onde o sol põe tanta graça,
Há flores e há donzelas;
Não há apenas desgraça.

Tanto as casas se entrelaçam
P’ra caberem dentro dela
Que os namorados se abraçam
De janela p’ra janela.

Quando acesas permanecem
E já tudo adormeceu,
Há janelas que parecem
Dependuradas do céu.

(Continua)

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