A POLÍTICA EXTERNA DO PRESIDENTE OBAMA BASEIA-SE NA FANTASIA – O PONTO DE VISTA DO WASHINGTON POST

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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Editorial do Washington Post de 3 de Março

Desde há cinco anos, o Presidente Obama tem conduzido uma política externa baseada mais em como ele acha que o mundo deve operar do que como é na realidade . Era um mundo em que “a maré da guerra está a retroceder ”  e em que os Estados Unidos poderiam, sem muito risco, reduzir radicalmente a dimensão das suas forças armadas. Os outros dirigentes nesta  visão das coisas  comportar-se-iam  racionalmente e no interesse do seu povo e do mundo. Invasões, força bruta, jogos de grandes potências e mudanças de alianças — seriam  nesta óptica coisas do passado. O secretário de Estado John F. Kerry mostrou  essa mentalidade no programa  “Esta semana” na cadeia de televisão ABC  quando  disse, sobre a invasão da Rússia sobre a vizinha Ucrânia, “É um acto do século XIX no século XXI”.

Isso é um pensamento agradável, e todos sabemos o que este significa. A posição de um país já  não mais medida  como uma luta de pesos pesados ou pelos batalhões em presença. O mundo está também demasiado  interligado para se fragmentar  em blocos. Um pequeno país que se ligue bem ao ciberespaço pode possibilitar  mais prosperidade para a sua população  (penso em  Singapura ou na Estónia, por exemplo) do que um gigante com recursos naturais e exércitos permanentes.

Infelizmente, o presidente russo Vladimir Putin não recebeu o texto sobre o comportamento do século XXI de Kerry. Nem o tem igualmente o Presidente da China, Xi Jinping, que está  envolvido  na  diplomacia das canhoneiras contra o Japão e contra as nações mais fracas do sudeste da Ásia. O presidente sírio Bashard-al-Assad está  a travar  uma guerra  contra o  seu próprio povo, uma guerra que é mesmo  muito típica do século XX utilizando  helicópteros para atirarem  barris cheios de parafusos, pregos e outros estilhaços de modo a que estes venham a  explodir sobre os  imóveis  residenciais  onde as famílias se tentam proteger nos abrigos subterrâneos.. Estes homens não irão ser dissuadidos pela reprovação de seus pares, pelo  peso da opinião pública mundial ou mesmo pelo desinvestimento  que possa ser aplicado pelas empresas de Sillicon Valley.  Eles estão principalmente preocupados com a manutenção dos seus privilégios  no poder .

O Presidente  Obama não é responsável pelas suas posições erradas que foram assumidas. Mas ele deveria, ou poderia, desempenhar um papel preponderante na estruturação dos custos e benefícios que devem ser levados em conta e antes de agir. O modelo para a ocupação da Crimeia por Putin foi a sua incursão na Geórgia em 2008, quando Bush  era  Presidente. O Presidente Putin não  pagou nenhum  preço para essa acção; na verdade,  ficou com partes da Geórgia, ainda sob controle da Rússia, foi-lhe autorizado a realizar as Olimpíadas de  Inverno ali bem perto, ao virar da esquina. A China intimidou as Filipinas e unilateralmente reivindicou um alargamento dos corredores do espaço aéreo internacional  e de rotas marítimas enquanto continuou a realizar uma rápida e tecnologicamente impressionante reconstrução das suas estruturas militares. Indiscutivelmente, Os Estados Unidos  pagaram o preço pelo nervosismo dos seus vizinhos, que estão desesperados para que  os Estados Unidos  assumam   desempenhar um papel de equilíbrio na região. Mas nenhum dos vizinhos se sentia  confiante de que pudesse  contar com os Estados Unidos. Desde que o ditador da Síria ultrapassou a linha vermelha de Obama  com o ataque feito com armas químicas que mataram 1.400 civis, a ditadura militar e a sua posição diplomática tem-se constantemente fortalecido.

A vontade de ~voltar atrás— para se concentrar-se no que o Presidente Obama chama “construção da nação em casa” — não é nada de novo, como o antigo embaixador Stephen Sestanovich relata na  sua esclarecedora história da política externa dos EUA, “Maximalist”. Houve  recuos  semelhantes após as guerras da Coreia e do Vietname, e quando a União Soviética se desintegrou. Mas os Estados Unidos descobriram  que cada vez mais  o mundo se tornava  um lugar mais perigoso sem a sua liderança e   que a  desordem no mundo poderia ameaçar a prosperidade dos Estados Unidos. Cada período de contenção foi depois seguido por uma política mais activa (embora não sempre mais consciente). Hoje, o Presidente . Obama tem muita companhia na sua esteira  dentro de ambos os partidos  e como reflectido pela opinião pública. Mas ele é também em parte responsável pelo actual sentimento nacional: se um presidente não faz a defesa do  envolvimento global, ninguém mais o pode efectivamente fazer.

A Casa Branca frequentemente responde acusando os seus  críticos   de ser em belicistas que querem os americanos  a colocarem  “os pés no chão” em todo o mundo e dizem a estes mesmos críticos que eles ainda aprenderam  as lições do Iraque. Então vamos estipular: não queremos as tropas dos EUA na Síria, e não queremos as tropas dos EUA na Crimeia. Uma grande potência pode comportar-se para além dos seus próprios limites e capacidades  e se a sua economia vacila, acontecerá então o mesmo à sua  capacidade de liderar. Nada disto é simples.

Mas também é verdade que, enquanto alguns líderes actuarem segundo aquilo que Kerry despreza como regras do século XIX, os Estados Unidos não podem fingir que o único jogo se passa inteiramente noutra arena.

A força militar, a confiança enquanto aliados, a necessidade de permanência em pontos  difíceis do mundo, como o Afeganistão — tudo isto ainda é importante, muito mais do que nós desejaríamos que fossem.  Enquanto os Estados Unidos têm estado em contenção, a maré da democracia no mundo que até parecia inexorável e sem fim ,  tem também ela estado a retroceder, a diminuir.  A longo prazo,  isto também  é prejudicial para a segurança nacional dos EUA, igualmente.

Como Putin pondera  se avança mais ainda  — no leste da Ucrânia, digamos — ele vai medir a seriedade das acções dos  EUA e dos seus aliados, não as suas declarações. A China, a ponderar os seus próximos passos no mar da China Oriental, fará o mesmo. Infelizmente, essa é a natureza do século que estamos a viver.

Washington Post, President Obama’s foreign policy is based on fantasy, 3 de Março de 2014

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