O rio é este que não corre, mas que passa lento por debaixo da ponte de madeira, costeia quase toca as casas ribeirinhas, vai para a frente sem parecer que passa.
As águas deste rio são transparentes e os peixes se mostram sem temor na corrida que desliza fulgurando as cores de escamas verdes amarelas verde-ouro sob o sol que infiltra luzes nesta água do rio. Também a lua ama entrar nestas águas e então é outra luz que faz outros peixes de ritmos noturnos.
Do alto da ponte olhar o rio é ver a lua que entra n’água e não se molha. Esta lua desce e sobe, modificando a corrente lenta das águas que quase perdem o sentido do álveo leito obrigando os peixes sonolentos a uma geometria insone.
Quando o rio passa sob a ponte de madeira deixa também ver as coisas que estão nas casas e as repetidas experiências os gestos os rostos da gente que conhece desde sempre o rio.
As coisas saem das casas e estão no rio: os móveis das salas-de-visitas, dos quartos, das salas-de-jantar, das cozinhas; os espelhos, as cadeiras, as mesas, as camas: e a gente é como se ali estivesse. Ás águas que recebem todas essas coisas refletem os rostos da gente dando às coisas aquela vida que as paredes das casas escondem à vista dos outros.
No rio todos se vêem.
Caminhar por entre animais plantas e coisas nas águas do rio é encontrar o que se sabe, mas que se escondia em ângulos agudos como o peixe-cascudo deste rio que foge ao sol e à lua na sua toca barrenta.
O rio revela que a tristeza da sua corrente é a triste estória que muitas vezes caiu como pedras e ficou para sempre no fundo das águas.
O leito do rio é feito de areia, mas também das pedras acumuladas.
Muitas vezes, de repente, o rio se seca e deixa ver as pedras. Caminhar por elas banhando pouco os pés com o frio tépido do rio que se preserva da seca é também saber que tudo se passou como se fosse verdade, mas se pode contar porque a estória se refaz concreta quando agora o rio deixa que estes passos entrem no seu leito e passem de pedra em pedra.
Est pedra é minha.
Esta pedra é minha. Ela me conta que tudo o que se passou não é um sonho, mas água e pedra.
Não serve olhar o rio com tristeza. O rio existe. A sua corrida lenta está ali. O rio corre e leva nas águas as coisas, mas o rio tudo revela na ondulação da corrente que passa levando plantas peixes aves coisas.
E Guimarães Rosa escreveu:
Alongo-me
O rio nasce toda a vida
Dá-se ao mar a alma vivida
A água amadurecida
A face ida.
O rio sempre renasce
A morte é vida..
Rachel Gutiérrez