Selecção, tradução, organização e introdução por Júlio Marques Mota
Pensar diferente, impactos humanitários da crise económica na Europa
Um relatório da Cruz Vermelha Internacional e do Crescente Vermelho (excertos)
PARTE XIX
(CONCLUSÃO)
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Para um mundo melhor
Como um homem de classe média por excelência, a ensinar inglês na sua cidade natal, Normunds Kvilis tinha um salário pequeno, mas estável. Logo após se ter introduzido no seu país de origem, a Letónia, a economia de mercado ele decidiu entrar no emergente mercado de bens imobiliários. Ele fez bem. Até um certo momento do tempo o seu património era já bem superior a 2 milhões de euros, e sua empresa tinha cinco funcionários e quinze representantes de vendas.
Quando a economia da Letónia bateu no fundo em 2008/2009, com todas as bolhas a estourarem simultaneamente, iniciou o que ele chama a sua “série de erros’.
“O mercado imobiliário extinguiu-se quase que por completo da noite para o dia , mas eu continuava a manter as aparências. Eu hipotequei todos os meus activos e continuei como se nada se tivesse passado. Quando o banco finalmente ficou com tudo o que tinha, fiz o meu erro final ao hipotecar o apartamento onde morava a minha mãe, onde eu também estava a viver, depois do meu segundo divórcio.”
Isto foi a grande final de Normunds Kvilis na sua descida em espiral de uma situação de pessoa rica para uma situação de trapos. Numa certa tarde, em 2012 encontrava-se na rua sem dinheiro e sem casa e começou a beber.
A Letónia ainda tem um sistema em que, de modo a “existir oficialmente”, as pessoas têm que ter uma morada como registo de residência. Esta morada não pode ser uma caixa postal restante, nos Correios, nem pode ser o endereço de um abrigo nocturno ou de qualquer outro alojamento temporário. Normunds agora vive no apartamento de um amigo, mas ele não tem uma residência como morada com que se possa registar. Porque Normunds, e muitos como ele, não se pode registar então ele não pode estar legalmente empregado. Sem a possibilidade de conseguir um trabalho legal, as possibilidades de Normunds ganhar dinheiro suficiente para alugar um apartamento são pequenas, e exactamente porque não tem uma morada com que possa registar como a sua residência, ele não pode se registar.
A distância entre as pessoas ricas e as socialmente vulneráveis pobres não para de se alargar.Cruz Vermelha da Letónia |
Este estranho e vicioso ciclo é um bom exemplo de quanto pode ser difícil pode ser difícil voltar à vida que se tinha depois de cair na pobreza.
“Evitando que as pessoas subam acima da linha de pobreza desta forma é um terrível e doentio desperdício de recursos e de potencial, independentemente das causas. Uma nova forma de pensar é exigida aos governos e aos outros actores sociais ,”diz-nos Ketija Talberga, directora do centro social da Cruz Vermelha em Jurmala, onde um dia Normunds aqui apareceu bêbado e com fome.
Ele agora está a viver uma vida mais saudável e está a estudar com a Cruz Vermelha Letão a forma de como os seus conhecimentos profissionais e a experiência podem ser utilizados em benefício de outras pessoas socialmente vulneráveis.
Nordmunds é uma das cinco pessoas que partilham parte das suas histórias no filme em vídeo In a Better World, que está disponível no site da Cruz Vermelha com este e relatório. Maurizio, de Itália também tinha uma empresa que faliu, e agora vive numa carrinha de campismo – a sua antiga casa de férias. Jorge, de Portugal nunca foi capaz de encontrar um emprego depois de terminar o seu curso e ainda vive com os pais. Elena da Moldávia e Meerby do Quirguistão ambos foram para o estrangeiro à procura de emprego, mas ambos tiveram que regressar, por diferentes razões. Meerby teve um bébé que um casal sem filhos se ofereceu para lho comprar quando ela estava sem dinheiro.
Estas são histórias dos europeus comuns que falam sobre o impacto da crise económica sobre as suas próprias vidas. E também sobre a forma como lidaram com a situação de crise. Como eles esperam por tempos melhores – por um mundo melhor – especialmente para os seus filhos.
Houve uma mudança no perfil das pessoas que procuram ser voluntárias da Cruz Vermelha. Nalguns casos, a vontade de ser voluntário está a esconder a sua própria necessidade de ser apoiado.Cruz Vermelha Portuguesa |
Cruz Vermelha Internacional, Think differently, Humanitarian impacts of the economic crisis in Europe, Outubro de 2013