Saias
Letra e música: Popular (Sousel, Alto Alentejo)
Recolha: José Alberto Sardinha
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos* (in LP “Ronda dos Quatro Caminhos”, Rádio Triunfo, 1984, reed. Movieplay, 1997)
[instrumental]
– Eu gosto da pêra doce,
Ai, gosto dela bem madura;
Eu gosto de dançar Saias
Ai, c’um rapaz da minha altura.
Os olhos do meu amor
Ai, são grãozinhos de pimenta;
Namorei-os na igreja,
Ai, ao tomar a água benta.
– Da laranja quero um gomo,
Ai, do limão quero um pedaço;
Dos teus lábios quero um beijo,
Ai, do teu amor um abraço.
Os olhos do meu amor
Ai, são duas continhas pretas;
Colhidinhas ao luar,
Ai, num jardim de violetas.
[instrumental]
* Instrumentos: duas violas, guitarra portuguesa, duas violas braguesas, bandolim, ocarina, assobio, concertina, castanholas e pinhas
Nota: «Dança principalmente característica das gentes do Alto Alentejo, as Saias constituem um dos géneros musicais tradicionais mais amplamente divulgados nos últimos tempos; não obstante, dada a singular graciosidade, resolvemos incluir esta antiga e interessante moda de Saias, outrora bailada ou por vezes apenas cantada no decurso de trabalhos agrícolas.
As quadras ou pontos assumem, aqui, um carácter de completa mobilidade, fenómeno aliás comum a grande parte da nossa canção tradicional. No caso presente, a alternância entre os cantadores solistas e o coro contribui altamente para acentuar a vivacidade própria da dança, que realçámos empregando enquadramentos musicais diferentes.» (Vítor Reino / Ronda dos Quatro Caminhos)
Romance da Mineta
Letra e música: Popular (Vinhais, Trás-os-Montes)
Recolha: José Alberto Sardinha
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos* (in LP “Ronda dos Quatro Caminhos”, Rádio Triunfo, 1984, reed. Movieplay, 1997)
[coro / instrumental]
– Levanta-te, Mineta,
Do doce dormir,
Está um pobre à porta
De lindo pedir!
Dá-lhe do teu pão
E dá-lhe do teu vinho!
Levanta-te, Mineta,
Ensina-lhe o caminho!
– A jornada é longa,
Estou farta de andar!
Já espiei a roca,
Quero-me voltar.
– Cala-te, Mineta,
Cala-te, mi vida!
Esconde-te, Mineta,
Na minha capinha.
– Eu nunca vi cego
Com tal fantesia,
Com espada ao lado
E fita fingida.
– Cala-te, Mineta,
Cala-te, mi vida!
Que eu sou dos condes
Que tu pretendias.
[instrumental / coro]
* Instrumentos: duas violas braguesas, flauta, duas ponteiras, guitarra portuguesa, chocalhos, caixas com sementes, pandeiro, pandeireta e dois bombos
Nota: «Eis um curioso exemplo de romance novelesco, mais ou menos conhecido por todo o território português, sob designações diversas e assentando em melodias absolutamente distintas. O assunto remete-nos de imediato para os tempos recuados da Idade Média, centrando-se num episódio um tanto equívoco (de trama e desenvolvimento variáveis consoante as versões), em que um cavaleiro de superior hierarquia logra apoderar-se da donzela pretendida, envergando à laia de disfarce os trajos de cego mendigo. A linha fundamental do enredo parece ser paralela à de velhas baladas escocesas, o que nos traz à memória a hipótese da sua transmissão oral por antigos mareantes, agentes incógnitos de influências culturais insuspeitadas.
O clima tão notoriamente medievo inspirou-nos um arranjo musical muito específico e diversificado, onde o fragmento inicial de canto polifónico masculino dá lugar a um breve prelúdio instrumental evocador de velhos músicos ambulantes, culminando o romance com a súbita irrupção de um coral amplo e vibrante, susceptível de filiação em temas tradicionais de toda a Europa, principalmente associados aos homens do mar. Recorrendo a um processo de afinação especial e a uma técnica de execução particular das violas braguesas, pretendemos ir ao encontro da sonoridade esquecida de instrumentos hoje praticamente extintos, mas sem dúvida de utilização comum na época a que o romance se reporta. A ponteira transmite-nos longínquas vibrações transmontanas e contribui decisivamente para o sugestivo efeito de conjunto.» (Vítor Reino / Ronda dos Quatro Caminhos)