PARTINDO DE “CENAS DE LUTAS DE CLASSES” ATÉ À CONSICENCIALIZAÇÃO DOS JOVENS E NECESSIDADE DE NOVAS FORMAS DE INTERVENÇÃO por clara castilho

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O que fazem um grupo de jovens da Parede que se autointitulam  “Associação Cultura no Mundo”, um investigador do Centro de Estudos Sociais, Isabel do Carmo e Carlos Antunes, à volta de um filme de Robert Kramer, de 1977  – “Cenas de Lutas de Classes em Portugal”?  E a acrescentar, uma audiência diversificada em idades, mas talvez unida, sobretudo, em inquietações, dúvidas e uma vontade de fazer mais qualquer coisa para além do que já fazem.

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Pois, foi uma noite bem interessante. Rever o nosso país nos anos de 1974 a 76 mexe com quem os viveu de uma forma activa e consciente. Para além da saudade que senti, não pude deixar de fazer comparações, reagindo ao visual da extrema pobreza de então e a diferença que se verificou em Portugal.

A Associação Cultura no Muro partiu de reuniões de um grupo de amigos motivados pelos eventos da ocupação da praça do Rossio em 2011. E partilhavam da urgência de criar fóruns alternativos de consciencialização cívica e outros canais de expressão individual e cultural – e de resistir ao empobrecimento das suas vidas despoletado pelas políticas actualmente vigentes. E avançaram enquanto associação cultural em 2012 na sequência de uma proposta de orçamento participativo pela abertura de um centro cultural aberto à noite na Parede  (http://culturanomuro.pt/).

Não sei bem como chegaram ao filme do Kramer, mas o certo é que, contactados os seus representantes nos EUA, conseguiram uma cópia do filme em melhores condições de outra existente em Portugal. E, cumprindo os seus objectivos, organizaram a sessão de dia 9 de Janeiro. Para comentar o filme convidaram o investigador Miguel Cardina, do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, onde co-coordena o Núcleo de Humanidades, Migrações e Estudos para a Paz, e investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, interessando-se sobretudo na abordagem dos radicalismos políticos durante as décadas de 1960 e 1970, na análise das dinâmicas entre história e memória e na reflexão sobre os usos e as particularidades da História Oral. E a presença de Isabel do Carmo e Carlos Antunes justificava-se por terem sido eles a “abrir as portas” a Robert Kramer na sua estadia em Portugal, que cá chegou pela mão do cineasta Ernesto de Sousa.

A obra de Kramer é quase que inteiramente realizada em 16mm e em vídeo, o que na época era extremamente inovador.  O professor da Universidade de Buenos Aires, Jorge La Perla considera que “a maneira como Kramer coloca em ação/ficção um cinema aparentemente militante, que se distancia das concepções dogmáticas, de toda a imposição sobre o que deveria ser um certo cinema político, é magistral”.

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Sobre a Revolução de Abril de 74 não precisamos de falar, nem dos acontecimentos que todos lembramos. Sobre o realizador do filme, digamos que viveu entre 1939 4 1999, foi cineasta, realizador, actor, tendo dirigido 19 filmes. Depois de ter abordado o tema das consequências humanas da guerra do Vietname naqueles que travaram essa guerra, veio a Portugal tentar perceber um povo que faz uma revolução sem sangue e, simultaneamente, tentar perceber-se melhor a si próprio (nas palavras de Carlos Antunes). Vários dos seus filmes podem ser encontrados na internet.

Miguel Cardina realçou a importância que Kramer deu às mulheres no filme. Uma mulher, cuja fisionomia hoje dificilmente encontraríamos, de seu nome Maria, é quase que como “seguida” pela câmara ao longo de vários acontecimentos durante o filme. Vemos o seu entusiasmo para acabarmos por ver a sua desilusão. Desilusão que foi a dela e a de nós. Maria somos todos nós.

Chamou também a atenção para o relevo que Kramer deu – e bem – à guerra colonial, às posições dos Partidos Socialista e Comunista que muito contribuíram para a mudança de rumo na situação política. E Kramer toma partido, sim. Não por um partido, mas pelas classes mais desfavorecidas que tiveram a esperança de poderem ter voz, de poderem defender os seus direitos, de poderem sonhar com uma vida melhor.

E no fim conversámos. Inevitavelmente. Uns admitiram erros, e que com os erros se aprende. Outros falaram da actual crise de valores e económica. Outros que não são precisos partidos para se ser politicamente activo. Outros da necessidade de ripostar e reagir contra a forma implacável com os mais fracos estão a ser tratados. Outros que agindo na comunidade, dando “empowerment” aos seus agentes, se está a intervir civicamente e, logo, politicamente. Outros das novas formas de organização que estão a surgir – na convocação de manifestações, nas associações não partidárias e activas…

E acabou-se por se falar do desemprego dos mais novos, dos que emigram, dos que ficam dependentes dos pais, dos que se calculam que nunca irão ter emprego. E aqui, a “responsabilidade” da reação a fazer a esta situação foi como que passada a esta nova geração. Eles reconhecem que não pensam como nós, não se organizam como nós nos organizávamos, que têm outras frentes de luta. Também andam à procura…Continuando a conversar, talvez descubramos outras alternativas, outras vias. Uns serão como velhas raposas matreiras, outros terão a força da juventude que arrasta a esperança de não verem as suas vidas aniquiladas. Como se ouve repetidamente no filme: “Unidos venceremos”. Não sei, mas desunidos é que certamente não iremos a lado nenhum. Ou por outra, iremos ao fundo. Como realçou uma interveniente, a bandeira içada no cimo de um poste, que aparece repetidamente no filme, foi lá posta por alguém. Alguém com força para lá subir. E um alguém cujo rosto não se vê e, logo, representa qualquer cidadão. Eu, tu, ele, nós, vós, eles….

(Para quem se interessar pelos filmes de Kramer do ponto de vista de técnica, encontra um artigo de Jorge La Ferla em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202011000100003)

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