Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
UCRÂNIA – VIOLÊNCIA E DÚVIDAS SOBRE A CREDIBILIDADE DUMAS CONTURBADAS ELEIÇÕES JÁ PRÓXIMAS
Violence and Doubts About Credibility as a Troubled Ukraine Election Nears
SABRINA TAVERNISE and ANDREW ROTH, New York Times, 22 de Maio de 2014
Um campo perto de Blahodatne, Ucrânia. Um ataque a um posto de controle militar na manhã de quinta-feira fez pelo menos 16 soldados ucranianos mortos.
DONETSK, Ukraine — Quando dois homens armados na tarde de quinta-feira invadiram uma pequena sala de aulas que serve como escritório improvisado das eleições dirigido por Mashenskaya, ela levantou-se rapidamente e começou a discutir com eles. Mas quando um deles, usando óculos escuros, acariciou a faca que estava pendurada à sua cintura, ela parou de falar e entregou o controle de seu centro de sondagens .
“Isto é um argumento e eu não posso ganhar ,” disse ela .
Enquanto que a Ucrânia se arrasta para uma eleição presidencial no próximo domingo, as primeiras eleições nacionais depois de um levantamento ter derrubado o governo, a conturbada parte leste da Ucrânia emerge como um risco muito sério nas eleições e para o futuro do país.
Uma nova explosão de violência, das piores nos últimos meses, deixou pelo menos 16 soldados ucranianos mortos, na quinta-feira, dando uma nova vida ao conflito que até aí já parecia ser um conflito em fase de tensão decrescente , apenas a três dias antes das críticas eleições com as quais os governos ocidentais esperam fazer sair o país da situação de agitação violenta e colocá-lo numa situação de relativa segurança política.
Contudo a emboscada de um ponto de verificação militar ucraniano foi um grande revés para as autoridades em Kiev e sugere que haja um impulso renovado para aqueles que se opõem frontalmente contra Kiev após semanas de descontentamento popular crescente entre as pessoas normais aqui e devido também à existência de divisões cada vez mais rancorosas entre os seus líderes.
O ataque complica uma situação já problemática. Observadores das eleições locais estimam que apenas cerca de um décimo das assembleias de voto poderão abrir as urnas no dia das eleições na região de Donetsk — o distrito de maior peso eleitoral no país, com cerca de 10 por cento da população — o que necessariamente mina a credibilidade da votação. Os observadores ocidentais têm acorrido em grande número para a Ucrânia, mas até agora a maioria deles optaram por evitar as áreas leste que são controladas por combatentes pró-russos.
Temendo os sequestros de estrangeiros, as autoridades locais não se estão a opor.
“Eu recomendei que não viessem” disse Valeriy Zhaldak, um assistente do governador de Donetsk, referindo-se aos observadores estrangeiros. “Nós estamos felizes ao vê-los aqui, mas isto pode acabar por ser uma grande dor de cabeça para todos nós. .”
”O sul e o leste compõem quase que metade da população do país — uma parte crucial da voz colectiva da Ucrânia. Mas as pessoas aqui estão em confronto político profundo sobre um país de que uma grande parte deles ainda quer fazer parte mas que de certa forma não o reconhecem já como sendo o seu próprio país.
“Tem-se aqui esta enorme corrente do descontentamento no sul e no leste que não aceita a legalidade de Kiev, mas não tem uma opção alternativa,” disse Keith Darden, um cientista político na universidade americana em Washington. “Esta é a principal história e não é, na verdade, nada claro como é que irá terminar. .”
O líder deposto, Victor F. Yanukovych, era natural da zona leste do país , e poucos aqui têm alguma afeição por ele. Vários dos actuais candidatos são provenientes do leste e do Sul, mas estão fortemente associados com Kiev e têm muito pouco apoio dos eleitores aqui.
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Foto .Credit Ivan Sekretarev/Associated Press
Uma emboscada mortal sobre os soldados do governo no leste da Ucrânia adicionou-se aos medos que a votação no domingo naquela parte do país poderia estar comprometida, fazendo com que aumentem as dúvida sobre os resultados.
Mais de 60 por cento das pessoas na Ucrânia oriental estão ou indecisos ou não pensam votar nas eleições, de acordo com uma sondagem recente feita pelo instituto internacional de Kiev de Sociologia.
“Não há ninguém para votar ,” disse um treinador de rugby de 21 anos chamado Daniel. “Ninguém gostava de Yanukovych— O.K. — mas este foi legalmente eleito. Porque é que não quiseram então esperar,” perguntou ele, pelas próximas eleições, que estavam marcadas para Março de 2015.
A emboscada do posto de controle militar aconteceu pouco antes do amanhecer numa estrada perto da cidade de Blahodatne, cerca de uma hora de carro de Donetsk. Os militares disseram que os militantes atacaram o posto de controle com armas automáticas e granadas antes de fugirem em vários veículos, incluindo carros blindados.
Um porta-voz do governador regional de Donetsk, citando o departamento de saúde, disse que tinham sido mortos 16 soldados ucranianos. Aleksandr Bezugly, o médico chefe do hospital em Volnovakha nas proximidades, disse que tinham sido hospitalizados mais de 20.
Um motorista a caminho do hospital disse que três corpos ficaram gravemente queimados em torno do pescoço e da cabeça. Um carro de assalto queimado foi encontrado ao lado do posto de controlo militar, disse o motorista do hospital, que se identificou somente como Nikolai.
“Provavelmente eles estavam a dormir no veículo blindado quando foram atacados,” disse ele, comendo um sanduíche na garagem do hospital. “E queimaram-nos.”
Um soldado ucraniano situado ao lado de um caminhão destruído na quinta-feira onde se deram os combates, perto da aldeia de Blahodatne, no leste da Ucrânia. Credit Ivan Sekretarev/Associated Press
Residentes em Olginka, uma aldeia de casas e quintas disseram que tinham ouvido tiros antes do amanhecer, mas não poderiam afirmar quem tinha atacado o posto de controle. O ponto de verificação tinha aparecido na estrada secundária no começo dessa semana, e várias mulheres da vila disseram que elas tinham levado aos soldados água e salo, uma forma de banha bastante popular na Ucrânia,.
Klavdia Kulbatskaya, um porta-voz para a República Popular de Donetsk, disse que a república não esteve envolvida no ataque, e a identidade dos atacantes permanece em discussão.
A lnotícia rebentou quando, pela primeira vez, Anders Fogh Rasmussen, secretário-geral da NATO apresentou uma cautelosa e qualificada confirmação de que Moscovo se poderia estar a preparar para recuar algumas das suas forças das áreas perto da fronteira com Ucrânia.
Mas as autoridades de Kiev continuaram a acusar Moscovo pela agitação. O Primeiro-ministro interino da Ucrânia, Arseniy P. Yatsenyuk, acusou a Rússia de escalada do conflito e de tentar perturbar a eleição de domingo, de acordo com um comunicado colocado no Facebook.
Os observadores do processo eleitoral em Donetsk ofereceram avaliações fortemente pessimistas, para não dizer sinistras. Sergey Tkachenko, director em Donetsk do Comitê dos eleitores de Ucrânia, um grupo não lucrativo que monitoriza as eleições, disse que aproximadamente oito comissões eleitorais tinham sido apropriadas por militantes na região de Donetsk, e o trabalho em inúmeros centros de sondagem não tinham sequer começado, com o medo de serem ameaçados, incluindo alguns em Mariupol, uma cidade do sul onde as patrulhas de trabalhadores reduziram fortemente a influência dos separatistas
“O caos chegará aqui”, disse o senhor Tkachenko, desenhando uma linha sobre a sua garganta, com o dedo indicador.
A senhora Mashenskaya, a trabalhar nas sondagens , tinha trabalhado durante semanas para manter o seu centro de sondagens aberto. Não tinha recebido nem salário nem materiais de votação depois de um incidente anterior, envolvendo homens com máscaras que invadiram o seu escritório. Então ela comprou o seu livro de registo oficial numa loja de material de escritório, trouxe papel e lápis de casa e pedi panos para fechar as cabines de votos .
O seu entusiasmo resulta menos de um amor pelo processo democrático e mais devido ao medo do que naquilo em que o seu país se possa transformar sem ele.
“Nós somos como uma mala sem uma alça — tem alguma coisa lá dentro, mas não nenhuma maneira de a levar seja para onde for,” disse a senhora Mashenskaya, que é uma psicóloga. “Eu sei que irão eleger alguém que vai nos dar uma grande dor de cabeça. Mas se não há nenhuma eleição, ficamos presos neste beco sem saída.”
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Ver:
http://www.nytimes.com/2014/05/23/world/europe/ukraine.html?_r=0
Sabrina Tavernise reported from Donetsk, and Andrew Roth from Volnovakha, Ukraine. Alisa Sopova contributed reporting from Donetsk; David Herszenhorn from Kiev, Ukraine; and Neil MacFarquhar from Moscow.