“Vibratio” Contos de Catarina Pereira: Nasce uma escritora – por Rachel Gutiérrez

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Na edição das 9 horas da rubrica Um Café na Internet, apresentaremos amanhã Bom dia, Copacabana,  um conto de uma nova argonauta, Catarina Pereira. Rachel Gutiérrez escreveu sobre Vibratio, o livro de onde foram extraídos, não só este, mas os contos que, desta autora, vamos publicar uma recensão crítica que nos parece constituir uma excelente chave para abrir a porta que dá entrada para o universo ficcional de Catarina Pereira.   Imagem1

Vibratio é uma coletânea de contos secos, enxutos, que atingem a rara naturalidade de uma arte bem lograda. É o livro de estréia de Catarina Pereira, que também se responsabiliza pelo projeto gráfico, pela editoração e pela bela capa com uma xilogravura de Horácio Soares. A escritora, gaúcha que reside há várias décadas no Rio, vem de outra área, a da medicina, onde exerce a profissão de patologista, o que certamente contribui para enriquecer sua linguagem de clareza, acuidade e precisão. É essa linguagem ousada e franca, bastante crua mas jamais escatológica e seu ritmo envolvente, aliciante como um feitiço que fazem de Catarina Pereira uma autêntica escritora. Além do ritmo e das frases curtas que caracterizam a escrita da contista, seu poder de síntese interrompe ou desvia a narrativa no momento exato em que se faz necessária uma elipse, um fading out de cinema. “Escrever é cortar palavras”, disse Drummond, e Colette, cuja escrita Julia Kristeva define como “a carne do mundo”, afirmava que escrever é não dizer tudo.    Quase sempre em primeira pessoa, as protagonistas dos contos de Vibratio narram suas experiências e aventuras e parecem cumprir o que Kristeva também chamou de “a promessa libertária” de Colette. Autônomas, emancipadas, transgressoras, assumem sem culpa o próprio desejo, tudo ousam, nada temem. São mulheres contemporâneas, parentes próximas das últimas heroínas de Woody Allen, que ao invés de considerarmos pós-feministas, poderíamos dizer que representam a práxis madura do feminismo.    O livro é dividido em três partes e percorre várias etapas no caminho da vida, desde as venturas e desventuras da menina púbere, de Perfume de Jasmim e de Louça suja, às dificuldades da mãe sexagenária liberada e lúcida, que não consegue aceitar uma nova nora “igual às anteriores”, com seus “cabelos passados a ferro, dentes alvíssimos (…), peitos fartos (silicone até o gargalo), lipoescultura” etc. de O beijo partido.  Em Universos paralelos, a mulher não hesita em recorrer a um ardil perigoso para livrar-se de um possível marido que ela prefere como amante. Em Um piscar de olhos, em Simples assim e em Meu avô de macacão, a aventura sexual é vivida com sôfrega leveza. Em Test drive, uma jovem totalmente avessa à maternidade e ao casamento, se surpreende estranhamente erotizada pelo contato com seu sobrinho recém-nascido.       Cada uma das três partes de Vibratio descreve, com maior ou menor contundência, as vicissitudes da infância e da puberdade, passa pelas pequenas mazelas do cotidiano e pelos conflitos e dramas da idade adulta para desembocar na ora trágica ora ridícula decadência da velhice. Tudo isso iluminado por um irresistível senso de humor. “Impossível é escapar das armadilhas do livre-arbítrio”, diz a narradora de Um piscar de olhos.

Um sarcasmo salutar e uma divertida ironia perpassam a excelência dos 19 contos do livro, onde, sem ação violenta, como em Jogo dos sete erros, até um assassinato pode se tornar plausível. Mas é no conto Bom Dia, Copacabana, a peripécia de uma octogenária com os primeiros sintomas de alzheimer que Catarina Pereira se revela terna, comovida e comovente. Nasce uma escritora.

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