Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Financeirização no Brasil: « um tigre de papel, com dentes atómicos »?
Pierre Salama, Attac, 23 de Maio de 2014
Financiarisation au Brésil : « un tigre en papier, avec des dents atomiques » ?
Parte II
(continuação)
…
B. O que é que se entende por desindustrialização precoce?
Passada uma certa fase de desenvolvimento, é habitual constatar uma baixa relativa por parte do sector industrial no PIB a favor de um maior crescimento dos serviços, sem que para tanto haja necessariamente desindustrialização. O termo de desindustrialização em geral é reservado a uma baixa absoluta do valor acrescentado da indústria e/ou uma redução relativa do peso da indústria nacional na indústria mundial em economia aberta. Esta desindustrialização não se observa na Ásia mas constata-se na maior parte das economias avançadas, na sequência das numerosas deslocalizações e o rompimento geográfico da cadeia de valor. Na América Latina, e mais particularmente no Brasil, este fenómeno tem tendência a intervir muito mais cedo que nos países avançados, daí o recurso à noção “de desindustrialização precoce”. Diz-se com efeito que esta é precoce quando o rendimento per capita no início deste processo corresponde a metade do dos países avançados no momento em que começa a sua desindustrialização.
Para além do sucesso de alguns sectores industriais como a aeronáutica, o automóvel, a indústria petrolífera, etc., a desindustrialização desenvolveu‑se nos anos 2000 no Brasil. Ao contrário dos países avançados, a desindustrialização não é o produto de deslocalizações massivas mas sim uma destruição parcial do tecido industrial. Traduz ao mesmo tempo a perda de competitividade da indústria brasileira e o nível muito insuficiente das infra-estruturas (caminhos de ferro, portos e aeroportos, estradas), ou mesmo acessos à energia.
A fim de evitar confusões, é importante precisar o que se entende aqui por “indústria” e de precisar o seu perímetro. Em certas apresentações, a indústria é composta pela indústria transformadora, a construção civil, as indústrias extractivas mineiras, a captação e distribuição da água, do gás e da electricidade. Noutros, só as duas componentes são consideradas: a indústria transformadora e as indústrias extractivas. Estes dois últimos não têm nem o mesmo peso, nem a mesma evolução como se pode ver no quadro e no gráfico seguinte (fonte: Carta IEDEI):
Tanto a indústria extractiva cresce rapidamente de 1995 à 2012, tanto a indústria de transformação cresce ligeiramente, apenas de 25 % entre estas duas datas. Por último, de acordo com outras apresentações, o perímetro da indústria pode ser limitado ao da indústria de transformação. O estudo da desindustrialização considera unicamente a indústria de transformação.
O peso relativo da indústria de transformação no PIB reduz-se. O exemplo do Brasil é emblemático. A parte da indústria de transformação na indústria de transformação mundial (em valor acrescentado) é 1,8 % em 2005, seguidamente 1,7 % em 2011 depois de ter sido 2,7 % em 1980, de acordo com o banco de dados da UNCTAD (2013). De acordo com a mesma fonte, na China, esta parte era de 9,9 % em 2005 e de 16,9 % em 2011 enquanto que na Índia era de 1,6 % e 2,1 % respectivamente. O peso da indústria de transformação reduz-se relativamente no Brasil, enquanto cresce fortemente na China e aumenta ligeiramente na Índia.
Assim como se pode observar no gráfico abaixo, o aumento da procura das famílias, gerado pelo aumento dos salários reais, pelo aumento do emprego e pelo desenvolvimento do crédito ao consumo, não se traduz por um aumento da produção industrial nacional. Esta é satisfeita por um aumento das importações.
Source: Luiz Fernando de Paula, André de Melo Modenesi e Manoel Carlos de Castro Pire (2013) : « A Tela do Contágio das Duas Crises e as Respostas da Política Econômica », p. 74, in A Economia Brasileira na Encruzilhada, publié par l’Associação Keynesiana Brasileira.
O aumento das importações de produtos industriais é igualmente o resultado da procura das empresas. Produtos intermédios, semi-acabados, bens de equipamento que não são produzidos localmente devido ao seu grau de tecnicismo, ou que são produzidos mas um preço superior ao proposto pela concorrência internacional, daí passarem a ser importados. A apreciação da moeda nacional favorece estas importações na medida em que o seu preço em moeda nacional se torna mais fraco. Esta vantagem do câmbio para as empresas fortemente importadoras é acaparada, pelo menos parcialmente, por estas . Este efeito benéfico inesperado traduz-se assim por uma melhoria das margens de lucro.
O coeficiente de penetração das importações na indústria de transformação aumenta (ver gráfico abaixo). Duplica nestes oito últimos anos. Assiste-se por conseguinte a um processo “de de-substituição das importações”, uma parte crescente do valor acrescentado deixa de ser produzida localmente para passar a ser importado, o inverso portanto do que acontece com a substituição de importações.
Source : IPEADATA in Jose Luis Oreiro (2013) : « A macroenomia da estagnação com pleno emprego no Brasil », p. 80 in A Economia Brasileira na Encruzilhada, publié par l’Associação Keynesiana Brasileira.
(continua)
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