Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Putin vê a China como um aliado com fome de gás
Meghan L. O’Sullivan
Bloomberg View, 20 de Maio de 2014
O presidente russo Vladimir Putin e o presidente chinês Xi Jinping provavelmente irão verificar que agora têm mais em comum do que nunca, quando se encontrarem esta semana, ao iniciar-se hoje em Shanghai uma cimeira sino-russa e mais tarde num fórum sobre economia que vai haver em St Petersburg. Ambos os homens têm estado sujeitos a fortes críticas pelos governos ocidentais: Putin devido à sua anexação da Crimeia e Xi pelas suas incursões nas águas contestadas do mar do Sul da China. Face a todas as conversações estratégicas fascinantes e potencialmente consequentes que possam ocorrer entre estes dois homens, as interrogações no Ocidente sobre esse encontro incidirão sobre se com este encontro concluem ou não um anterior acordo sobre os produtos energéticos para se encaminharem enormes quantidade de gás natural da Rússia para a China, a partir de 2018.
Os dois países têm andado a discutir este acordo desde há anos, e continuarão a fazê-lo hoje em Shanghai. Para os estranhos, a ligação entre um dos maiores produtores, a Rússia, e um dos maiores consumidores, a China, parece óbvia e inevitável. Mas várias questões levaram a que até agora o acordo não tenha sido assinado. A dificuldade mais directamente detectável é a questão do preço. A China resistiu até agora à pretensão da Rússia em aplicar preços comparáveis àqueles que obtém na Europa, argumentando que o preço de referência para o gás da Rússia é mais baixo do que a China paga pelo gás transportado a partir do Turquemenistão. A Rússia objectou, não querendo sinalizar a Europa — onde os seus contratos de longo prazo estão já sob a pressão — que estaria disponível para efectuar uma redução. Esta disputa sobre a fixação do preço é resultante da desconfiança histórica, a suspeita que cada um tem sobre as intenções do outro quanto à Ásia Central, disputando-se agora sobre qual é a melhor rota.
Os tempos mudaram, contudo. Como Morena Skalamera, um companheiro no my Geopolitics do projeto de energia em Harvard, refere numa pequena informação, as circunstâncias internas e internacionais aumentam as possibilidades de que o acordo seja agora assinado. A Rússia está preocupada quanto à possível evolução do mercado europeu do gás, vendo a procura europeia do gás sem grande expansão e a existência de esforços políticos – a serem intensificados desde a cris ucraniana – para diversificarem as suas fontes de abastecimento e a diminuírem o peso da Rússia como fornecedor e condicionando assim as vendas futuras ao Ocidente. Ao mesmo tempo, o fenómeno do gás do xisto, com os Estados Unidos e o Canadá como possíveis exportadores do gás liquido, levaram Moscovo a ficar preocupado acerca de que preços pode esperar alcançar do mercado europeu. Criando novos mercados potencialmente lucrativos a leste parece ser a resposta aos interesses europeus do gás da Rússia.
Quanto aos detalhes finais estes estão ainda rodeados de secretismo, os parâmetros gerais de qualquer acordo sobre gás são puramente aparentes. Os peritos prevêem que, se o negócio for finalizado rapidamente, o preço final será próximo de $10 a $11 por milhão de unidades térmicas britânicas, que é o preço mais alto que a China estará a pagar no Turquemenistão. Há uma séria possibilidade de um pagamento antecipado, à cabeça, de dez mil milhões de dólares para ajudar a Rússia a pagar as infra-estruturas e outros custos de desenvolvimento. Uma grande questão é a de se saber se Rússia cede finalmente ao desejo de longa data da China ser autorizada a fazer investimentos directos no sector da energia na Rússia, sector este em expansão. Em resumo, alguns calculam que o preço total a pagar ultrapassa os $400 mil milhões.
No final do dia, se um acordo vier a ser assinado na próxima semana ou próximo disso, tanto melhor para a China. Não somente a Rússia está pronta para assinar, como a sua janela se está a fechar rapidamente. As grandes quantidades de gás serão encaminhadas no próximo ano para a Ásia, com a Austrália a fornecer mais gás e os Estados Unidos a começarem então a exportar. Os esforços chineses para desenvolverem a sua própria exploração de xisto avançam lentamente, embora esta possa vir a ser sujeita a um impulso real se a liberalização do preço se acelerar e se às companhias mais pequenas lhes for permitido desenvolverem os seus recursos. O tempo não está do lado de Rússia
Quais são as implicações globais de um tal acordo? Em termos de mercados de gás, podem ser menos significativos do que à primeira vista possa parecer. A Rússia já admitiu que a sua preferência a longo prazo vai no sentido de uma rota do oleoduto através das montanhas de Altai, o que teria permitido desviar gás actualmente destinados aos mercados europeus para dar prioridade aos chineses, enfraquecendo desse modo de forma dramática o argumento de “dependência mútua” que dá aos europeus alguma confiança de que a Rússia não alcançará os seus objectivos quanto à venda de gás por motivos políticos. (Pequim, objectou que o pipeline das montanhas de Altai entraria pela zona Noroeste da China, longe dos grandes centros populacionais, a rota alternativa dependeria, por seu lado, do desenvolvimento de novos campos de gás na Sibéria Oriental). E, mesmo por tão grande que o acordo seja … 38 mil milhões de metros cúbicos por ano, para começar, com possível expansão para os 61 mil milhões ..—esta quantidade dificilmente saciaria a procura chinesa em gás nos próximos anos.
Um efeito possivelmente mais amplo, no entanto, é que, eliminando alguma da procura chinesa no mercado asiático do gás, o acordo colocaria pressão para fazer descer os preços elevados do gás caro que é negociado na Ásia, na margem. Talvez ironicamente, a finalização de um gasoduto sino-russo possa realmente fazer alargar a perspectiva de exploração de projectos de gás russo para a Ásia, tornando esses projectos mais prováveis. E uma vez que tais projectos de desenvolvimento sejam feitos em campos caros a garantia da procura da China torna essa exploração economicamente mais viável.
Para o resto do mundo, talvez, a questão real em torno de qualquer acordo de gás é em que medida este acordo levará a cooperação russo-chinesa para além das matérias relativas à energia. Sem dúvida, qualquer acordo irá adicionar à percepção global que o momento está do lado dos poderes que desafiam a aliança ocidental. Putin claramente decidiu assumir activamente enfrentar a actual ordem internacional tal como ela agora existe, enquanto Xi pode ter ambições semelhantes mas com um horizonte temporal de menor urgência. Um acordo sobre energia pode bem ser alcançado e simultaneamente ser acompanhado do facto de se ter atingido uma base comum em torno de uma cooperação mais ampla entre Pequim e Moscou no Extremo Oriente e na Ásia Central. Enquanto os EUA e os seus aliados não têm nada a temer de um gasoduto russo a fornecer gás à China, são estes entendimentos mais amplos para desafiar a maneira como o mundo funciona hoje que deveriam levar a uma profunda reflexão.
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http://www.bloombergview.com/articles/2014-05-20/putin-sees-china-as-a-gas-hungry-ally