Novas Viagens na Minha Terra – Série II – Capítulo 136 – por Manuela Degerine

Lamas e lampreias

Perante a ribeira e o atoleiro onde, sem milagre, a caminhada será impossível, subo para o terreno acima do caminho, prossigo pelo trilho que outros caminhantes foram marcando, de súbito encontro-me na ponta de uma ribanceira; consigo descer sem quedas nem entorses mas sentindo os ligamentos dos joelhos. Mau sinal… Mais adiante, a mesma coisa, em baixo tudo é água e pântano, trepo pela parede, avanço pelo terreno, aqui parece que inovei, não distingo marcas de passagens, de repente reparo que está vedado, ora catrâmbias, como é que vou daqui sair, voltar atrás nem pensar, o que andei está andado, não sei caminhar sobre as águas, além disso faz-se tarde, avanço portanto, cada vez mais longe, cada vez mais inquieta – até que avisto um buraco. Obrigada, Dona Raposa. Calha bem eu ser magra… Passo a mochila, prendo o cabelo, prendo as calças, faço um rasgão, salpico-me de lama, enfim… passou tudo. Uf! Limpo a cara, limpo as lentes… E avante, camarada.

Alguns quilómetros antes de Valença, junto a uma escola primária, um painel pede aos peregrinos que deixem a identidade e motivações para um trabalho sobre o Caminho de Santiago; escrevo duas páginas.

Mais adiante, quase de noite, o homem está a lançar a linha, quando surjo atrapalha-se, prende-a nas silvas.

– Há peixes por aqui?

– Trutas…

(Só distingo um rego entre pedras.)

– E quando calha: lampreias!

(Estas caras e controladas, objeto provável da pesca.)

A partir de Arão os passos são dolorosos. Sento-me para comer as últimas laranjas, dissolver na boca um pedaço de chocolate… Um homem trava quando me vê.

– Já falta pouco… Bom caminho!

Avanço quinhentos metros. Volto a sentar-me. Mais um retângulo de chocolate. Cada passo exige um esforço descomunal e, quase a entrar em Valença, já me dói o joelho direito. É de noite quando alcanço o albergue. Nem dou a volta ao edifício, salto por cima do muro, poupo assim vários metros e, antes de me inscrever, iço-me ao dormitório: largo a mochila. Enfim… Cheguei!

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