OS ESTUDANTES DE ECONOMIA NECESSITAM DE APRENDER MAIS DO QUE A TEORIA NEOCLÁSSICA – por ZACH WARD-PERKINS e JOE EARLE

Tradução de Fernando Nogueira da Costa

Selecção de Júlio Marques Mota

Economics students need to be taught more than neoclassical theory

University syllabuses for economics are stuck on an outdated model. There are other schools of thought worth learning about

Zach Ward-Perkins and Joe Earle

The Guardian.com, Monday 28 October 2013 08.00 GMT

Será que as pessoas leigas acham a maneira como os estudantes de economia são ensinados uma questão política importante? Provavelmente não, mas a forma como os estudantes de Economia são educados tem implicações muito mais amplas para a sociedade do que é comumente imaginado.

Anualmente, milhares de formandos em Economia obtêm empregos no mercado financeiro, nos think tanks e dentro do próprio governo. A Economia é assunto altamente técnico e muitas vezes expresso via Matemática. Isso coloca  os economistas numa uma posição de especialização a partir da qual medeiam a análise económica para o público britânico. Eles são os guardiões de nossa economia, responsáveis ​​pela sua manutenção, e desempenham um papel importante na formação de narrativas políticas em torno da economia. No entanto, as universidades britânicas estão a  produzir  graduados em Economia que não são adequados para estas  finalidades.

A crise financeira representa o fracasso final deste sistema de ensino e da disciplina académica como um todo. A educação de Economia é dominada pela Economia Neoclássica, que tenta compreender a economia por meio de modelagem de agentes individuais. As empresas, os consumidores e os políticos enfrentam escolhas claras em condições de escassez, e devem afectar  esses seus recursos escassos a fim de satisfazer as suas preferências. Os diferentes agentes encontram-se através de um mercado, daí  as fórmulas matemáticas, que caracterizam os seus comportamentos, interagem para produzir um “equilíbrio”. A teoria enfatiza a necessidade de micro-fundamentos, que é um termo técnico para basear o seu modelo de toda a economia na extrapolação do comportamento individual.

Os economistas que usam esta teoria económica convencional não conseguiram prever a crise, falhando de forma espectacular. Até mesmo a rainha da Inglaterra cobrou dos professores da LSE: “porque é que ninguém a viu aparecer?!” Agora, cinco anos depois de um resgate bancário que custou centenas de milhares de milhões de dólares, com o desemprego a chegar aos  2,7 milhões de desempregados  e a verificar-se uma  brutal queda dos salários, mesmo assim os currículos de Economia permanecem inalterados!

The Post-Crash Economics Society é um grupo de estudantes de Economia criado na Universidade de Manchester. Eles acreditam que a teoria económica neoclássica já não deve ter o monopólio dentro dos nossos cursos de Economia. Associações do mesmo tipo em Cambridge, UCL e LSE têm sido fundadas para destacar questões semelhantes – e esperamos que isso vai se espalhar para outras universidades também. No momento, um estudante  a de licenciatura, de pós-licenciatura,  ou até mesmo um economista profissional, todos poderiam facilmente passar por toda a sua carreira sem saber nada de substancial sobre as outras escolas de pensamento como a Marxista, a Evolucionista, a Economia Pós-keynesiana, Austríaca, Institucionalistas, o saber dos economistas ecológicos ou das feministas. Tais escolas de pensamento são simplesmente consideradas inferiores ou irrelevantes para o desenvolvimento da verdadeira “Ciência” Económica.

“Somos ensinados a memorizar e regurgitar as teorias económicas neoclássicas e os seus modelos. Os nossos professores, os nossos trabalhos, consistem simplesmente em ensinar ou copiar problemas alheios à realidade e a discussão crítica é inexistente. Estudámos os programas das nossas disciplinas e descobrimos que apenas 11 foram excepções das 48  disciplinas que nem sequer mencionaram as palavras ‘crítica’, ‘avaliar’ ou ‘comparar‘ nas suas apresentações de programas. Dezoito dos nossos 50  módulos possuem 50% ou mais das suas notas atribuídas por exame de múltipla escolha e em nove deles é mais do que 90%. Isto, combinado com o facto de que os alunos de Economia não têm a opção de fazer uma dissertação ou monografia, significa que muitos aceitam a única Economia ensinada como sendo a verdade absoluta, ao invés de ser uma teoria criticada, contestada.”

Quando se levantam estas questões com os professores de Economia, muitos deles argumentam que “a economia ortodoxa é dominante porque é academicamente superior”. O manifesto continua: “No nosso primeiro evento, o nosso velho chefe do Departamento de Economia sugeriu que muitas dessas outras escolas de pensamento foram refutadas da mesma forma que o medicamento com tabaco não foi aceito como uma prescrição médica adicional”…

Manchester costumava ter um Departamentos de Economia dos mais pluralistas do país. Isso reflectia-se num programa de ensino  mais amplo, com disciplinas como a de Sistemas Económicos Comparados disponível para os alunos. Um dos principais guias orientadores da  “limpeza étnica”, feita nos  Departamentos de Economia passarem é, como no-lo disse  um professor de Manchester, o Research Excellence Framework [espécie de Qualis], que passou a ser o critério pelo qual o governo afecta  fundos para a investigação  e para as bolsas nas  universidades. Em cada quatro anos, um grupo dos principais professores universitários avalia as revistas de Economia numa escala  de 0 a 4  estrelas em função da suposta “qualidade académica”. O problema é que nesse grupo, neste comité de avaliação,  não há nenhum economista reconhecidamente do não-mainstream  e a classificação é feita “à  portas fechada” com apenas os resultados institucionais publicados. Devido a isso, as revistas com os rankings mais elevados são todas neoclássicas e, consequentemente, as universidades devem contratar académicos que subscrevem esta escola de pensamento para ter possibilidade de receberem  bolsas de estudos para os seus alunos.

Apesar deste domínio intelectual, os poucos que previram a crise financeira foram os economistas de origens não-tradicionais. Isso mostra claramente que as linhas de pensamento alternativas têm muito a contribuir para as disciplinas de Economia. A Economia Neoclássica é o mainstream; assim é vital para a os alunos de Economia compreendê-la [e saber criticá-la], e há razões para se compreender como é que esta teoria se torna tão atraente para tantas grandes mentes. Embora nas últimas décadas, e muito frequentemente, tenha sido basicamente usada para defender o livre mercado, ela pode ser também utilizada para defender uma  economia socialista, e na verdade assim  foi durante a década dos anos de 1930. Por isso, não nos devemos necessariamente restringir a um único ponto de vista político. No entanto, o pensamento dominante não compreende a totalidade da economia – e nem deve tentar… Não se está a falar acerca da ideologia, está-se a falar  sobre a melhoria do ensino em  Economia!

Propomos que a teoria neoclássica deva ser ensinada em paralelo e em conjunto com uma ampla variedade de outras escolas de pensamento, de forma consistente, ao longo do curso de licenciatura. Desta forma, a disciplina será aberta à discussão e à avaliação crítica. Até que ponto as diferentes escolas explicam bem os fenómenos macroeconómicos? Quais os pressupostos que devemos adoptar na construção dos  nossos modelos? Devemos acreditar que os mercados são inerentemente auto-regulados ou não? Ou  será que há uma outra escola de pensamento a explicar melhor a realidade? Quando os economistas forem ensinados a pensar assim, de forma pluralista, toda a sociedade irá  ganhar com isso, com o  saber mais amplo dos economistas – e, contrariamente ao que aconteceu agora, ser-se-á capaz de se antecipar a próxima crise quando esta se aproximar. O pluralismo crítico abre amplas possibilidades à imaginação criadora.

O actual estado de coisas não é suficientemente bom. Os nossos colegas dizem- nos que eles ficam embaraçados quando as suas famílias e os seus amigos lhes pedem  para explicar as causas da crise actual e eles não  o conseguem fazer! A um dos nossos professores foi dito que “ele deveria seguir a agenda de investigação dominante ou então transferir-se para a Escola de Negócios [Administração de Empresas] ou para o Departamento de Política”! A outro foi dito que “se ele ficasse no Departamento, seria ‘deixado ficar a secar na videira’”. Esta situação reflecte-se nos Departamentos de Economia em todo o país – é um problema nacional. A Economia académica pode (e deve) ser melhor do que isso, e é por isso que estamos a clamar por mudança!

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