A ESTUPIDEZ É UM CÃO FIEL – 2 – por Sérgio Madeira

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Segundo capítulo

Sábado, 13 horas TMG de 16 de Dezembro de 1972 – Aérodromo-Base 7 – Tete, Moçambique

 

Começo de tarde escaldante, com os serviços de meteorologia anunciando para as horas seguintes um inferno de calor.

O grupo de Combate nº 243 da 17ª Companhia de Comandos, os chamados Leopardos, estava em formatura sobre o asfalto fumegante da pista. Mais adiante, estavam alinhados outros dois grupos de combate, estes do GEP (Grupos Especiais Paraquedistas),.A menos de uma centena de metros dos agrupamentos de soldados, três helicópteros da esquadra 703, baseada ali no AB7, em Tete, aguardavam, com os potentes motores ronronando em baixa rotação. Eram robustos SA 330 Puma, de fabrico francês e testados para o clima africano durante a guerra da Argélia.

Tratava-se de levar a cabo a operação com o nome de código Sheltox, uma operação conjunta de efectivos dos Comandos e dos Grupos Especiais Paraquedistas, compostos quase na totalidade por soldados indígenas, enquadrados por oficiais e sargentos metropolitanos.  e por agentes da PIDE/DGS. A operação seria ainda apoiada por caças bombardeiros da Força Aérea.

Sheltox era um insecticida, sob a forma de spray, fabricado pela Shell e muito em voga naquela época devido à sua eficácia contra a praga doméstica de baratas e formigas. O slogan da rádio e da televisão era «Sheltox mata que se farta!». Por isso, devido ao slogan, o inspector Câncio escolhera este expressivo nome para a operação.

Normalmente, cada grupo de combate era composto por 27 homens, mas devido à capacidade de cada helicóptero ser de apenas 20, em vez das regulamentares três esquadras de nove homens cada, apenas levavam seis combatentes por esquadra. O tenente Guilherme Lopes e o alferes Norberto de Sousa, um rapaz alto, alourado,  com boa figura, mas  tímido, ensimesmado, completavam o 243. O Lopes foi em passos largos conferenciar com o capitão Gilberto Alves que comandava pessoalmente a companhia, acumulando-o com o comando do grupo GEP. Era um militar de carreira, com a promoção a major atrasada por motivos políticos, dizia-se. Teria os seus quarenta anos, cabelos ralos, magro, longilíneo, apesar de não muito alto. O terceiro grupo era comandado pelo inspector Câncio e pelo agente Nachawi. O capitão tinha junto de si o inspector da DGS e o agente negro, o homem de confiança de Câncio. Os três pilotos já estavam junto dos agentes da polícia política.

Uma hora antes, tinham feito um briefing numa sala do edifício central da base, onde, em termos genéricos, Câncio e Alves havia feito a descrição da operação Sheltox, destinada a destruir um presumível ninho da Frelimo. Pensava-se que encontrariam ali o lendário «Peste andante», Francisco Kachawa, o comandante rebelde, credenciado por mil proezas – emboscadas, derrube de helicópteros, assaltos a acampamentos militares, disparos contra um avião da TAP. Dado como morto dezenas de vezes, reaparecia sempre, activo e engenhoso, noutro lugar. Um trânsfuga da organização independentista  que se entregara, disposto a dar todas as informações que lhe pedissem, indicara o local onde o mítico comandante  Francisco Kachawa estava actualmente abrigado. Houve quem acreditasse logo, mas, pelo sim pelo não, o homem fora apertado a sério, mantendo, no entanto, a sua história.

Com gestos calmos, evidenciando um controlo absoluto das emoções, Câncio abriu um envelope com as coordenadas do alvo. Os três pilotos anotaram-nas, após o que correram para as suas aeronaves que tinham deixado entregues aos co-pilotos e aos mecânicos de voo.

Para os três comandantes de grupo, o inspector Câncio disse apenas:

– Lembrem-se do que foi dito no briefing       O capitão Gilberto Alves, comandante militar da operação, mas subordinado ao comando político do agente da polícia política, assentiu gravemente, como se, manifestando a sua concordância, a humilhação não fosse tão grande.

Guilherme Lopes lembrou-se do que Câncio dissera durante o briefing:

 «Não deixar ninguém vivo!»

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