Um livro das Edições Colibri a cujo lançamento Clara Castilho assistiu:
Realizou-se dia 21 de Abril, na Associação José Afonso, o lançamento do livro “Carta a Zeca Afonso e Outros Poemas para Lembrar Abril”, de José Jorge Letria, das Edições Colibri e com capa do pintor António Casimiro. A apresentação esteve a cargo do editor – Fernando Mão de Ferro e de Mário Avelar, professor do Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa. Foi numa sala cheia que se reflectiu no papel da poesia na sociedade, nos poetas-cantores (musicando os seus próprios poemas), na densidade a escrita do autor, com toda a cultura subjacente, mas não claramente mostrada, da sua ironia…
Deixo um dos poemas que José Jorge leu na sessão.
POEMA CONTRA A RESIGNAÇÃO
A tinta com que se escreve a dor de um povo não existe na paleta dos dias perfeitos. É uma tinta que casa o azul do mar com a palidez de cal das tardes sem esperança, o verde, o ocre e a cinza com o metal do grito que a garganta magoadamente abafa. E quando os filhos perguntam “amanhã como será?”, que ninguém retome o fio da história na enseada de assombros em que tantos sonhos naufragaram. Condenaram-nos a responder pelo número que somos, tornados estatística de uma raiva adormecida, cifra negra que nos resume e derrota. Até quando? Então e as viagens heróicas, as naus afundadas, as sinuosas rotas de luz, os astrolábios do espanto e tudo o mais que se perdeu no esquecimento dos mapas? São perigosos os poetas na hora do incêndio da memória com o fogo das palavras que não se rendem nem se vendem. Agora somos a conta que ficou por pagar, colectiva e brutal, a miséria sussurrada na aflição das noites, a dormência dos dedos quando chega a hora de escrever coragem na página de todos os temores. Mas há uma pátria que se revolta dentro de nós quando a música interrompe o sono das casas e proclama que tudo é legítimo menos a resignação.