CARTA DE VENEZA – 65 – “NILTON SANTOS, O BOTAFOGO E A SELEÇÃO BRASILEIRA” – por Sílvio Castro

Nilton Santos, unanimente considerado o maior lateral-esquerdo da história do futebol, atacado nos seus últimos cinco anos pelo morbo de Alzheimer,  morreu no próximo-passado 27 de novembro por insuficiência respiratória. Morreu no Rio de Janeiro e no bairro de Botafogo, o mesmo que hospeda o Botafogo F.R., o único clube da vida gloriosa do super-craque.

A presença de Nilton Santos enche de eventos e emoções também a minha juventude, eu que, como ele, fui e sou sempre um botafoguence. Recordo-me muito bem do início das nossas relações: foi em 1948, quando eu ainda não completara os meus dezessete anos. Torcedor inveterado do alvi-negro carioca, de certa forma eu muito sofria por minha paixão futebolística. Segundo os meus amigos, eu torcia por um clube que nunca chegava a ser campeão, isto porque desde 1931, justamente o ano de meu nascimento, o Botafogo não conquistava o título de campeão carioca de futebol.

O campeonato de 1948 começou com uma derrota a mais, como que confirmando o vaticínio maldoso dos meus amigos. Naquele  primeiro domingo do campeonato eu me preparei para continuar a sofrer. Porém, assistindo a essa primeira partida, me ficara impressa a figura particular do novo lateral-esquerdo do meu time. Era Nilton Santos que, desde então, me impresionara pela classe que demonstava em campo, tanto quando defendia, quanto nas poucas vezes que podia chegar ao fundo do campo adversário e dalí cruzar para os seus companheiros atacantes. Era algo de novo, eu pressentia, mesmo no dia de mais uma derrota.         Depois, o Botafogo não perdeu mais pelo desenrolar de todo o certame. No final de tudo: Botafogo F.R., campeão carioca de 1948. Nilton Santos vencia assim o primeiro dos seus 4 títulos de campeão do Rio de Janeiro: 1948, 1957, 1961 e 1962, todos eles com a camisa alvi-negra do Glorioso. Em todos esses anos de vitórias, eu acompanhei e vibrei sempre com a grande categoria de jogador do maior lateral-esquerdo do mundo.

Pensando à estréia sensacional de Nilton Santos em 1948, à sua vitoriosa campanha no Campeonato Sudamericano de Futebol do imediato depois 1949 e a tantas outras coinquistas do jovem craque, me vem de lastimar a falta de visão de um bom técnico como Flávio Costa que, na Copa Rimet, de 1950, ainda que tenha convocado o campeão do Botafogo, preferiu colocar como lateral-esquerdo titular o medíocre Bigode, o mesmo que se deixou envolver infantilmente pelas malícias de Guiggia no desenrolar da ação que levou o Uruguai a fazer-se campeão do mundo. Penso: se ali estivesse a classe de Nilton Santos, o empate que dava o título ao Brasil não teria sido mantido?

Tanto que, a partir de então, a evolução tática conquistada e afirmada pela Seleção desde o campeonato de 1954, até o bi-campeonato de 1962, com a passagem legendária de 1958, na Suécia, grande parte da grande história está ligada à figura ímpar do craque que veio da Ilha do Governador para o bairro chique da zona  sul do Rio. O mesmo atleta que, com o meu colega de Colégio São José, Zagalo, mostra na ação tática do novo Brasil, em 1958, um soberbo lado esquerdo de toda uma esquadra harmoniosa. O mesmo que, vendo jogar com as suas pernas tortas alguém chamado Garrincha, consegue convencer a dirigência de seu clube a contratá-lo, ainda que  jamais conseguindo fazer com que o novo ídolo deixasse as alturas das colinas de Pau Grande e o barulho incessante de suas sete filhas…

Nilton Santos cessou as suas atividades de jogador, sempre do Botafogo, em 1964. Mas jamais caiu da admiração que a sua classe de mestre do  futebol sempre inspirara a não só  milhões de brasileiros, mas igualmente a tantos outros milhões de torcedores do grande futebol espalhados pelo mundo.

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