A SEGUNDA GRANDE DEPRESSÃO – PORQUE É QUE A CRISE É PIOR DO QUE PENSÁVAMOS, de J. BRADFORD DELONG – III

Selecção de Júlio Marques Mota. Tradução de Flávio Nunes.

J. Bradford DeLong

Julho de  2013

(CONTINUAÇÃO)

Um sistema quebrado

Tal como os legisladores dos EUA se agarram obstinadamente à aplicação de políticas erradas, o que é que  podem fazer os economistas? Num tal ambiente, os economistas não podem realisticamente esperar serem capazes de levar a que a  política assuma uma via correcta, adequada. Então no que é que estes devem ocupar o tempo? A conjuntura durante a grande depressão mais similar ao momento que atravessamos hoje no quadro da actual crise  ao ponto de hoje na crise atual, John Maynard Keynes distanciou-se da política para tentar reconstruir o pensamento macroeconómico partindo da própria realidade. Ao escrever A Teoria Geral, Keynes pretendia forçar os economistas do seu tempo a pensar de maneira diferente quando a crise disparou. Até 2009, tudo parecia como Keynes tinha escrito. Mas, hoje, é claro que a sua tarefa apenas estava metade concluida, se assim se pode dizer.  Os mesmos rituais encantatórios  que foram feitos  durante a década de 1930 – convocando a “fada de confiança”, através da magia de austeridade, para difundir  as bênçãos da prosperidade na economia — agora são recitados repetidamente e cada vez mais freneticamente. Isto é preocupante, e isto é o mínimo que se pode dizer.

Falando na London School of Economics, em Março, o economista Lawrence Summers, por um lado, apelou à  reconstrução do pensamento macroeconómico e, por outro, à reconstrução das instituições e à mudança de orientação do banco central. Mas não há nenhum economista vivo que seja  tão  inteligente, forte  ou  suficiente arrogante para tentar substituir Keynes e, Blinder  conscientemente assume  uma abordagem mais modesta. Ele enquadra as   suas recomendações para a reforma em  dez mandamentos: três deles dirigidos ao governo e os restantes sete  dirigidas aos investidores, aos financeiros. O primeiro conjunto exorta os decisores políticos a lembrar que o ciclo do lucro, especulação, exuberância, quebra repentina, falência, pânico e depressão tem sido uma característica constante das economias industriais  de mercado desde pelo menos 1825; que a auto-regulação levada a cabo pelos financeiros é um desastre; que  os financiadores deveriam ter incentivos muito fortes, para não  andarem de um lado para outro  até   defraudarem  o público. O segundo conjunto de mandamentos é  basicamente uma exortação aos financeiros. O segundo conjunto de mandamentos exorta os financeiros a  lembrar que os  seus accionistas são os seus verdadeiros chefes,  e que gerir  e limitar  esse risco na  gestão é  essencial, que o endividamento excessivo é perigoso, que os  instrumentos financeiros complexos são igualmente perigosos, que a especulação  deve ser efectuada usando títulos estandardizados  em mercados públicos, que o balanço patrimonial é um retrato da posição de uma empresa e não um brinquedo e, finalmente, que a perversa compensação de  sistemas deve ser corrigida

É claro que o governo dos EUA deveria obedecer aos três primeiros mandamentos de Blinder e deveria de modo rigoroso regular os mercados financeiros. Ele deveria considerar  Wall Street responsável pelas suas imprecisões e omissões no passado e deveria igualmente  incentivar a um  melhor comportamento no futuro. Mas Blinder não sublinha suficientemente quão difícil é que essa tarefa já se mostrou ser e, como há muito pouca vontade política para enfrentar Wall Street, para a regular, de facto.  Alguns economistas assumem que este trabalho será mais fácil para as gerações futuras, até porque mesmo as pessoas que estão actualmente nos seus 20 anos nunca mais vão esquecer as orgias de fraude que foram cometidas  sobre o crédito à habitação, sobre os  valores mobiliários e sobre os mercados de derivados.  Outros, entretanto, acham que a vontade política para controlar os excessos financeiros só continuará pura e simplesmente a  diminuir. De acordo com este campo, Wall Street encontra facilmente forma de  comprar as influências necessárias  no Capitólio. Embora as empresas financeiras tenham  um grande interesse colectivo em serem reguladas a  longo prazo, os financeiros são  demasiado estúpidos para serem capazes de o reconhecer  – ou simplesmente esperam fazer o seu saque  e, em seguida, dizer, “Depois de mim, o dilúvio”. Se este argumento é, sem dúvida, correcto, os EUA irão ter problemas terríveis.

Uma boa regulação sobre Wall Street vai depender de uma forma diferente na redistribuição, com o dinheiro a dominar bem menos a política do que até agora,  como aconteceu com a regulação que foi praticada  nos anos que se seguiram à II Grande Guerra gerando uma distribuição mais igualitária do rendimento. Mas como é que se  pode hoje alcançar um tal tipo de redistribuição de rendimento? Após a II Guerra Mundial, os EUA empenharam-se e com muito sucesso em  criar um sistema educacional em grande extensão  que levou depois a que se tenha aumentado fortemente  o número de aqueles que no mercado de trabalho se situam na gama alta de formação  e concorrem assim para os empregos de altos salários, levando  a que se reduza, todavia, a taxa de lucro a obter sobre a classe trabalhadora. Um renovado empenho na  educação, juntamente com um sério endurecimento na progressividade do sistema fiscal dos EUA, poderia criar o tipo de políticos e de política que no  Capitólio apoiaria o tipo de regulação  financeira que  2008 mostrou à evidência ser  desesperadamente necessária.

Os sete  mandamentos seguintes de Blinder, dirigidos aos investidores, são menos úteis do que os três primeiros. Blinder  tem razão em identificar  os sistemas de compensação perversos  como um grande problema. Eles assentam em incentivos financeiros que levam os operadores a correr grandes riscos na crença de que eles podem fazer uma matança e  simultaneamente  sair antes do  crash, da explosão da bolha. A verdade é que existem 3 maneiras de ganhar dinheiro na finança  e apenas uma delas é simples:

i)    possuir  melhor  informação  do que  os  outros participantes do mercado e usar essa informação para comprar na baixa e vender na  alta: isto é praticamente impossível de ser feito de forma regular.

ii)   fazer adequar  os necessários riscos com os investidores para quem faz sentido assumir riscos extra: isso é muito difícil.

iii)  a mais simples, é adequar  os necessários riscos aos investidores quando estes não entendem o que realmente são esses riscos. Isto é especialmente fácil quando a informação nos mercados financeiros é escassa – quando os valores mobiliários são complexos, quando a negociação é feita à peça (fora das bolsas e, é  secreta)  e ainda quando os  balanços não representam com precisão mínima que seja os resultados alcançados pelas respectivas empresas.

Tanto quanto  continuam a existir os  sistemas de compensação perversa para os executivos financeiros,  os problemas financeiros dos EUA continuaram a ser quase, se não mesmo completamente, intratáveis, insolúveis. Reformar  convenientemente tais sistemas iria corrigir muitos, se não todos, estes problemas. Num  mundo ideal, os  profissionais  da finança  ganhariam de forma similar  aos outros profissionais – como os médicos, advogados, arquitectos e engenheiros – até perto da respectiva passagem à reforma, ponto esse em que eles poderiam ser  amplamente recompensados se o seu  trabalho fosse considerado excepcional e se os seus clientes  se sentissem satisfeitos com os  resultados obtidos com as transacções realizadas . Numa geração anterior,   esta compensação era realizada através da sua  ascensão até ao final da carreira para parcerias lucrativas em bancos de investimento privado. Hoje, os accionistas das  sociedades financeiras poderiam impor um tal sistema de compensação, se assim o desejassem. Mas eles não estão organizados, e também não o desejam. Os financeiros, então, não têm nenhuma razão de fundo  para obedecer a qualquer um dos mandamentos de Blinder, apenas o seu olhar sobre  o interesse público lhes interessa.

Consciente que a sua prescrição pode não interessar e que desta forma uma  outra calamidade poderia muito bem acontecer na economia, Blinder conclui o seu livro, sugerindo que os decisores sobre as  políticas que são aplicadas  devem agir durante a próxima crise: eles devem-se concentrar em impedir os riscos  antes que eles se materializarem, devem comunicar  as  suas políticas de forma precisa e bem clara,  e estarem seguros de que estão a  distribuir a custos  da crise  de forma justa, e nunca prometerem  que haverá menos sofrimento  do que aquele que irá haver.  (É difícil imaginar um maior  desastre relativamente à  compreensão do público  quanto  à  credibilidade da administração Obama do que quando o Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, em Agosto de 2010  no  New York Times dizia “Seja bem-vindo à retoma da Economia” – salvo, talvez, para a prematura visão do presidente Barack Obama dos  “sinais de esperança”).

(continua)

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Para ler a segunda parte deste trabalho de Bradford DeLong, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2013/11/21/a-segunda-grande-depressao-porque-e-que-a-crise-e-pior-do-que-pensavamos-de-j-bradford-delong-ii/

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