O EDITOR – HERÓI OU VILÃO? – por Carlos Loures

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Hoje vamos falar de editores. E começamos por colocar uma pergunta – o editor é um empresário ou é um agente cultural? Vamos tentar responder; no entanto, é importante saber do que estamos a falar quando falamos de editores e de edição.

É frequente ouvir autores desconhecidos acusarem os editores pelo facto de as suas obras permanecerem inéditas. Como se coubesse aos editores publicar obras que, à partida, são um fracasso editorial garantido. E isto não envolve juízos de valor. Pode-se estar perante a obra de um génio e essa genialidade vir a ser descoberta um século depois de o autor ter morrido. O exemplo de Fernando Pessoa é recorrente. Em vida, publicou um livro que, no contexto da sua obra, que hoje sabemos ser genial, é uma obra menor. E Pessoa, embora desconhecido do grande público, era uma figura respeitada no meio intelectual. Conhecia editores, trabalhou para algumas casas de edição como tradutor. Mas para a sua obra não conseguiu editor.

O autor tem de fazer opções. Ou escreve para o presente, para os seus contemporâneos ou escreve para o que ele prevê que vai ser o futuro. Para gente que ainda não nasceu. Ou, pura e simplesmente, escreve para si mesmo. E é nesta opção que o escritor faz que se define o que vai acontecer aos seus livros. Se estudou a fundo o mercado, sabendo o que se vende e se resolve produzir produtos adequados ao gosto dominante, tem mais possibilidades de ser editado. E não se está a minimizar a qualidade que alguns desses livros de agrado generalizado possuem. Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós (e José Saramago) foram grandes escritores e dispunham, em vida,  de um vasto público. Sabe-se que é possível conciliar a qualidade com essa concessão ao mercado. Quem quer escrever o que entende como bom, sem se preocupar se alguém vai apreciar o seu trabalho, se no fundo escreve para si, dificilmente encontrará quem o edite. E, na maior parte das vezes,  o encantamento perante a própria obra não encontra eco fora da apreciação narcisística do autor.

Como é que o editor avalia se um determinado original merece ou não ser editado? Como é que ele avalia se o livro vai ter algum sucesso comercial ou se a edição recolhe quase integralmente ao armazém. Muitos editores não gostam de ler. Pelo menos não têm paciência para ler originais. Então os  livros passam por uma leitura  de algum consultor da casa que, tendo em conta a qualidade e as expectativas comerciais, se decide ou não pela publicação.  Muitas vezes (demasiadas, digo eu) o editor se apaixona por um livro cuja edição lhe fica quase toda no armazém. O engano, também acontece ao contrário. Uma conhecida directora editorial de um grupo de grande dimensão recusou o Memorial do Convento a Saramago. Motivo – livro grande, de produção cara, autor muito pouco conhecido, fracas expectativas comerciais. Outra editora, mais pequena, pegou na obra e foi o que se sabe. Saramago nunca saiu dessa editora.

Voltarei aqui a este assunto. Na minha opinião, respondendo à pergunta inicial, o editor é um empresário e é um agente cultural. Não tem qualquer obrigação de publicar seja quem for, nem tem o dever profissional de arriscar o seu capital em obras em que não acredita (por não ter razões válidas para acreditar). É um empresário que deve empregar os seus recursos em obras que acredite que se vão vender. É um agente cultural na medida em que deve orientar as suas linhas editoriais de acordo com os valores literários, filosóficos, políticos e sociais, em que acredite.

Ao longo dos anos em que estive no mundo da edição, vi algumas pequenas e médias fortunas desaparecerem, devoradas em negócios editoriais. Os casos de sucesso a que pude assistir, contam-se pelos dedos. O pequeno editor não é, como se diz por vezes, um predador pronto a saltar sobre a obra do pobre e desprotegido autor. O pequeno editor, no circuito comercial da edição, é um herói, mas, na maior parte dos casos, acaba derrotado. Escritores agora conhecidos começaram a publicar na chamadas editoras de vão de escada, passando-se, logo que a notoriedade chegou, para grandes grupos editoriais. A fidelidade de Saramago a quem o editou quando era desconhecido é, infelizmente, uma honrosa excepção.

 

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