Nota prévia:
Para ouvir os poemas de Vinicius de Moraes (os recitados e os cantados), há que aceder à página
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O MERGULHADOR
Poema de Vinicius de Moraes (in “Novos Poemas II”, Rio de Janeiro: São José, 1959; “Antologia Poética”, Lisboa: Círculo de Leitores, 2004 – págs. 363-366)
Recitado pelo Autor* (in 2LP “Antologia Poética”, Philips, 1977, reed. Universal, 2000, 2001)
E il naufragar m’è dolce in questo mare.
LEOPARDI
Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos
No líquido luar tacteiam a coisa a vir
Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos
Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti.
És a princípio doce plasma submarino
Flutuando ao sabor de súbitas correntes
Frias e quentes, substância estranha e íntima
De teor irreal e tacto transparente.
Depois teu seio é a infância, duna mansa
Cheia de alísios, marco espectral do istmo
Onde, a nudez vestida só de lua branca
Eu ia mergulhar minha face já triste.
Nele soterro a mão como a cravei criança
Noutro seio de que me lembro, também pleno…
Mas não sei… o ímpeto deste é doído e espanta
O outro me dava vida, este me mete medo.
Toco uma a uma as doces glândulas em feixes
Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos
Na massa cintilante e convulsa de peixes
Retiradas ao mar nas grandes redes pensas.
E ponho-me a cismar… — mulher, como te expandes!
Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância!
De coordenadas tais e horizontes tão grandes
Que assim imersa em amor és uma Atlântida!
Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia
Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço
No tacto acelerar-se-me o sangue, na arritmia
Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço.
E te amo, e te amo, e te amo, e te amo
Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea
Como o mar ao penhasco onde se atira insano
E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre.
Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel
Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva
O imo do teu ser, o vórtice absoluto
Onde possa colher a grande flor da treva.
Amo-te os longos pés, ainda infantis e lentos
Na tua criação; amo-te as hastes tenras
Que sobem em suaves espirais adolescentes
E infinitas, de toque exacto e frémito.
Amo-te os braços juvenis que abraçam
Confiantes meu criminoso desvario
E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes
Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio.
Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar
E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue
E me afogar de amor e chorar e chorar.
Amo-te os grandes olhos sobre-humanos
Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem
Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos
Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem.
Por isso — isso e ainda mais que a poesia não ousa
Quando depois de muito mar, de muito amor
Emergindo de ti, ah, que silêncio pousa
Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!
Rio de Janeiro, 1951
* Roberto Menescal – violão
Jorginho – flauta
SONETO DO AMOR TOTAL
Poema de Vinicius de Moraes (in “Novos Poemas II”, Rio de Janeiro: São José, 1959; “Antologia Poética”, Lisboa: Círculo de Leitores, 2004 – págs. 354-355)
Recitado pelo Autor (in 2LP “Antologia Poética”, Philips, 1977, reed. Universal, 2000, 2001)
Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.
Rio de Janeiro, 1951
VALSA SEM NOME
Poema: Vinicius de Moraes
Música: Baden Powell
Intérprete: Elizete Cardoso* (in LP “Elizete Interpreta Vinicius”, Copacabana, 1963, reed. EMI, 2007)
Nada poderia contar-te um dia
O que é sofrer por teu amor
Mesmo a poesia não saberia
Contar-te nunca o meu amor
Eu te amo tanto
Que o meu pranto
Corre e corre apenas de lembrar
O teu encanto, o teu silêncio
E essa magia de te amar
Oh, meu amado, a vida é nada
E o tempo é só uma ilusão
Mas eu amo o tempo pois tu existes
E eu tenho um templo no coração
Mas as palavras não têm som nem cor
Para dizer do grande desespero
De te amar em prantos
E te amando em prantos
Cantar novos cantos
Proclamando o amor
[instrumental]
Oh, meu amado, a vida é nada
E o tempo é só uma ilusão
Mas eu amo o tempo pois tu existes
E eu tenho um templo no coração
Mas as palavras não têm som nem cor
Para dizer do grande desespero
De te amar em prantos
E te amando em prantos
Cantar novos cantos
Proclamando o amor
* Instrumentação e regência – Moacyr Santos
APELO
Poema: Vinicius de Moraes (em itálico “Soneto de Separação”, 1938, in “Poemas, Sonetos e Baladas”, São Paulo: Edições Gavetas, 1946; “Antologia Poética”, Lisboa: Círculo de Leitores, 2004 – págs. 208-209)
Música: Baden Powell
Intérpretes: Vinicius de Moraes*, Maria Bethânia e Toquinho (in LP “Vinicius + Bethânia + Toquinho… en ‘La Fusa’ (Mar del Plata)”, Trova, 1971, reed. Alfa Records, 1991, DiscMedi, 1995, RP Music, 2006)
[instrumental]
Ah, meu amor não vás embora
Vê a vida como chora
Vê que triste esta canção
Não, eu te peço não te ausentes
Pois a dor que agora sentes
Só se esquece no perdão
Ah, minha amada, me perdoa
Pois embora ainda te doa
A tristeza que causei
Eu te suplico, não destruas
Tantas coisas que são tuas
Por um mal que já paguei
Ah, meu amado, se soubesses
A tristeza que há nas preces
Que a chorar te faço eu
Se tu soubesses no momento
Todo o arrependimento
Como tudo entristeceu
Se tu soubesses como é triste
Eu saber que tu partiste
Sem sequer dizer adeus
Ah, meu amor, tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus
Ah, meu amor, tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Ah, meu amor, tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus
Ah, meu amor, tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus
* Vinicius de Moraes – voz
Maria Bethânia – voz
Toquinho – voz, guitarra
Alfredo Remus – contrabaixo
Mike Ribas – piano
“Chango” Farías Gómez – percussão
Enrique “Zurdo” Roizner – bateria
Direcção musical – Mike Ribas
Produção – Alfredo I. Radoszynski
Gravado nos Estúdios Ion, Buenos Aires, em Janeiro de 1971
Técnicos de gravação – Carlos Piriz, Mike Ribas (piano)
Assistente – Gerd Gaumgartner