DÍVIDA ARGENTINA – UM DISCURSO DO SENADOR FEDERAL BRASILEIRO ROBERTO REQUIÃO

Obrigado ao Camilo Joseph

Parte I

Senado Brasileiro

Senado Federal

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O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB – PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senador Paim, sexta-feira, nós vamos ganhar da Colômbia e, no sábado, nós vamos torcer pela Argentina, porque, para nós, a grande satisfação era ter um fim de copa sul-americano. Torcemos sábado pela Argentina para, posteriormente, podermos derrotá-la e viabilizar a vitória brasileira no campeonato.
Sr. Presidente, é sobre a Argentina que eu falarei da tribuna nesta tarde; é sobre a crise que a Argentina vive. O que vale mais, Presidente: a vida ou o dinheiro, Deus ou Mamon, alguns poucos espertos especuladores ou uma população inteira, alguns abutres do capital financeiro ou uma nação soberana, sua história e o seu futuro?
É realmente interessante observar como estas opções se enfrentam com força e radicalidade na quadra histórica mundial. É instigante que seja uma nação sul-americana, a Argentina, não o palco do enfrentamento, pois o teatro desta guerra entre a morte e a vida é planetário, mas que seja em torno dela, de sua soberania, da sua economia, da vida de sua população, que a disputa se estabeleça, e que se estabeleça com um a clareza solar para todos os que queiram ver a realidade e crescer na sua consciência.
Para entendermos o que se passa em torno da crise da dívida Argentina, é preciso trazer ao conhecimento ou à lembrança alguns dados fundamentais. A economia Argentina, Senador Ferraço, foi destruída pelo neoliberalismo comandado pelo ex-presidente Carlos Menem, que aplicou o conhecido receituário neoliberal através do Plano Cavallo, de Domingos Cavallo, então Ministro das Finanças.
Cedeu ao fascínio mortal do dólar, estabelecendo a paridade do peso com o dólar norte-americano em 1991, quando este se encontrava em queda. Em consequência, recebeu um afluxo imenso de capitais especulativos de fundos estrangeiros, fundamentalmente para a privatização e desnacionalização dos serviços de utilidade pública, inclusive a empresa petrolífera nacional, correios, telefonia, gás, eletricidade e água. Menem cumpriu à risca as ordens do chamado ajuste estrutural do Fundo Monetário Mundial, aplicado em todos os países subdesenvolvidos a partir da crise mexicana e consequente moratória em 1982.
A primeira ordem era desvalorizar as moedas e orientar as economias para busca sistemática das divisas necessárias para pagar a dívida. A segunda ordem era enxugar o orçamento para eliminar a concorrência da dívida pública, governo central, priorizando a dívida externa. Em seguida, seria necessário reduzir a demanda interna e privilegiar exportações, privatizar, cortar salários e aposentadorias, tudo para pagar os juros, Senador Paim, dos agiotas internacionais.
Á época, Menem era incensado pela mídia internacional e pelo sistema financeiro mundial como o melhor presidente entre os países em desenvolvimento do mundo, e assim Bill Clinton o chamou e o classificou, tendo chegado – Menem – a dirigir uma sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos. Era um verdadeiro pop star, um garoto-propaganda das supostas virtudes do neoliberalismo.
O alinhamento do peso ao dólar só funcionou temporariamente, e, quando funcionou, foi devido a uma formidável regressão social. A indústria argentina foi simplesmente devastada. A produtividade per capita aumentou em 30% de 1991 a 1998, mas o salário médio caiu em 3%. A taxa de desemprego passou de 7% em 1992 para mais de 17% em 2002, e a explosão do desemprego arrasou a Argentina. Por outro lado, a paridade com o dólar americano derrubou a competitividade das mercadorias da Argentina de forma brutal. Entre 1997 e 2001, a taxa de câmbio peso/dólar foi mantida em 1 por 1, e os preços permaneceram estáveis. No mesmo período, o real brasileiro perdeu 60% de seu valor em relação ao dólar, com aumento de 25% nos preços internos contra a estabilidade obtida pela Argentina. Em consequência, os preços argentinos em dólar duplicaram em relação aos preços brasileiros com reflexos evidentes no saldo comercial.
Perante os Estados Unidos, a paridade peso/dólar garantia certo equilíbrio, mas gerava, Senador Suplicy, uma grande deterioração com relação aos países da América Latina, principalmente os do Mercosul, e, logo, evidentemente, o Brasil.
A Argentina acabou adotando medidas protecionistas para resistir à invasão dos produtos brasileiros, e a intensificação de transações comerciais, dentro do Mercosul, sofreu, evidentemente um abalo.
O Brasil pagou o preço da resistência correta à proposta da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, quanto à sua política monetária e ao distanciamento que adotou em relação ao movimento geral de dolarização.
Enquanto isso, a crise argentina se aprofundava. Uma camada estreita da população se beneficiava do modelo e da distribuição absolutamente desigual, que se tornou, ao longo do tempo, inaceitável. Perdiam os assalariados, os pequenos poupadores e os aposentados; ganhavam os bancos, os credores estrangeiros, os capitalistas argentinos do setor de exportações, os grupos multinacionais espanhóis e franceses, assim como seus governos, sem falar de instituições como o FMI e o Departamento de Tesouro norte-americano.
O mercado interno perdia dinamismo e a especulação toma conta da economia. Em plena crise, a bolsa de Buenos Aires registrou uma alta devido à compra de títulos facilmente renegociáveis em dólar, e calcula-se em um total de US$120 bilhões as fugas de capitais, dos quais 24 bilhões só entre março e dezembro de 2000, ou seja, um número mais ou menos equivalente ao da dívida pública.
Em 2000, as exportações argentinas representaram 9% do Produto Bruto Interno, um índice absurdamente baixo. Esse déficit comercial crescente conduziu a Argentina a uma espiral de espoliação. O déficit comercial semeou a dúvida entre os especuladores, tanto quanto à manutenção das taxas de câmbio, como também quanto à capacidade de o governo argentino cumprir os seus compromissos.
Nos meses da crise, a tal perda de confiança era diariamente quantificada pelas famosas agências de risco. Para enfrentar a tal desconfiança dos especuladores, a Argentina passou a adotar aumentos espetaculares das taxas de juros, de maneira a oferecer garantias contra o risco de mudanças e de imediato o risco da insolvência.  Várias medidas de ajuste para pagar os credores fracassaram. A última medida, o congelamento das contas bancárias, para evitar a saída de capitais, levou milhares às ruas em dezembro de 2001. Instalou-se o caos: saques a supermercados, panelaços, protestos, Senador Suplicy, na porta dos bancos.
Foi assim que o neoliberalismo, o fascínio mortal do dólar e dos abutres do capital financeiro, praticamente, faliram a República Argentina. No auge da crise, elegeu-se Fernando de La Rúa, que, logo, renunciou. No vazio político criado, a Argentina teve cinco presidentes em apenas duas semanas, entre eles, o peronista Adolfo Rodriguez Saá, que ficou no governo apenas uma semana e que decretou a moratória da dívida externa argentina. Eduardo Duhalde, que o sucedeu, desvalorizou o peso e convocou eleições para 2003, quando foi eleito Nestor Kirchner, com apenas 22% dos votos. Kiirchner manteve o Ministro da Economia de Duhalde, Roberto Lavagna.
A Argentina resolve sair da crise sozinha sem os famosos programas recessivos do Fundo Monetário Internacional, que sempre manda que os governos tirem dinheiro da população para pagar os especuladores, como aconteceu recentemente com a Grécia. Com Kirchner, a Argentina resolveu reestruturar suas dívidas, chamou os credores, disse-lhes que o país não tinha dinheiro para pagar mais porque precisava investir em aumento de salários, criação de empregos e planos sociais.
E propôs aos credores a troca de papéis com juros altos e prazo curto por títulos de juros baixos e prazos longos, os chamados suaps, ou seja, pediu oxigênio para continuar vivendo porque mortos não pagam dívidas.

(continua)

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