DE NOVO A UCRÂNIA – DA ECONOMIA À GEOPOLÍTICA – A RÚSSIA NO MAU LADO DA HISTÓRIA, por FABRICE FASSIO

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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3. A Rússia no mau lado da História

Rússia maulado - I

 Um espinho cravado  no pé da globalização

Fabrice Fassio*, Revista Metamag, 24 de Março de 2014  

Dirigentes, homens de negócios e directores  dos meios de comunicação social ocidentais interrogam-se com apreensão sobre a via que segue a Rússia contemporânea. O Presidente dos Estados Unidos vem de resto afirmá-lo : a Rússia encontra-se do mau lado da História. Estranha ideia segundo a qual a História teria lados! Por último e resumidamente, o julgamento do Presidente seria corroborado por numerosos factos, entre os quias o seguinte: a Rússia procuraria reconstituir um bloco semelhante à antiga União soviética, este império do Mal que tivesse dado tanto trabalho a  Ronald Reagan para o fazer cair.

A Ocidentalização

Rússia maulado - II

Nas suas obras sociológicas, Alexandre Zinoviev chama  “ocidentalização” à  forma específica que assume a globalização nos países não ocidentais. De acordo com o autor russo, ocidentalização”  é a estratégia destinada a estabelecer uma ordem planetária (global) conforme aos interesses do mundo ocidental (América do Norte, Europa do Oeste, Austrália, etc.) . Sob  a direcção dos Estados Unidos, explica o autor do Occidentisme, (Ed Plon, 1995) os países do Oeste procuram  estabelecer, nas outras partes do nosso planeta, uma organização da vida semelhante à sua.

A fim de incorporar o país  visado  na esfera ocidental, convém primeiro enfraquece-lo . Numerosas tácticas, explica o autor russo, são então postas em prática: dividir a população em grupos hostis, incitá-los a  desejar a abundância ocidental, apoiar os movimentos de oposição, fornecer uma ajuda financeira, seduzir a elite intelectual e as camadas privilegiadas, etc. Este processo de ocidentalização  não significa desgraça para todos. Pelo contrário, certas categorias da população do país em via de assimilação – os membros das camadas superiores em particular podem encontrar a sua vantagem nesta “refundação”, tornando-se assim um  apoio interno ao processo de assimilação. As tentativas de  ocidentalização de um país nem sempre são coroadas de êxito  ( no  Irão, por exemplo). Em contrapartida, quando a operação tem êxito, o país visado é remodelado: os Ocidentais, ajudados por forças internas locais, põem em prática uma ordem estatal, económica e ideológica, imitada do sistema ocidental (capitalista, ocidentalista). Parlementarismo, multipartidismo, eleições, economia liberalizada, exaltação do dinheiro, do sexo e da violência, são tantos os exemplos de elementos impostos ao país ultimamente incluídos na esfera de influência ocidental.

Escusado será dizer que o Ocidente empreende a tarefa de  remodelação dos países visados na óptica dos  seus interesses: estabelece um governo amigável, muitos mercados para os seus produtos industriais, apropriação das matérias-primas  de que ele tem uma necessidade vital a muito bom preço,  etc.

A Ocidentalização aplicada à Rússia

Rússia maulado - III

Elaborada pelos países ocidentais durante a guerra fria, a estratégia de  ocidentalização  foi utilizada contra a União Soviética que representava um real perigo para a hegemonia ocidental. Enfraquecida por uma profunda uma crise interna, a União soviética dos anos 1980-1990 revelou-se incapaz de preservar a sua organização social (o comunismo, o sovietismo) que foi destruída sob a direcção de homens de Estado como Mikhaïl Gorbatchev ou Boris Eltsine, apadrinhados  pelos seus homólogos do Ocidente.

 O território soviético desfez-se em numerosas repúblicas prisioneiras de  múltiplas dificuldades: desemprego massivo, diminuição do poder de compra dos mais pobres, dilapidação da propriedade de Estado no sector económico, conluio dos meios do poder e o dinheiro, baixa da natalidade, etc. A  Ucrânia é uma destas repúblicas procedentes da desagregação do espaço soviético. De um ponto de vista sociológico, a ocidentalização  não é um fenómeno monstruoso (anormal) mas, pelo contrário, um fenómeno normal, em outros termos conforme às regras que governam as relações  entre associações humanas diferentes cujos interesses são opostos.  As regras da moral e do direito não se aplicam às relações entre grupos humanos.

Uma ocidentalização limitada

Rússia maulado - IV

Durante os anos 1980-1990, a Rússia muito profundamente enfraquecida comprometeu-se   a seguir sobre os carris da ocidentalização, colocando-se por esta mesma decisão, do bom lado da História. Numa entrevista com Galia Ackerman (Política Internacional – a Revista n°92 – Verão  – 2001) realizada em 2001, Alexandre Zinoviev explica que a margem de operação de Vladimir Poutine é reprimida pelas circunstâncias e que a sua missão consiste em  consolidar e tornar aceitável aos olhos do povo russo o novo sistema económico e social procedente do golpe de Estado de Gorbatchov  e de Ietsinine   Contudo, nota este  filósofo, a ocidentalização  da Rússia não significa que todos os traços do sovietismo desapareceram. Nesta entrevista, o autor “”Facteur de la Compréhension” (Faktor Ponimania)   observa, por exemplo, que a administração presidencial retomou a função do Comité Central do PCUS (Partido Comunista de União Soviética) ou que as relações entre o Kremlin e a Duma assemelham-se cada vez mais às relações  que existiam entre o Politburo e o Soviete Supremo do tempo da URSS. Nesta mesma entrevista, o filófo acrescenta que o Parlamento se tornou  o instrumento dócil do executivo. A ocidentalização  da organização estatal da Rússia postsoviética é por conseguinte relativa e limitada.

Um retomar de   controlo

 A situação da organização estatal da Rússia não é mais a  que prevalecia nos primeiros anos  do nosso século. Vladimir Poutine e a sua equipa consolidaram o poder do Estado central, efectuaram  reformas e “mudado de rumo ”.  A reorganização da administração (“a vertical do poder”), reforço do exército e dos serviços de informação, de vigilância dos meios de comunicação social, reabilitação do sector militaro-industriel, aproximação com a China, vontade de formar um vasto conjunto eurasiático  são tantos  exemplos que as forças influentes do Oeste interpretam como uma rejeição de ocidentalização.  A actual subida em potência da Rússia sobre a cena internacional está  ligada a  esta retoma em mão do Estado, operada pelo poder supremo. Como nota-o Alexandre Zinoviev nas suas obras sociológicas, a história da Rússia é uma história do Estado. Reforçando os traços da ordem estatal herdados da antiga União soviética ou mesmo da época czarista, o poder russo tem como objectivo construir um Estado forte,  verdadeiro posto de comando  da sociedade como um todo.  Este Estado em via de se reforçar  contém nele próprio  uma tendência “imperial”, ou, por  outras termos comporta uma tendência a recrear um espaço semelhante à União soviética ou ao império czarista.

A prisão dos povos

Un acontecimento similar já se produziu na história russa.  Durante a primeira guerra mundial, o Estado czarista desabou   e os revolucionários tomaram o poder. Uma questão se coloca então : porque é que os Bolcheviques reconstruiram  um império   alguns anos depois da  Revolução de Outubro enquanto que comparavam a Rússia imperial – a palavra de Vladimir Ilitch Lénine é famosa – “à uma prisão dos povos”?  Alexandre Zinoviev explica que, apesar dos slogans revolucionários e as intenções dos chefes bolcheviques, o novo poder central encontrou-se forçado restaurar o império, certamente sob uma forma nova que tomou o nome de União soviética. A Revolução tinha eliminado a classe dos capitalistas, que tinham investido na indústria, e a dos proprietários terrestres, mas tinha preservado a organização estatal da época czarista. A tendência a criar uma vasta união de povos submetidos a um poder  central decorria da organização estatal russa preservada pela Revolução.  Hoje em dia, esta tendência manifesta-se outra vez e continuará manifestar-se se o poder supremo, independentemente de quem seja o  seu chefe, persevera na sua vontade de edificar um Estado forte na Rússia. É possível que esta tendência tome a forma de uma união eurasiática  ou uma vasta zona de influência.

Hoje, a retoma em mão da organização estatal, a subida em poder  da Rússia, a criação de uma zona de influência, preocupam a justo título as forças supranacionais que preconizam uma governança mundial, bem como as potências ocidentais.  A Rússia actual representa uma espinha cravada no pé da globalização, um verdadeiro “ impedimento” para impedir de poder andar á volta. Neste sentido, o Presidente dos Estados Unidos tem razão. Apesar de todos os esforços fornecidos  pelos Ocidentais, a Rússia desliza uma vez mais do mau lado da História, uma vintena de anos após a queda estrondosa  do império o Mal

*Fabrice Fassio est un spécialiste de l’oeuvre du logicien et sociologue russe : Alexandre Zinoviev. C’est bien volontiers que nous publions l’article qu’il nous a fait parvenir, basé sur les travaux fondamentaux d’Alexandre Zinoviev. 

Illustration en-tête : “l’allégorie du mauvais gouvernement”, Ambrogio Lorenzetti, Palazzo Pubblico, Sienne.

 

2 Comments

  1. Plusieurs lecteurs ont pensé que j’exprimais, dans la conclusion de cet article, une opinion personnelle et m’ont fait part de leur incompréhension. Une mise au point m’apparaît donc nécessaire. En écrivant que la Russie contemporaine glissait du mauvais côté de l’Histoire, je ne voulais pas dire que ce pays prenait une direction que je désapprouve, mais simplement que la direction en question s’opposait aux intérêts des Etats-Unis. C’est évidemment ce dernier point que le Président Obama avait à l’esprit lorsqu’il a déclaré le 3 mars 2014 que la Russie se situait ” du mauvais côté de l’Histoire.”

    Fabrice Fassio

  2. clarificação

    Vários leitores pensaram que eu expressei, na conclusão deste artigo, uma opinião pessoal e eles me anunciaram a incompreensão deles/delas. Um clarificação parece assim a mi necessário. Escrevendo aquela Rússia de contemporâneo deslizou a mau lado da História, eu não quis dizer que este país levou uma direção que eu desaprovo, mas simplesmente que a direção esta contra os interesses dos Estados Unidos. É obviamente este último ponto que Presidente Obama teve em mente quando ele declarar 3 de março de 2014 quando a Rússia era situada ” a mau lado da História. ”

    Fabrice Fassio

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