Selecção de Júlio Marques Mota. Tradução de Flávio Nunes.
(CONTINUAÇÃO)
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Um sistema quebrado
Tal como os legisladores dos EUA se agarram obstinadamente à aplicação de políticas erradas, o que é que podem fazer os economistas? Num tal ambiente, os economistas não podem realisticamente esperar serem capazes de levar a que a política assuma uma via correcta, adequada. Então no que é que estes devem ocupar o tempo? A conjuntura durante a grande depressão mais similar ao momento que atravessamos hoje no quadro da actual crise ao ponto de hoje na crise atual, John Maynard Keynes distanciou-se da política para tentar reconstruir o pensamento macroeconómico partindo da própria realidade. Ao escrever A Teoria Geral, Keynes pretendia forçar os economistas do seu tempo a pensar de maneira diferente quando a crise disparou. Até 2009, tudo parecia como Keynes tinha escrito. Mas, hoje, é claro que a sua tarefa apenas estava metade concluida, se assim se pode dizer. Os mesmos rituais encantatórios que foram feitos durante a década de 1930 – convocando a “fada de confiança”, através da magia de austeridade, para difundir as bênçãos da prosperidade na economia — agora são recitados repetidamente e cada vez mais freneticamente. Isto é preocupante, e isto é o mínimo que se pode dizer.
Falando na London School of Economics, em Março, o economista Lawrence Summers, por um lado, apelou à reconstrução do pensamento macroeconómico e, por outro, à reconstrução das instituições e à mudança de orientação do banco central. Mas não há nenhum economista vivo que seja tão inteligente, forte ou suficiente arrogante para tentar substituir Keynes e, Blinder conscientemente assume uma abordagem mais modesta. Ele enquadra as suas recomendações para a reforma em dez mandamentos: três deles dirigidos ao governo e os restantes sete dirigidas aos investidores, aos financeiros. O primeiro conjunto exorta os decisores políticos a lembrar que o ciclo do lucro, especulação, exuberância, quebra repentina, falência, pânico e depressão tem sido uma característica constante das economias industriais de mercado desde pelo menos 1825; que a auto-regulação levada a cabo pelos financeiros é um desastre; que os financiadores deveriam ter incentivos muito fortes, para não andarem de um lado para outro até defraudarem o público. O segundo conjunto de mandamentos é basicamente uma exortação aos financeiros. O segundo conjunto de mandamentos exorta os financeiros a lembrar que os seus accionistas são os seus verdadeiros chefes, e que gerir e limitar esse risco na gestão é essencial, que o endividamento excessivo é perigoso, que os instrumentos financeiros complexos são igualmente perigosos, que a especulação deve ser efectuada usando títulos estandardizados em mercados públicos, que o balanço patrimonial é um retrato da posição de uma empresa e não um brinquedo e, finalmente, que a perversa compensação de sistemas deve ser corrigida
É claro que o governo dos EUA deveria obedecer aos três primeiros mandamentos de Blinder e deveria de modo rigoroso regular os mercados financeiros. Ele deveria considerar Wall Street responsável pelas suas imprecisões e omissões no passado e deveria igualmente incentivar a um melhor comportamento no futuro. Mas Blinder não sublinha suficientemente quão difícil é que essa tarefa já se mostrou ser e, como há muito pouca vontade política para enfrentar Wall Street, para a regular, de facto. Alguns economistas assumem que este trabalho será mais fácil para as gerações futuras, até porque mesmo as pessoas que estão actualmente nos seus 20 anos nunca mais vão esquecer as orgias de fraude que foram cometidas sobre o crédito à habitação, sobre os valores mobiliários e sobre os mercados de derivados. Outros, entretanto, acham que a vontade política para controlar os excessos financeiros só continuará pura e simplesmente a diminuir. De acordo com este campo, Wall Street encontra facilmente forma de comprar as influências necessárias no Capitólio. Embora as empresas financeiras tenham um grande interesse colectivo em serem reguladas a longo prazo, os financeiros são demasiado estúpidos para serem capazes de o reconhecer – ou simplesmente esperam fazer o seu saque e, em seguida, dizer, “Depois de mim, o dilúvio”. Se este argumento é, sem dúvida, correcto, os EUA irão ter problemas terríveis.
Uma boa regulação sobre Wall Street vai depender de uma forma diferente na redistribuição, com o dinheiro a dominar bem menos a política do que até agora, como aconteceu com a regulação que foi praticada nos anos que se seguiram à II Grande Guerra gerando uma distribuição mais igualitária do rendimento. Mas como é que se pode hoje alcançar um tal tipo de redistribuição de rendimento? Após a II Guerra Mundial, os EUA empenharam-se e com muito sucesso em criar um sistema educacional em grande extensão que levou depois a que se tenha aumentado fortemente o número de aqueles que no mercado de trabalho se situam na gama alta de formação e concorrem assim para os empregos de altos salários, levando a que se reduza, todavia, a taxa de lucro a obter sobre a classe trabalhadora. Um renovado empenho na educação, juntamente com um sério endurecimento na progressividade do sistema fiscal dos EUA, poderia criar o tipo de políticos e de política que no Capitólio apoiaria o tipo de regulação financeira que 2008 mostrou à evidência ser desesperadamente necessária.
Os sete mandamentos seguintes de Blinder, dirigidos aos investidores, são menos úteis do que os três primeiros. Blinder tem razão em identificar os sistemas de compensação perversos como um grande problema. Eles assentam em incentivos financeiros que levam os operadores a correr grandes riscos na crença de que eles podem fazer uma matança e simultaneamente sair antes do crash, da explosão da bolha. A verdade é que existem 3 maneiras de ganhar dinheiro na finança e apenas uma delas é simples:
i) possuir melhor informação do que os outros participantes do mercado e usar essa informação para comprar na baixa e vender na alta: isto é praticamente impossível de ser feito de forma regular.
ii) fazer adequar os necessários riscos com os investidores para quem faz sentido assumir riscos extra: isso é muito difícil.
iii) a mais simples, é adequar os necessários riscos aos investidores quando estes não entendem o que realmente são esses riscos. Isto é especialmente fácil quando a informação nos mercados financeiros é escassa – quando os valores mobiliários são complexos, quando a negociação é feita à peça (fora das bolsas e, é secreta) e ainda quando os balanços não representam com precisão mínima que seja os resultados alcançados pelas respectivas empresas.
Tanto quanto continuam a existir os sistemas de compensação perversa para os executivos financeiros, os problemas financeiros dos EUA continuaram a ser quase, se não mesmo completamente, intratáveis, insolúveis. Reformar convenientemente tais sistemas iria corrigir muitos, se não todos, estes problemas. Num mundo ideal, os profissionais da finança ganhariam de forma similar aos outros profissionais – como os médicos, advogados, arquitectos e engenheiros – até perto da respectiva passagem à reforma, ponto esse em que eles poderiam ser amplamente recompensados se o seu trabalho fosse considerado excepcional e se os seus clientes se sentissem satisfeitos com os resultados obtidos com as transacções realizadas . Numa geração anterior, esta compensação era realizada através da sua ascensão até ao final da carreira para parcerias lucrativas em bancos de investimento privado. Hoje, os accionistas das sociedades financeiras poderiam impor um tal sistema de compensação, se assim o desejassem. Mas eles não estão organizados, e também não o desejam. Os financeiros, então, não têm nenhuma razão de fundo para obedecer a qualquer um dos mandamentos de Blinder, apenas o seu olhar sobre o interesse público lhes interessa.
Consciente que a sua prescrição pode não interessar e que desta forma uma outra calamidade poderia muito bem acontecer na economia, Blinder conclui o seu livro, sugerindo que os decisores sobre as políticas que são aplicadas devem agir durante a próxima crise: eles devem-se concentrar em impedir os riscos antes que eles se materializarem, devem comunicar as suas políticas de forma precisa e bem clara, e estarem seguros de que estão a distribuir a custos da crise de forma justa, e nunca prometerem que haverá menos sofrimento do que aquele que irá haver. (É difícil imaginar um maior desastre relativamente à compreensão do público quanto à credibilidade da administração Obama do que quando o Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, em Agosto de 2010 no New York Times dizia “Seja bem-vindo à retoma da Economia” – salvo, talvez, para a prematura visão do presidente Barack Obama dos “sinais de esperança”).
(continua)
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Para ler a segunda parte deste trabalho de Bradford DeLong, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
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