Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos* (in LP “Cantigas do Sete-Estrelo”, Rádio Triunfo, 1985, reed. Movieplay, 1997)
[instrumental]
Sua Alteza a quem Deus guarde
Aviso mandou ao mar;
Que se aparelhasse o conde
P’ra o outro dia largar.
O conde se aparelhou,
Na sanha de pelejar!
Para navegar em cheio
Manda as velas desfraldar.
«Adeus, marinheiros velhos,
Adeus, que vamos largar!
Com as velas desfraldadas,
Vamos na volta do mar.»
Três anos e mais um dia
Era a nau a navegar…
Avistaram grande armada
Que cobria todo o mar!
Dentro dela vem um turco,
Pelas barbas a jurar,
Que o nobre conde almirante
Ele há-de vir degolar!
O conde que tal ouvira,
Ali se pôs a gritar…
Afirmando que à moirama
Jamais iria parar!
Palavras não eram ditas,
E as balas de par a par!…
Umas naus já trebucavam,
Outras iam a escapar.
Ganhara o conde a batalha,
Não mais havia a ganhar.
Tocam-se logo os apitos,
Tudo corre a manobrar!
– Arriba, mestre piloto,
Àquela gávea real!
Vê se m’avistas a terra
Do reino de Portugal.
– Já vejo rios a correr,
Lavadeiras a lavar…
Vejo muito forno aceso,
Padeiras a padejar!
Também vejo taberneiras
Da pipa vinho a tirar…
Se não nos faltar o vento
À terra vamos jantar!
[instrumental]
* Instrumentos: duas violas, duas violas braguesas, quatro cavaquinhos, violino, flauta, concertina, dois bombos, pandeireta e palmas
Nota: «Da bruma dos séculos passados ficaram os romances, a par dos contos tradicionais, como vivos testemunhos de outras eras, impondo-se talvez pelo profundo significado humano e pelo carácter universal da mensagem que deles transparece. E, durante longos serões, têm servido à maravilha para entreter as horas, prendendo os ouvidos ao fio sinuoso do seu enredo.
É este um romance de assunto marítimo e guerreiro, que nos remete para a época dos Descobrimentos e da consolidação do comércio com o Oriente. Ultrapassando o mero episódio que lhe deu origem, depurou-se e cristalizou-se na memória do povo, que o guardou como eco de antigos feitos. Concebemos para ele uma música simples, incisiva e directa, tal como entendemos o sentido fundamental da narrativa.» (Vítor Reino / Ronda dos Quatro Caminhos)
Pezinho
Letra e música: Popular (Açores)
Recolha: Artur Santos
Intérprete: Ronda dos Quatro Caminhos* (in LP “Cantigas do Sete-Estrelo”, Rádio Triunfo, 1985, reed. Movieplay, 1997)
[instrumental]
[Mulher:]
Já o céu não tem estrelas
Senão três em um cantinho…
Onde o meu amor passeia,
Que não tem outro caminho.
Risca e dá-me o teu pezinho,
Devagar, devagarinho,
Nasce água, arrebentam bredos;
Onde estarás tu agora,
Caixinha dos meus segredos?…
[instrumental]
[Homem:]
Quem me dera ser as contas
Desse teu lindo colar…
Para dormir no teu seio
E nunca mais acordar!
Risca e dá-me o teu pezinho,
Tuas mãos são lindas flores,
Teus braços cadeias d’oiro
Laços de prender amores.
[Ambos:]
Risca e dá-me o teu pezinho,
Devagar, devagarinho,
Dois ausentes que farão?…
Tu (eu) ausente de uma rosa,
Eu (tu) ausente de um botão!
* Instrumentos: duas violas, guitarra portuguesa, viola braguesa, violino e bandolim
Nota: «Quem quiser conhecer a expressão mais fina e delicada do sentimento amoroso procure-a entre os versos que o povo canta, e encontrá-la-á decerto! Quem pretender escutar a pulsação profunda do coração enamorado ouça os velhos tocadores e cantadores da região açoriana, e achará na doçura plangente das cordas dedilhadas e na suavidade quase melancólica do canto a expressão mais pura e verdadeira da mais viva sensibilidade de e lirismo…
E não falta o timbre peculiar do violino a enriquecer este belo Pezinho, género tão representativo do folclore dos Açores.» (Vítor Reino / Ronda dos Quatro Caminhos)