POEMAS DO AL-ANDALUS – 7 – fotografias de Fábio Roque

Imagem1

Encerramos hoje esta pequena série em que colocámos fotografias que Fábio Roque colheu em países do Magrebe acompanhados por poemas de escritores andalusies. Sem que as fotos ilustrassem as poesias ou vice-versa – pois são processos separados, apenas relacionados por uma cultura islâmica cujo brilho parece ter empalidecido por força de um acréscimo do fervor religioso. Temos cotejado a situação actual da mulher perante o Islão com períodos de grande liberalismo – no Al-Andalus, nos séculos XII e XIII, as mulheres puderam exprimir poeticamente os seus sentimentos com uma liberdade que hoje não teriam na maioria dos estados islâmicos. Hoje, para terminar, introduzimos outro tópico – o da proibição do consumo de bebidas alcoólicas. Lembremos os rubayat de Omar Khayyam – um grande poeta, matemático e astrónomo nascido em 1048 em Nishapur, na Pérsia, actual Irão (m. em 1131): O que vale mais? Meditar numa taverna,/ou prosternado na mesquita implorar o Céu?/Não sei se temos um Senhor,/nem que destino me reservou. E, noutro rubai, pede: Olha com indulgência aqueles que se embriagam;/os teus defeitos não são menores./Se queres paz e serenidade, lembra-te/da dor de tantos outros, e julgar-te-ás feliz. Preferir a taberna à mesquita como local de reflexão, pôr em causa a existência de Deus, pedir indulgência para os que se embriagam, seria pouco conveniente no Irão actual, bem como noutros estados regidos pela shaira ou lei corânica. Pois no Al-Andalus, no século XIV, o poeta granadino Ibn al-Ŷayyāb (m. 1348), abordava o tema com grande abertura, embora com objectivos de moralização religiosa:

Serve-me o vinho puro e sem mistura,

pois ele é o meu repouso, o meu remédio;

derramada uma só gota no copo,

o vidro resplandece numa ardente claridade;

se o bebe o pervertido, o vinho

oferece-lhe um enigma com um oculto segredo;

mas se o bebe o iniciado,

 mostrar-lhe-á  a luminosa verdade;

deixando-lhe suspensos os sentidos

sem que possa viajar de noite ou de dia.

—————-

NOTA:
Não fique   a ideia de que os temas “libertinos” dominavam a produção poética do Al –  Andalus. A poesia mística tinha grande aceitação – Ibn   al-‘Arabī,. de Múrcia (1165-1245), foi um dos grandes poetas místicos do Islão.   Curiosamente, colocou a tradição do erotismo na poesia árabe ao serviço da   poesia religiosa. Neste poema de que apresentamos excertos para que se   compreenda o sentido geral, ele próprio nos explica a acepção esotérica da   sua poesia.

Quando   escrevo nos meus versos

que o   destino me levou à altura ou ao abismo,

E quando   digo que as nuvens

ou que as   flores sorriem […]

e falo de   luas que se põem nos gineceus

de sóis ou   de plantas que se elevam

de raios,   trovões ou brisa, […]

caminho,   torrente ou dunas, montanhas, ruínas ou cinzas,

amigos,   camelos ou colinas, […]

de mulheres   com peitos altivos e túrgidos,

que surgem   como sóis ou como estátuas,

tudo o que   destas coisas menciono,

ou de   coisas semelhantes, deve ser entendido

como vindo   das luzes e segredos que surgem

e se   elevam, que Deus do céu trouxe

ao meu   coração ou ao coração dos que

como eu se   submetem às leis dos sábios.

Uma   descrição santa e elevada ensina

que a   minha verdade tem um passado,

por isso,   afasta o teu pensamento do exterior

e procura   o interior para aprender.

(Tradução   feita a partir da versão em castelhano do Professor Vicente Cantarino)

1 Comment

  1. Belíssimo! E necessário, muito necessário porque a vida anda violenta e injusta demais, no Oriente como no Ocidente, nos países ricos e nos pobres. Que um pouco do lírico misticismo do Al-Andalus nos alimente de beleza e nos console.
    Obrigada, Carlos Loures!
    Rachel Gutiérrez

Leave a Reply