MUNDO CÃO – Médio Oriente à beira de gravíssima crise – por José Goulão

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Mapa original de The Guardian

A confluência de vários conflitos, agravados com novas incidências nos últimos dias, abre perspectivas de uma brutal e generalizada onda de violência no Médio Oriente. Os mistérios que envolvem a rápida progressão do terrorismo islâmico sunita no Iraque e a reacção anti-palestiniana de Israel a propósito do rapto provocatório de rês jovens israelitas são prenúncios tempestuosos para as próximas semanas.
O Exército Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) continua a sua progressão dentro do Iraque, em direcção a Bagdade, mas este fulminante avanço militar está cada vez mais rodeado de mistérios, não apenas associados aos fortíssimos apoios de que o grupo dispõe como em relação aos verdadeiros objectivos da operação.
“Ao mesmo tempo que procura solidificar posições no Curdistão iraquiano e nos territórios conquistados até Samarra, a 150 quilómetros de Bagdade, o EIIL reforça-se na Síria – este é um dado relevante e pouco comentado”, afirma John McGuire, analista das questões militares do Médio Oriente relacionadas com o terrorismo islâmico. “Síria ou Iraque? Qual a prioridade deste grupo sunita?” – interroga-se o analista de Nova York. E revela que o EIIL está a levar para a Síria muito do material de guerra pesado, incluindo um helicóptero de assalto, capturado ao exército iraquiano durante a ofensiva dos últimos dias.
O EIIL controla actualmente uma importante faixa do Nordeste da Síria, que engloba as cidades de Raqqa e Deir al Zawr, grande parte do Curdistão Iraquiano, incluindo a capital, Mossul, e as regiões de Ninive e Ambar, até Faluja, no Iraque. Nesse imenso território transfronteiriço situam-se grande parte dos recursos petrolíferos do Iraque e da Síria, além de refinarias estratégicas deste país.
“Qual é o jogo do EIIL e qual o jogo dos que jogam com ele, incluindo o poder norte-americano?” – questiona-se John McGuire. O analista não tem dúvidas de que “apesar das muitas cortinas de fumo, neste caso melhor dizendo nuvens de areia, com que os poderes norte-americanos tentam encobrir o processo”, as cumplicidades de Washington com grupos terroristas islâmicos “estão activas hoje como praticamente sempre estiveram”. Chamem-se Al-Qaida ou Exército Islâmico, “essas são questões meramente conjunturais, conforme as conveniências e estratégias”, disse McGuire.
“A verdade é que depois de ter assumido a personalidade que a Al-Qaida tinha no Iraque, o Exército Islâmico do Iraque e do Levante tomou conta das principais posições que o grupo ligado à Al-Qaida na Síria, o Al-Nusra, tinha em seu poder”, afirma Nour Eliot, uma jornalista libanesa de origem síria residente em Beirute. “Seria ingénuo interpretarmos estas transformações como simples frutos de ajustes de contas; elas correspondem muito mais a reorganizações estratégicas e redefinições de objectivos dos seus apoiantes externos”.
E quem são os principais “e mais fiéis” apoiantes externos do terrorismo sunita? Nour Eliot citou-os de cor: Arábia Saudita, Qatar, Turquia, Jordânia, Estados Unidos da América, Reino Unido e França.
“Esta súbita afirmação de poder do EIIL corresponde a uma fase de intensos contactos diplomáticos – e até gigantescas manobras militares na Jordânia – entre os países citados, e no quadro da qual os Estados Unidos têm forçado uma aproximação entre a Arábia Saudita e o Irão”, afirma Nour Eliot.
“Esta aproximação pode ter um objectivo muito actual, mas talvez até transitório”, acrescentou: “A situação no Iraque”.
Ou seja, explica a jornalista libanesa, “os Estados Unidos tentam resolver a questão do governo libanês em torno do xiita Maliki, contando para isso com o beneplácito do Irão e da Arábia Saudita. Uma vez consolidada esta opção em Bagdade, o esforço seria no sentido de compatibilizar a coexistência do governo iraquiano com uma componente sunita representada pelo EIIL”.
Em defesa da sua tese, Nour Eliot enumera três factos: “a senhora Clinton disse que o governo de Maliki só terá legitimidade em Bagdade se não for sectário, isto é, terá de agregar sunitas aos xiitas e curdos; o presidente Obama continua a não anunciar qualquer decisão militar, mantendo todas as hipóteses em aberto; e os movimentos militares americanos em desenvolvimento, como a colocação de um porta-aviões no Golfo, tanto podem servir para fazer crer num ataque contra o EIIL como para outra coisa na região”.
Essa outra coisa poderá ser “uma nova estratégia de guerra contra a Síria sob a capa do Exército islâmico do Iraque e do Levante”, admite Nour Eliot.
Em Jerusalém existe também a noção de que uma desestabilização acrescida do Médio Oriente está em curso, podendo passar por uma nova fase do conflito sírio depois de o regime de Assad ter reforçado a sua influência, tanto militar como política.
“A resposta de Netanyahu ao rapto de três jovens na região crítica de Hebron é a esperada, mas a escolha da Autoridade Palestiniana como alvo único a atingir tem um significado muito importante”, segundo um analista político de uma rádio israelita.
“Provocações como este rapto de jovens costumam ser prenúncios de graves crises”, acrescentou o comentador. “Neste caso”, prosseguiu, “o governo de Israel prepara-se para desmantelar à nascença o governo palestiniano de unidade nacional – não passa em claro a acusação de Netanyahu a Ramallah de dar cobertura a terroristas – objectivo que será mais cómodo se tiver diversão mediática de outros acontecimentos de peso na região, como poderá ser o agravamento da guerra na Síria”.

José Goulão com Charles Hussain, Beirute, Martha Ladesic, Nova York, Sara A. Oliveira, Jerusalém

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