O SILÊNCIO E O MEDO por Luísa Lobão Moniz

olhem para  mim

Vive-se um tempo de denúncias sem fundamento, ou se o têm, os denunciados são tratados como culpados. Há quem os ponha ” na prateleira”, mas também quem se sirva de argumentos, sem nexo, como investigar a vida privada. Que como se privado quisesse dizer público quando convém denunciar alguém.

Por vezes, estas situações acontecem a pessoas competentes, dinâmicas, criativas, cultas…que levam para o seu local de trabalho a alegria da divulgação cultural, dentro e fora das suas paredes e até para além das fronteiras geográficas.

Não se pode saber tudo, principalmente quem está vocacionado para dirigir, organizar em termos de eventos culturais ou de educação. E aqui falo de toda a burocracia que esta função exige, por isso, é preciso ter uma boa equipa de trabalho habilitada para ir acompanhando, em termos administrativos, o que é possível fazer-se ou não, quais os procedimentos, para que não se cometa nenhuma ilegalidade, que por vezes até nem a é, mas que pode suscitar dúvidas.

Quando o trabalho é feito com entusiasmo e transparência, não se pensa se se está a cometer alguma ilegalidade, para isso serve a equipa administrativa que tem, ou deveria ter, capacidade e conhecimento para propor alternativas, pensa-se no evento em si, na sua qualidade e no que irá representar para quem o usufrui, pensa-se nas pessoas que estão envolvidas. Pensa-se em dar apoio afectivo em que está a trabalhar para o mesmo evento, mas noutras áreas.

O que muitas vezes acontece, quando se está a ocupar cargos de Direcção, e se começa a ter visibilidade, e reconhecimento positivo, começa-se também a criar alguns anti corpos dentro da nossa equipa.

E como sabemos, o ser humano facilmente se torna invejoso e usa o seu pequeno poder para afastar quem dá vida à vida, e começa a tornar difícil a dinâmica da Direcção, pondo em causa procedimentos que ele próprio poderia ter corrigido em tempo útil, mas não, prefere a “guerra das conversas de corredor”, que vale o que vale, até que o incómodo chega às chefias.

E começa o ambiente kafkiano:

Já não se sabe o que vai acontecer no dia seguinte, convocam-se reuniões, essas, sim, comprovadamente ilegais porque não têm convocatória nem ordem de trabalho, pois o objectivo é intimidar, é acusar sem provas, por vezes até se forjam actas. Depende do carácter de quem se sente “ultrapassado” pela competência, nunca posta em causa pelos seus iguais nem por aqueles de quem se tem em consideração a sua opinião.

A motivação, para continuar a dar vida à vida cultural ou à educação, começa a esmorecer ou a ficar cada vez mais forte. Neste processo tudo o que se faz é passível de ter algum relatório para os superiores, ou para a comunicação social.

Mas ninguém pode proibir que o sentimento se misture com a actividade profissional e o denunciado queira sair porque se sente traído, levando a alma cheia com o trabalho que fez, a alma cheia da amizade dos amigos. Naturalmente, cria novos projectos com os quais se vai envolver com a mesma “garra”, segue em frente já fora da sua segunda casa, no entanto, há quem prefira ficar até que que se sinta reabilitada das difamações.

Depende dos casos e das pessoas, ambas as atitudes são válidas e devem ser acarinhadas porque corajosas. É preciso seguir em frente, atravessar o acidente de percurso vida profissional.

Muitas têm sido as pessoas que têm passado por este processo, que às vezes parece não ter fim, que a justiça não resolve com a celeridade que estas situações merecem.

 É bastante doloroso, emocionalmente, prejudica a vida pessoal de quem vive angustiado e que se pergunta todos os dias, ” mas porque me fizeram estas acusações, se poderiam ter falado comigo?”.

Eu já passei por uma situação semelhante a esta que aqui descrevo e, por isso, sei do que estou a falar e gostaria muito que fizesse parte da nossa interioridade a capacidade de auto regular a nossa reacção contra pessoas, que em vez de aprenderem com quem mais sabe, preferem criar uma corrente de mal-estar para todos, inclusive para elas próprias.

Já que estamos no ano das comemorações do 40ª aniversário do 25 de Abril, que nos trouxe a liberdade de expressão, quero dedicar este texto a todos e a todas que passaram ou estão a passar por processos idênticos e, particularmente, a quem não tolera a injustiça e sabe ser generosa com os outros, enaltecendo, por vezes, o reconhecimento positivo do outro. Eu fui uma das pessoas que mereceu a sua solidariedade.

Esse alguém, se ler este texto, sabe que o escrevi por amizade e reconhecimento do seu meritório trabalho profissional.

Não é o 25 de Abril que pode acabar com personalidades mesquinhas, com mundos pequeninos e com os processos Kafkianos. Mas foi o 25 de Abril que nos trouxe a liberdade de os denunciar e de os combater, de frente, de cabeça erguida, para que o medo não se instale novamente.

E vieram-me à memória três livros,

 ” Processo de Kafka” de 1920, em que o personagem quando acorda é acusado, não sabe de quê, é preso e interrogado de um crime não revelado. A falta de humanidade faz-nos questionar os costumes e as atitudes pouco lícitas, na vida quotidiana, praticadas por quem não tem coluna vertebral.

“Mil novecentos e oitenta e quatro”, de G. Orwell, com o seu Big Brother is watching you, dos anos quarenta, que nos mostra como uma sociedade, é capaz, de oprimir qualquer um.

“A Instalação do medo”, de Rui Zink, publicado, em 2012, em que somos confrontados com a violação da privacidade. Não são precisos megafones nem autofalantes para que o medo se instale, ele vem devagarinho, espalha-se facilmente e quem o silenciar enfraquece a liberdade.

medo

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