O GUIÃO DE PAULO PORTAS E DO GOVERNO PARA DESTRUIR O ESTADO E PARA O TRANSFORMAR NUM “ESTADO MÍNIMO” – I – por EUGÉNIO ROSA

O GUIÃO DE PAULO PORTAS NÃO É PARA “UM ESTADO MELHOR” MAS SIM PARA DESTRUIR O ESTADO E PARA O TRANSFORMAR NUM “ESTADO MÍNIMO”

Uma reflexão inicial, que é necessário ter sempre presente para depois não se ter surpresas desagradáveis, e que serve também de contextualização a este estudo.

Quando se fala em “Estado mínimo”, ou em “Estado menos pesado” para utilizar as palavras de Paulo Portas, o que está em jogo é a capacidade do Estado em prestar mais e melhores, ou menos e piores serviços essenciais de qualidade à população (educação, saúde, segurança social, controlo e regulação dos grupos económicos, etc.). Muitas vezes defende-se menos Estado, e um Estado mais pequeno, esquecendo-se que assim se tem menos serviços essenciais acessíveis para toda a população, que é um instrumento importante de combate às desigualdades e ao arbítrio dos grupos económicos e financeiros. Por ex, desde de 2006 que a Administração Pública, como consequência das politicas seguidas, perdeu 102.000 trabalhadores (professores, médicos, enfermeiros e muitos outros profissionais). Quando isso aconteceu muitos não protestaram, até acharam que isso foi uma boa coisa porque reduziu a despesa pública, mas quando têm menos e piores serviços públicos de educação, saúde, segurança social e menos controlo da ação exploradora do grupos económicos, protestam e insurgem-se esquecendo que isso a consequência inevitável de terem um Estado com menos trabalhadores, de um “Estado mínimo”, de um “Estado menos pesado” para utilizar as palavras enganadoras e manipuladoras de Paulo Portas. Isto não tem nada a ver com necessidade do Estado utilizar de uma forma eficiente e eficaz os recursos que dispõe. Tudo isto é necessário ter presente para compreender os verdadeiros objetivos do documento “Um Estado Melhor” (a frase é enganadora e tem mesmo esse objetivo, ou seja, enganar e manipular a opinião pública) de Paulo Portas e do governo PSD/CDS. Feito este enquadramento torna-se de mais claro  o que a seguir se vai escrever.

 “ UM ESTADO MELHOR” : o guião de Paulo Portas e do do governo para destruir o Estado e transformá-lo num “Estado Mínimo”

O governo, através de Paulo Portas, apresentou com pompa e circunstância um extenso documento com 96 páginas a que chamou “Um Estado Melhor” mas que, com propriedade, se deve designar por guião para “A Destruição do Estado visando transformá-lo num Estado mínimo” o que, a concretizar-se, por um lado, deixaria ainda mais livre os grupos económicos para atuarem livremente explorando ainda mais os portugueses e, por outro lado, agravaria mais a insegurança e as desigualdades que já existem no país, assim como as condições de vida da maioria dos portugueses pois como serviços públicos essenciais passariam para a gestão e exploração de privados só passariam a ter acesso a eles quem os pudesse pagar.

Embora mais à frente se faça uma análise detalhada do documento do governo para todos aqueles que estejam interessados em conhecê-lo mais em pormenor (reduzimos as 96 páginas a 8 páginas referindo apenas o essencial e eliminando a “palha” que está nele apenas para ocultar os verdadeiros objetivos); repetindo, embora o leitor encontre mais à frente uma análise mais detalhada, vamos referir alguns aspetos do documento que provam que ele é mais um “Guião para destruir o Estado e para o transformar num Estado mínimo”, do que um guião para “Um Estado Melhor”.

Assim, o governo pretende fazer: (1) Uma reforma da função inspetiva do Estado para tornar o Estado menos pesado na economia (pág. 37); (2) Um novo “PREMAC” dirigido tanto à Administração direta como indireta do Estado com base numa avaliação custo-benefício dos organismos que podem ser extintos (pág.40); (3) Um programa equivalente para as Administrações regionais e locais (pág.40); (4) Agregar municípios (pág.40); (5) Evitar novas PPP (pág. 42), mas não reduzir os custos das atuais; (6) Reduzir as Forças Armadas e as forças de segurança aplicando o ratio europeu em relação a agentes, guardas e civis ao serviço (pág. 45); (7) Promover a concentração das entidades reguladoras (págs.46-47); (8) Pôr em marcha um processo sólido de recapitalização das empresas privadas (pág.50), naturalmente à custa do Estado; (9) Reestruturar as empresas de transportes públicas para acelerar uma forte politica de concessões, ou seja, privatizá-las (pág. 54); (10) Reestruturar o setor de águas ponderando a sua concessão, ou seja, a sua privatização, e passando a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) a centrar a sua atividade apenas na fiscalização e regulamentação (pág.56); ou seja, caberia aos privados a exploração do setor das águas.

Em relação à educação, de acordo com o guião que apresentou, o governo pretende: (11) Reorganizar a rede escolar e aplicar uma rigorosa racionalização dos recursos humanos (pág.56-57), o que só pode significar fecho de muitas mais escolas e mais despedimentos de professores e de outros profissionais da educação; (12) Robustecer a liberdade de escolha das famílias (pág. 58), o que só pode significar a possibilidade de optarem pelo ensino privado mas pago com fundos públicos; (13) Criar escolas independentes geridas por comunidades de professores mas financiadas pelo Estado; (14) Um novo tipo de contrato de concessão a privados, financiado também pelo Estado, agora alargado mesmo a regiões onde haja oferta pública mas desde que os resultados escolares sejam insatisfatórios (pág.60); (15) Um novo Estatuto do Ensino Particular, naturalmente para o apoiar com maior financiamento público; (16) Introduzir gradualmente o cheque-ensino visando o reforço da liberdade de escolha das famílias, ou seja, a possibilidade de optarem pelo ensino privado mas pago pelo Estado (pág.60); etc..

Em relação à Segurança Social, o governo pretende: (17): Introduzir a contribuição de sustentabilidade, que é um fator de corte permanente das pensões (só em 2015, de acordo com as estimativas do governo, reduziria o rendimento dos pensionistas em 372 milhões €): (18) Criar um fator de equilíbrio para limitar a atualização das pensões (pág.67); (19) Nomear uma comissão de reforma da segurança social com  objetivo de introduzir o plafonamento, o que destruiria a Segurança Social com as caraterísticas que tem hoje; (20) Estabelecer a atualização anual apenas das pensões mínimas (pág.67), portanto as restantes manter-se-iam congeladas indefinidamente; (21) Alterar novamente o regime (lei)  do subsidio de desemprego, naturalmente reduzindo o tempo a que o desempregado tem direito a receber o subsidio e o valor deste, com a falsa justificação de que só assim é que os desempregados se interessariam em arranjar emprego (pág.68); (22) Privatizar parcialmente a colocação dos desempregados pagando o Estado um prémio às empresas por cada emprego arranjado (pág.69); (23) Contratar com IPSS redes locais de solidariedade, ou seja, mais assistencialismo à custa do Estado; (24); Fazer a concessão de equipamento sociais a privados (pág.70), mais privatizações de bens públicos agora na área social; (25) Fazer a convergência da CGA com a Segurança Social, naturalmente para que a Segurança Social passe a pagar os défices da CGA ficando o Estado liberto de tal responsabilidade (pág.70).

Em relação ao SNS o governo, de acordo com o documento apresentado por Paulo Portas, pretende: (26) Estabelecer acordos estáveis com o setor privado, através de novas parcerias, ou seja, mais negócios para os privados, mas ruinosos para o Estado como tem acontecido; (27) Proceder à cessão da exploração de hospitais, ou seja, privatizar hospitais públicos; (28) Reduzir a barreira à entrada de novos operadores privados de MCDT; (29) Proceder à internacionalização do serviço de saúde; (30) Estabelecer uma nova arquitetura de governação da estrutura funcional do Ministério da Saúde com a separação do financiamento da prestação de cuidados de saúde, naturalmente com o objetivo da regulação ficar no Estado, mas a prestação de serviços de saúde passar para privados embora com financiamento público, que é uma velha aspiração dos grupos económicos que dominam o setor da saúde privada em Portugal; (31) Proceder à reforma do sistema hospitalar, naturalmente com o objetivo de fechar serviços ou mesmo hospitais.

É um verdadeiro programa de destruição do Estado, de transformar o Estado num “Estado mínimo”, ou um “Estado menos pesado”, como gosta de dizer Paulo Portas, com o objetivo de “engordar” os privados, nomeadamente os grandes grupos económicos transferindo para eles serviços públicos financiados quer pelo Estado quer pelos utentes. E quem não tiver dinheiro para os pagar deixará de ter acesso a eles. É o que está em jogo, e não deve ser esquecido.

A REUNIÃO DA CONCERTAÇÃO SOCIAL DE 12.6.2014,

A ESTRATÉGIA DE PAULO PORTAS, E O “ENTALAR O PS”

O governo marcou uma reunião da Concertação Social para o dia 12.6.2014. Nessa reunião esteve Paulo Portas como era previsível, que não fez a apresentação do documento do governo “Um Estado Melhor” nem dos objetivos do governo com ele, mas apenas definiu o que quer que a Concertação Social debata neste momento. E defendeu que fosse apenas duas áreas, a saber: (1) A desburocratização do Estado para as empresas, e não para os cidadãos visando facilitar a vida destes, o que não deixa de ser esclarecedor e significativo; (2) A introdução do plafonamento na Segurança Social.

Em relação ao primeiro ponto – desburocratização- o objetivo é claro: É “aliviar” as empresas de regulamentação e controlo por parte do Estado, com a justificação de que é preciso desburocratizar e reduzir o peso do Estado sobre as empresas assim como os custos para estas (objetivo: um “Estado mínimo” para as empresas, ou um “Estado menos pesado”, como gosta de dizer Paulo Portas para iludir). Em relação ao segundo ponto – introdução do plafonamento – embora Paulo Portas tenha dito que ele só se aplicará aos novos trabalhadores que entrarem para o mercado de trabalho no futuro, e não àqueles que já estão inscritos na Segurança Social, e só poderá ser introduzido quando a economia crescer pelo menos a 2% (e as últimas projeções do Banco de Portugal apontam para um crescimento de apenas entre 1,1% e 1,7% entre 2014 e 2016, o que significa que, com a politica que se pretende seguir, ainda levarão muitos anos para que tal aconteça); repetindo, apesar, segundo o próprio governo, essa medida não poder ser introduzida nos anos mais próximos porque determinaria a destruição da Segurança Social devido à quebra de receitas que provocaria, mesmo assim ele insistiu para que na Concertação Social se iniciasse a sua discussão. E a razão fundamental foi a que o ministro Mota Soares deu a uma intervenção de uma associação patronal que considerava que uma medida daquela natureza só poderia ser introduzida se tivesse o apoio do PS, e que por essa razão seria fundamental envolver o PS. E a resposta do ministro foi esclarecedora, pois ficou clara a estratégia do governo e de Paulo Portas, tendo sido a seguinte:  em primeiro lugar, interessa obter na concertação social a aprovação de tal medida por parte dos patrões e da UGT e, depois, tal como sucedeu com o IRC, aproveitar tal aprovação para “entalar e forçar” o PS a aceitar a introdução do plafonamento logo que isso for possível É uma medida que, embora destruindo a Segurança Social e pondo em perigo o pagamento das pensões, corresponde a uma reivindicação dos grupos financeiros (seguradoras, fundos de pensões). Para além disso enquanto a Concertação Social se entreteria com a discussão de tal medida, o governo ficaria com mãos livres para pôr em práticas as restantes malfeitorias constantes do documento “Um Estado Melhor”.

Infelizmente os membros da Concertação Social aceitaram esta estratégia de Paulo Portas e do governo, tendo sido indiciado a constituição de dois subgrupos de trabalho para analisar a desburocratização do Estado e a introdução do plafonamento, e não o guião de Paulo Portas e do governo para destruir o Estado, e reduzi-lo ao “Estado mínimo”, ou o “Estado menos pesado” de Paulo Portas.

(continua)

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Eugénio Rosa

14-6-2014

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