CONTOS & CRÓNICAS – Manuel da Fonseca – A importância das influências -O conto A Testemunha – por João Machado

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Ainda na sequência da estadia da argonauta Rachel Gutiérrez deste lado do oceano, e da notável conferência que proferiu na Sociedade Portuguesa de Autores, será importante assinalar que alguns investigadores brasileiros se têm debruçado sobre a obra de Manuel da Fonseca, sobretudo no meio universitário, ao que julgo saber, pelo que não se pode afirmar que seja desconhecida no Brasil, o que alguns poderiam concluir precipitadamente do que temos vindo a dizer. Seria interessante no futuro tentar fazer um cômputo dos trabalhos produzidos no Brasil sobre o nosso compatriota, tal como dos publicados em Portugal e noutros países. No fim deste texto, deixamos os links para dois desses trabalhos, um deles já referido na crónica publicada aqui, em A Viagem dos Argonautas, em 7 de Junho de 2014.

Entretanto, a propósito, refere-se que na obra de Manuel da Fonseca é possível detectar influências de diversas origens. Perfilho a opinião de que foram muito variadas, e logo desde o início da sua carreira. E que se trata de uma matéria que vale a pena aprofundar. Não só para conhecer melhor a obra do escritor, mas também no interesse da própria literatura portuguesa.

No que respeita à poesia, Manuel Simões, em “García Lorca e Manuel da Fonseca – Dois Poetas em confronto” analisou as influências exercidas pelo poeta andaluz sobre a poesia portuguesa da geração de 40, e particularmente sobre o autor de Rosa dos Ventos,inserindo-as nas relações entre Portugal e o reino espanhol e no ambiente da época anterior à Segunda Guerra Mundial, quando a ditadura esmaga o nosso país e a Guerra Civil destrói a democracia no reino espanhol. É curioso entretanto assinalar que, em 1938, sai n’O Diabo o poema Hans, O Marinheiro, dedicado a Jorge Amado, e obviamente motivado pela leitura de Jubiabá, romance publicado em 1935. Em 1942 é publicado o livro de contos Aldeia Nova, assim como o romance Cerromaior. Entretanto diversos autores têm feito o paralelo entre a literatura brasileira nordestina e os autores neorealistas portugueses, discutindo as possíveis influências.

No prefácio da edição de 1984 de Aldeia Nova, Manuel da Fonseca diz que escreveu os contos que integram a obra a partir do fim dos anos 20 até ao fim da década de 30. Não é excessivo pensar que, sendo reconhecidamente um espírito livre, pouco afeito a sistemas, como o comprovam várias declarações dos seus amigos, e não só, tenha estado sempre atento a diferentes influências. Em Aldeia Nova, e mais ainda em O Fogo e as Cinzas, segundo livro de contos publicado já na década de 1950, e também no romance Seara de Vento, podem-se denotar influências da literatura brasileira nordestina, com destaque para os contos Campaniça, de Aldeia Nova, e Meio pão com recordações, de O Fogo e as Cinzas, este último centrado em Amanda Carrusca, uma das figuras com presença em várias das suas obras. O aprisionamento, digamos assim, dos personagens das histórias que Manuel da Fonseca conta no espaço em que vivem, será um dos aspectos que o aproxima dos escritores nordestinos, como Graciliano Ramos. Claro que o neo-realismo (Manuel da Fonseca preferia dizer que seguia o realismo dialéctico) tinha de ter em conta o meio ambiente das populações cuja vida pretendia contar. Mas neste ponto não se pode omitir o gosto que tinha por Jack London, contador de histórias (por exemplo, To Build a Fire e The Law of Life) de homens e animais, decorridas em mundos os mais diversos. Sobre este tema do aprisionamento, e do cerceamento do sujeito, será de mencionar o prefácio de Mário Dionísio à Obra Poética, salvo erro de 1969, publicado com a 7ª edição da obra, em 1984, e que é referido pela professora Michelle Dull Sampaio Beraldo Matter, em “Bichos no Fojo”, sob a “Luz do Sol” em “Campos Abertos de Espanto e Sonho”: Imagens de Aprisionamento e de Ruptura na Obra de Manuel da Fonseca, no n.º 6 da revista Nova Síntese, da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo, Edições Colibri, 2012, que integra as comunicações apresentadas no Congresso “Manuel da Fonseca – Por Todas as Estradas do Mundo”, realizado em Outubro de 2011.

Ainda sobre as influências que terá tido Manuel da Fonseca, na sua obra, será de referir o que diz José Manuel de Vasconcelos, também no número 6 da revista Nova Síntese, ao estabelecer um paralelismo, no artigo Manuel da Fonseca e o Neo-Realismo Italiano (Cerromaior, Fontamara e Outros Romances Rurais Italianos dos anos 30 e 40) entre os romances de Ignazio Silone e Manuel da Fonseca referidos no título. Não tendo como certo que o escritor português conhecesse a literatura italiana dos anos 30 e 40, José Manuel de Vasconcelos faz a comparação entre Cerromaior e Fontamara, assinalando as diferenças e as semelhanças. Assinala que ambos os romances decorrem em ambientes rurais, “locais irremediavelmente fechados e opressivos, de paisagens asfixiantes, marcados pela miséria extrema e pela polarização dos interesses entre os latifundiários e suas sombras…”. Estão também presentes “as terríveis condições da ruralidade sob regimes fascistas, o papel de tampão das autoridades civis, policiais e religiosas, e a violência desmedida…”. Esta analogia das condições políticas e ambientais (estas também referidas por José Manuel de Vasconcelos) terão tido assim grande peso na elaboração dos romances, daí as semelhanças detectadas. Parece-me correcta esta opinião.

Mas perante um conto de O Fogo e as Cinzas, A Testemunha, julgo estarmos perante uma outra situação, também digna de análise. É a história de um crime de morte. Manuel da Fonseca, no prefácio da 9º edição, informa-nos que se inspirou numa notícia saída no jornal O Século. E que um comentador literário de outro jornal teria referido a semelhança entre o seu conto e outro, Tragédia Rústica, de Artur Portela, pai, publicado pouco tempo antes. Convém dizer que nunca se terá levantado abertamente a acusação de plágio. O que é de referir é que se trata de uma história invulgar, contada de uma forma concisa, económica, de grande eficácia, atingindo um grau de dramatismo e de suspense inacreditáveis, ficando claro quem matou quem, mas deixando o leitor na dúvida sobre quem premeditou a emboscada, e quais seriam as intenções reais dos intervenientes, sobretudo de A Testemunha, a qual, à primeira vista, não seria interveniente no crime. Ocupando dez páginas de texto, conta-nos um drama violentíssimo, muito bem inserido nos conflitos do meio social e físico envolvente, que parece ser localizado no Alentejo. Contudo, poderia perfeitamente, com poucas alterações, desenrolar-se noutra região do mundo onde predominem condições semelhantes. Julgo estarmos perante um texto apto a servir de base a um argumento de um filme do chamado cinema negro. Ressalta a grande versatilidade do autor, que consegue um tratamento tão adequado de um tema muito difícil, que outro, mesmo de boa craveira, teria precisado de um número muito maior de páginas para contar a história. Também terão sido importantes o gosto de Manuel da Fonseca pelo cinema, e a facilidade com que conseguia, nos seus textos, transmitir imagens muito vivas.

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http://sinop.unemat.br/projetos/revista/index.php/norteamentos/article/view/1187

http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/rmbergamasco.pdf

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