PENSAR DIFERENTE, IMPACTOS HUMANITÁRIOS DA CRISE ECONÓMICA NA EUROPA – UM RELATÓRIO DA CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL E DO CRESCENTE VERMELHO (EXCERTOS).

Selecção, tradução, organização e introdução por Júlio Marques Mota

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Pensar diferente, impactos humanitários da crise económica na Europa

Um relatório da Cruz Vermelha Internacional e do Crescente Vermelho (excertos)

PARTE XV
(CONTINUAÇÃO)

Desemprego jovem: os dados

cruz vermelha XIIcruz vermelha XIII 

Bélgica: a contarem euro a euro

“Nunca imaginamos que teríamos de pedir ajuda para sobreviver,” diz Sigrid, de 30 ano de idade, de Charleroi, na Bélgica central.

“O meu marido trabalhou como pedreiro, e eu andava a trabalhar demais. Juntos, nós ganhávamos mais de 5.000 euros por mês. Depois perdemos um filho e caímos em depressão; não pudemos trabalhar durante algum tempo. O meu marido perdeu o emprego e o salário de três meses é o que lhe deve o seu patrão já daquela época – tudo isso aconteceu no decorrer de apenas duas semanas. Quase que do dia para a noite encontrámo-nos sem nada, literalmente sem nada durante a noite nos encontramos sem dinheiro, nada. A dívida acumulou-se e rapidamente alcançou mais de 9.000 euros com o nosso carro comprado por empréstimo e com a hipoteca.”

Sigrid e seu marido tinham comprado uma casa, que eles estavam a renovar eles-mesmos. Depois foi nomeado um mediador de dívida para os ajudar , a casa teve de ser vendida em leilão e agora vivem numa habitação social, com os seus dois filhos pequenos. A assistente social referenciou-os para irem a uma das 24 mercearias sociais dirigidas pela Cruz Vermelha belga onde trabalham os voluntários para aí poderem comprar comida e outras necessidades a preços reduzidos.

“Temos o direito de comprar 44 euros em produtos todos os meses. Pode não parecer muito, mas permite-me fazer com que chegue até ao fim do mês e poder comprar leite, fraldas e outras coisas que são caras se pagas ao preço integral. Hoje vivemos o dia-a-dia, contando euro a euro e sempre com medo que um dos nossos filhos possa ficar doente…” Sigrid e a sua família concordaram em contar a sua história e participarem na campanha anual de angariação de fundos “La Quinzaine” onde a Cruz Vermelha belga recolhe dinheiro nas ruas durante um período de duas semanas. Algum do dinheiro arrecadado vai para as compras sociais. Outros fundos irão apoiar os 80 centros da Cuz Vermelha que agora fornecem alimentos para mais de 24.000 pessoas na Bélgica.

“As pessoas que são afectadas são-nos indicadas pelas autoridades, mas há cada vez mais pessoas desempregadas ou aposentadas, bem como estudantes que não conseguem – especialmente com o alto custo da energia – a virem directamente até nós para nos pedir ajuda. Nós também somos contactados por mães solteiras, por mulheres que têm trabalho mas que não ganham o suficiente para pagar a comida nem para os outros custos e relativamente ao mês inteiro,” diz-nos Nancy Ferroni da Cruz Vermelha belga.

A lidar com a crise, a Islândia: a mudar para a situação de desastre

No sombrio Outono de 2008 o povo da Islândia foi traumatizado praticamente com a economia do país a afundar-se da noite para o dia . No espaço de apenas poucos dias, os três maiores comerciais bancos da Islândia caíram e foram à falência. A bolha que parecia poder expandir-se continuamente e sem fim, essa, simplesmente rebentou nesse sombrio Outono.

O sistema de pagamentos do país estava à beira do colapso. Uma população acostumada a um crédito fácil fosse para o que fosse, desde a aquisição de bens alimentares a carros de luxo, enfrentou a ameaça muito real de ser incapaz de poder utilizar os seu cartões de plástico para qualquer coisa, até mesmo para se abastecerem de curtas somas em dinheiro nas caixas ATM.

A dívida externa da Islândia na época era de 50 mil milhões de euros – para uma população de apenas 315.000 habitantes. Mais de 80 por cento da dívida foi provocada pelo sector bancário e estava nas suas mãos. Em comparação, o produto interno bruto da Islândia em 2007 foi de 8,5 mil milhões de euros.

Em 6 de Outubro de 2008, o Parlamento da Islândia apressou-se através da legislação de emergência, a dar plenos poderes ao governo, facto sem precedentes, sobre os bancos e sobre o funcionamento da economia.

Na noite de 8 de Outubro, o Banco Central da Islândia deixou de segurar o valor da coroa islandesa. A Krona afundou-se imediatamente como uma pedra de grande densidade na água e as transacções sobre esta moeda foram praticamente interrompida. Na manhã seguinte muitos islandeses influentes, endividados com empréstimos em moeda estrangeira, acordaram pobres e bastante confusos com o que lhes tinha acontecido.

“Percebemos depois, mas muito rapidamente, que, em vez de algo semelhante a um colapso financeiro, nós estávamos perante um desastre em grande escala e de proporções históricas, afectando toda a população. Devido a isso, nós, na Cruz Vermelha Islandesa, mudámos imediatamente para o modo de ventos fortes provocados por uma verdadeira catástrofe, diz Sólveig Ólafsdóttir, responsável na direcção de comunicação da Cruz Vermelha Islandesa.

“A nossa linha telefónica aberta durante 24 horas na Cruz Vermelha, 1717, estava sempre com o sinal vermelho de chamadas em linha, chamadas de gente que provavelmente nunca na sua imaginação mais primitiva alguma vez pensara que teria de telefonar a pedir ajuda. . O número de chamadas rapidamente disparou e assim permaneceu aproximadamente dois anos,” diz-nos.

A Cruz Vermelha islandesa empreendeu diversos novos programas para responder também aos novos grupos de pessoas afectadas, especialmente aqueles que da noite para o dia se encontravam na situação de desempregados. As pessoas que passaram a debater-se contra uma situação de ruina financeira e os indivíduos que vivem à luz do dia num verdadeiro pesadelo bloqueados por uma enorme e profunda ansiedade foram igualmente incluídos no nosso sistema de ajuda.

(continua)

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Para ler a parte XIV deste trabalho, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá:

PENSAR DIFERENTE, IMPACTOS HUMANITÁRIOS DA CRISE ECONÓMICA NA EUROPA – UM RELATÓRIO DA CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL E DO CRESCENTE VERMELHO (EXCERTOS).

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