OS MEUS DOMINGOS – SECOS E MOLHADOS – por ANDRÉ BRUN

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1881 - 1926
1881 – 1926

 

 

II

Em Esparta os moralistas de então, que, por terem arruinado o estômago na mocidade, não bebiam senão água de VidaKlés, costumavam em certos dias embriagar algumas dezenas de ilotas – assim se chamavam os escravos lá do sítio – e larga-los na via pública. Mostravam-nos a seguir às crianças, dizendo:

– Vêem estes desgraçados? Pois os meninos devem sempre evitar ser assim…

É preciso acrescentar que a lição nem sempre servia, como de resto sucede a quase todas as lições.

Numa crónica inédita de Xenophonte, que comprei há dias num alfarrabista de Atenas, vem contado que Rikassos, espartano duma cana, adquirira durante a guerra do Peloponeso uma grossa fortuna exportando conservas podres e vendendo pinhais que eram dos outros.

Tinha um filho, Miudkos, que, atingidos os dezassete anos, se sentia em esplêndidas disposições de gastar os milhões de dracmas que seu pai juntara com tão pouco trabalho.

Rikassos, um belo dia, tratou de fazer ao filho a gracinha dos ilotas bêbados. Mandou dar a três escravos uma autêntica pinga de Karthaxhos, a dezasseis óbulos a ânfora, que havia num carvoeiro lá da rua, e, quando eles estavam como três cachos, mandou-os trazer ao peristilo, para o qual se encaminhou com o seu rebento. Apontou-os a este e disse:

– Vê, meu filho! Vê onde nos pode levar a intemperança! Vê e medita…

E saiu para ir tomar, antes de jantar, uma taças de fino Sammos, que tinha chegado na véspera e estava a refrescar.

Miudkos aproximou-se dum dos escravos e perguntou-lhe, em grego naturalmente:

– Então como vai isso?

– Isto vai bem, – respondeu o outro. – Vai mesmo muito bem. Sinto a cabeça leve e o meu espírito povoa-se de visões encantadoras. Evoé!

E pôs-se a dançar os bailados da Isadora Duncan.

– Ora esta! – disse o efebo lá consigo.

E, dirigindo-se ao segundo, indagou:

– E tu, que tal?

– Os deuses são-me propícios e entre eles Eros, pois minha mulher parece-me hoje encantadora e formosa como Afrodite.

O pobre diabo tinha por parelha um estafermo notável vinte estádios em redor.

– Que me contas , meu amigo? – inquiriu Miudkos do terceiro.

– Por Zeus, sinto-me feliz! Meu amo, o grande e generoso Rikassos, o melhor dos senhores, é amorável e justo. Ao seu serviço a vida é bela.

Ora o filho bem sabia que o pai era um verdugo cruel para os seus inferiores, duma severidade e duma injustiça por todos reconhecidas.

Preocupado com o que acabava de ouvir, foi encostar-se a uma coluna – dórica, como compete a esta história – e pôs-se a cismar. Por fim chegou a uma convicção, embuçou-se na sua clâmide e foi direito como um fuso para o carvoeiro. Alta noite o guarda-nocturno trouxe-o para casa ao colo, com uma bebedeira capaz de arrancar todos os candeeiros da rua, se nesse tempo os houvesse. Simplesmente os gregos eram mais inteligentes do que nós. Como também não tinham gás, dispensavam os candeeiros e evitavam assim esbarrar com estes quando regressavam a casa fora de horas.

21 de Janeiro de 1923

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