A ILUSÃO DA AUSTERIDADE, PORQUE É QUE UMA MÁ IDEIA CONQUISTOU O OCIDENTE, por MARK BLYTH(1) – IV

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

A ilusão de austeridade, porque é que uma má ideia conquistou o Ocidente

Mark Blyth

(CONTINUAÇÃO)

A austeridade para já, a loucura para mais tarde

Durante a década de 1920 e 1930, os Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Japão tentaram simultaneamente cortar   no seu caminho para o crescimento. Este projecto não apenas falhou; este projecto também ajudou a provocar a Segunda Guerra Mundial. A economia dos EUA da década de 1920 foi uma estranha besta. Os preços agrícolas caíram, o desemprego manteve-se ou cresceu de modo muito marginal e o mercado de acções cresceu. Então, em 1929, este mercado caiu espectacularmente, as receitas caíram vertiginosamente e os défices tornaram-se elevadíssimos. Nessa altura, os investidores por temerem que os americanos seguissem os britânicos e viessem assim a abandonar também o padrão-ouro, deram origem e rapidamente a uma fuga de capitais  para o exterior e, fazendo com que as taxas de juro viessem a subir e piorassem a contracção da economia. Um exemplo clássico do discurso dos defensores da austeridade, Hoover argumentou com o seguinte :  ” Porque nenhum país poderia  desperdiçar  o caminho para a prosperidade com fazendo as ruínas dos contribuintes . E foi de acordo com estes objectivos que procurámos novas receitas para compensar o rendimento decrescente do governo de maneira a que o poder do governo federal para enfrentar a emergência permaneça intocável “, e em 1931, ele passou a aumentar impostos e a cortar nas despesas públicas simultaneamente. Nos dois anos seguintes, o desemprego disparou, de oito por cento para 23 por cento, e a economia entrou em colapso – como diminuiu assim também  a capacidade dos Estados Unidos funcionarem como um destino para as exportações de outros Estados. A economia dos EUA não recuperou totalmente até que se deram os massivos aumentos da despesa pública provocados pela II Grande Guerra que fizeram descer o desemprego para 1,2 por cento em 1944.

A situação era quase que semelhante , talvez apenas  levemente melhor, no Reino Unido, país que tinha saído da I Guerra Mundial muito pior do que os Estados Unidos. De modo a conseguir crescer depois da guerra, Londres teria que desvalorizar a libra, o que faria com que os seus produtos se tornassem mais competitivos. Mas uma vez que o Reino Unido era a maior potência financeira do mundo e o eixo central do padrão-ouro, mesmo uma sugestão de desvalorização teria produzido um enorme pânico nas bolsas, o que desencadearia assim uma corrida à Libra e levaria a que os activos britânicos no exterior perdessem um valor significativo. Apanhados ou mesmo encurralados nesta posição, o Reino Unido estabeleceu uma alta taxa de câmbio, na esperança de inspirar a confiança dos investidores, mas isto teve o efeito de arrasar as exportações britânicas e frustrar a recuperação do pós-guerra. Assim o Reino Unido estagnou, com taxas de desemprego cronicamente elevadas ao longo da década de 1920.

As coisas ainda se  degradaram mais para os ingleses quando os Estados Unidos aumentaram as suas taxas de juros em 1929 para esfriar o boom de Wall Street e quando o Plano Young para o reembolso das reparações alemãs entrou em vigor, em 1930, dando prioridade à dívida pública sobre as dívidas privadas, significando que as dívidas oficiais da Alemanha seriam as primeiras a ser pagas no caso de neste país se entrar em recessão, em contracção económica. Isto era importante porque anteriormente, muitíssimo dinheiro americano, de agentes privados, tinha afluído à Alemanha e numa altura em que a prioridade de pagamento era dada à dívida privada e não à dívida pública . Quando o plano Young inverte a prioridade no pagamento da dívida , a fuga de capitais da Europa para os Estados Unidos, que era a resultante dessa inversão , levou a que as taxas de juro britânicas permanecessem altas e que se continuasse com a economia numa situação de estagnação .

Uma vez que a Inglaterra  não poderia nem inflacionar a economia nem desvalorizar a sua moeda, a deflação – a significar austeridade – manteve-se como a política económica escolhida , mesmo que esta seja reconhecidamente autodestrutiva. Apesar dos sucessivos cortes nas despesas públicas e apesar de a Inglaterra estar mesmo a sair do padrão-ouro, a dívida britânica subiu de 170% do PIB em 1930 para 190% em 1933. Por volta de 1938, em termos reais, o PIB britânico foi apenas ligeiramente superior ao que se tinha verificado em 1918. Em suma, as duas maiores economias mundiais tentaram cortar o seu caminho para a prosperidade em simultâneo e em situação conduziu à ascensão do fascismo.

As desgraças da Alemanha neste período são muitas vezes deixadas aos pés da hiperinflação de 1923, ou seja, são por esta justificadas, como sendo esta hiperinflação a responsável, hipótese esta que  se tornou,  evidentemente,  o papão da economia nacional daquela época, um pesadelo que nunca mais deve voltar a acontecer . Mas o que essa visão da realidade se esquece de dizer é que a hiperinflação foi muito mais o resultado de uma política deliberada do governo alemão para evitar fazer pagamentos de indemnizações à França, ao invés de ser uma tentativa errada de um esforço ou de um estímulo orçamental tipicamente keynesiano de relançamento da economia. Após a ocupação francesa do Ruhr, em 1923, o governo alemão começou a pagar os salários dos trabalhadores locais como um acto de resistência, fazendo com que o défice disparasse e assim atingisse um verdadeiro pico. O banco central alemão, o Reichsbank, imprimiu moeda para cobrir o défice, o que, por seu lado, provocou a queda do valor do marco . Isso fez com que o pagamento das reparações de guerra se tornasse impossível, forçando a uma renegociação da dívida alemã. Logo a seguir, no entanto, a inflação foi estabilizada e o país recomeçou a andar pelos seus pés.

Quando o novo plano de reembolso da dívida levou a que o dinheiro dos investidores americanos fugissem da Alemanha , o Reichsbank decidiu aumentar as taxas de juros para conter o fluxo, empurrando a economia para uma recessão. Nesse momento, o Partido do Centro ganhou as eleições e tentou aplicar o barco fiscal ou seja aplicar cortes verdadeiramente draconianos nas despesas públicas. Mas quanto mais o governo ia aplicando corte sobre corte mais os nazis ganharam apoio. Nas eleições de 1930, os nazis ganharam 18,3% dos votos e tornaram-se o segundo maior partido no Reichstag. Eles eram, afinal de contas, o único partido que contestava a austeridade. Em 1933, como os cortes continuaram, eles obtiveram 43,9% dos votos. A austeridade, não a inflação, foi ela que deu ao mundo o nacional-socialismo.

O governo japonês aplicou a austeridade de modo mais consistente e com mais vigor do que foi aplicado em qualquer outro lugar. Na sequência de uma grande descida na bolsa em 1920, fizeram-se sucessivos cortes nas despesas públicas que exacerbaram ainda a situação de deflação em que debatia a economia japonesa. O item de maior peso no orçamento de Tóquio era o das despesas militares que foi quase metade dos correspondentes gastos na década seguinte. O Japão continuou a cortar nas despesas públicas a fim de voltar para o padrão-ouro, que aconteceu em 1930- assim como acontecia nas economias dos EUA e da Europa que entraram em queda livre, matando as exportações do Japão. A taxa de crescimento do Japão caiu 9,7 por cento em 1930 e cai igualmente de 9,5% em 1931, enquanto as suas taxas de juros dispararam. Apesar do colapso, Tóquio acelerou ainda o seu programa de redução das despesas públicas e com os militares a arcarem com o ónus desses mesmos cortes. Pelo final de 1930, os militares tiveram depois bem mais do que suficiente.

Após a ratificação do Tratado Naval de Londres em Outubro de 1930, que coloca limites na construção naval, um grupo ultranacionalista no Japão tentou matar o primeiro-ministro Osachi Hamaguchi (este acabou por morrer devido aos ferimentos feitos no atentado). Mais tarde, em 1932,o ex-ministro de Finanças japonês Junnosuke Inoue, que tinha sido o arquitecto da política de austeridade ao longo da década de 1920, foi assassinado. O ministro das Finanças do novo governo, Takahashi Korekiyo, abandonou a politica de austeridade, e a economia rapidamente começou a movimentar-se, crescendo a uma taxa média de quatro por cento ao ano entre 1932 e 1936. Provando que nenhuma boa acção fica por punir , no entanto, Korekiyo foi assassinado em 1936, juntamente com várias outras figuras políticas civis. Por volta de 1936, o governo civil caiu e caiu com ele também a experiência do Japão em que com a queda do governo também simultaneamente caia a democracia e as políticas de austeridade que neste país estavam associadas. A expansão imperial do Japão foi o resultado desta experiência.

(continua)

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Para ler a Parte III deste trabalho de Mark Blyth, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2013/11/16/a-ilusao-da-austeridade-porque-e-que-uma-ma-ideia-conquistou-o-ocidente-por-mark-blyth1-iii/

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(1) – Ver a nota publicada na primeira parte deste trabalho, em:

http://aviagemdosargonautas.net/2013/11/14/a-ilusao-da-austeridade-porque-e-que-uma-ma-ideia-conquistou-o-ocidente-por-mark-blyth1-i/

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